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A argumentação na ótica de Chaim Perelman

2.1 O ESTUDO DA ARGUMENTAÇÃO: DOS CLÁSSICOS AOS MODERNOS

2.1.1 A argumentação na ótica de Chaim Perelman

Perelman interessou-se pela criação de uma lógica dos juízos de valor, ou seja, uma lógica que pudesse fornecer critérios objetivos e universais para a aferição de valores, em vez de deixá-la ao arbítrio de cada um. Com isso, o autor procura negar a possibilidade de uma solução racional para todos os problemas que envolvam juízo de valor, o que não era uma perspectiva muito adequada para ele. Lançou-se à procura de uma racionalidade ética, de uma lógica específica para os valores. Tal procura levou-o à conclusão inesperada de que não há uma lógica dos juízos de valor, mas que, em todos os campos do conhecimento onde ocorre controvérsia de opinião – a filosofia, a moral, o direito, etc. – recorre-se a técnicas argumentativas: a dialética e a retórica utilizadas como instrumentos para se chegar a um acordo sobre os valores e sua aplicação. Sua intenção foi a de direcionar no sentido de retomar e ao mesmo tempo renovar a retórica dos gregos e dos romanos, concebida como a arte de bem falar, ou seja, a arte de falar de modo a persuadir e a convencer, e retomar a dialética e a tópica, artes do diálogo e da controvérsia PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 108).

A produção intelectual de Perelman, em sua maior parte, gira em torno da retórica, concebida como uma maneira de discutir e chegar a um acordo sobre valores sem abandonar o campo da razão.

Pode-se dizer que essa proposta coordena em seu interior o aspecto Argumentativo-filosófico x Estilístico-literário. Geralmente, tende-se a acentuar o aspecto retórico de sua proposta, o que é bastante natural, tendo em vista o nome dado de Nova Retórica. Entretanto, é preciso observar que Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) referem-se ao aspecto retórico e dialético de maneira quase indistinta. Ainda que

11 ANSCOMBRE, Jean-Claude; DUCROT, Oswald. L'argumentation dans la langue. Langages, v. 42,

esses autores vejam a argumentação sob o ângulo de processo persuasivo, é preciso ter em mente que, no caso da argumentação que visa convencer ao auditório universal, não se pode mais falar em persuasão, mas sim de uma abordagem dialética.

Quanto ao aspecto lógico, pode-se dizer que o livro Tratado da Argumentação (2005), daqueles autores, é um longo estudo de lógica informal – entendida enquanto o estudo dos meios de prova não concludentes, empregados em todo o tipo de situação envolvendo justificação por razões –, ainda que sem enfoque normativo, já que não oferece nenhum padrão de avaliação de validade e se preocupa antes em descrever como efetivamente se raciocina.

Dessa forma, é possível classificar a Nova Retórica de Perelman entre os estudos retóricos, tendo em vista a centralidade que a noção de auditório tem no pensamento desse autor e também a importância do aspecto persuasivo e propriamente processual da argumentação. Mesmo tendo sempre no centro a noção de auditório, Perelman, ao falar do auditório universal, ultrapassa o nível dos meros atores sociais e tem em vista uma situação ideal para o exame crítico que, ainda que tenha na eficácia o seu critério de validade, tal eficácia é uma ficção, uma construção ideal, um caso limite. Assim também o fazem Wenzel12 (1979) e Habermas13 (1981a, 1981b apud ALVES, 2005), ainda que por razões distintas, pois o primeiro ressalta o aspecto contextual, o estudo dos meios de persuasão; e o segundo ressalta a construção ideal do auditório universal – o que seria, para Wenzel, uma razão para chamá-la de dialética. A principal diferença entre Wenzel e Habermas está na definição da perspectiva retórica: para Habermas é o estudo das estruturas de uma situação ideal da linguagem a partir da reconstrução das condições universais de simetria, enquanto para Wenzel é o estudo do argumentar como um processo persuasivo, que se preocupa com a eficácia do discurso em contextos particulares. A versão de Wenzel está mais próxima do sentido aristotélico do termo retórica e, além disso, serve melhor ao propósito dessa pesquisa de situar a proposta perelmaniana da Nova Retórica.

12 WENZEL, Joseph W. Perspectives on Argument. In: HODES, J; NEWELL, S. (eds.) Proceedings of

the 1979: Summer Conference on Argument. Falls Church: SCA, 1980.

13 HABERMAS, Jürgen. Theorie des Kommunikativen Handels. Band I. Frankfurt: Suhrkamp, 1981a.

HABERMAS, Jürgen. Theorie des Kommunikativen Handels. Band II. Frankfurt: Suhrkamp, 1981b.

Ao refletir sobre a proposta de Perelman, é importante observar que a dificuldade de enquadrá-lo em qualquer perspectiva é adequado, sobretudo, pelo caráter pioneiro de sua empreitada. Com o desenvolvimento dos estudos em teoria da argumentação, os diversos teóricos se detiveram a especificar cada vez mais sua área de atuação, realizar novas distinções e criar campos mais precisos e distintos uns dos outros. Apesar de todo o esforço que já foi realizado desde os anos sessenta, tanto a teoria da argumentação quanto a retórica, que possuem uma mesma base, encontram-se ainda em processo de formação e solidificação conceitual. Em síntese, a análise das diversas abordagens da argumentação, pode-se dizer que, apesar de todas as ressalvas que foram apontadas, o estudo de Perelman é, sobretudo:

a) lógico, entendido como o estudo dos meios de prova, em oposição à psicologia estudo do processo psíquico de adesão – e à sociologia – estudo do processo social de adesão;

b) descritivo, que se preocupa antes em mostrar o que efetivamente persuade e não em ensinar o que deve ser feito para provocar a adesão ou em fornecer um padrão de avaliação de validade;

c) argumentativo-filosófico, uma vez que se interessa pelas figuras e pelo estilo objeto de estudo da retórica estilístico-literária – apenas enquanto argumentos, que possuem potencial persuasivo;

d) retórico, uma vez que olha para a argumentação como um processo persuasivo e centra-se na noção de auditório.