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Antes de acontecer a dinâmica do Júri-Simulado, houve uma preparação prévia que priorizou os seguintes aspectos para que o aluno tivesse conhecimento da situação contextual argumentativa em que estava inserido e dos principais elementos que constituíam esse tipo de discurso:

36 BOGDAN, Robert C.; BIKLEN, Sari Knopp. Qualitative Research for Education: an introduction

A escolha do tema

Na aula de leitura, o professor serve de mediador entre o aluno e o autor. KLEIMAN, 2002b, p. 27).

O tema deve gerar desacordo ou controvérsia e os alunos devem tomar uma posição em relação à questão. Muitas vezes os temas são sugeridos por mim e outras vezes pelos alunos, principalmente os que estão em pauta na mídia.

A coleta de informações

Os textos devem ser aceitos como informações pertinentes e de novidades... KLEIMAN, 2002b, p. 27)

Os alunos devem procurar na escola e em casa informações sobre o tema a ser debatido. Geralmente são textos de revistas, jornais, internet, entrevistas realizadas dentro e fora da escola.

A busca de informações em diferentes fontes

A leitura dos textos... deve abordar a seleção daquilo que interessa... a leitura como sondagem. KLEIMAN, 2002b, p. 32)

Nesse momento, é realizada a formação de dois grupos, um que defende um ponto de vista e outro que defende o contrário; nessa etapa prevalece a minha intervenção para a escolha dos melhores textos, ou seja, textos que se adequem à minha intenção de fazer o processamento textual.

A leitura dos textos

O objetivo da aula de leitura deve levar o aluno a perceber a atitude do autor do texto... KLEIMAN, 2002b, p. 76)

Durante a análise de textos feita pelos alunos (de revistas, jornais, internet e dos produzidos por mim) eles se detêm a buscar argumentos que os ajudem a sustentar as suas opiniões diante do tema a ser debatido, ou seja, inicia-se o processo de preparação para o jogo de simulação através de anotações sobre os textos lidos, sobre as entrevistas realizadas dentro e fora da escola e pelos noticiários da televisão.

Partindo da ideia de que a textualidade é um conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto, e não apenas uma sequência de frases COSTA VAL, 1991, p. 5), e considerando as análises feitas com os alunos, de vários textos sobre os temas propostos, procurei demonstrar a eles que o papel do leitor é o de buscar as pistas que o autor aponta, implícita ou explicitamente, para construir a coerência do texto, por ser essa a responsável pelo sentido global do mesmo, pelo seu entendimento, constituindo um princípio de interpretabilidade do texto, num processo cooperativo entre produtor e receptor. KOCH; TRAVAGLIA, , p. 102). Segundo Kleiman (2002b), para que haja a possibilidade de interação com o autor é crucial que a divergência na interpretação esteja fundamentada na convergência, que se fundamenta, por sua vez, não em uma leitura autorizada, mas na análise crítica dos elementos da língua que o autor utiliza.

Passos para a leitura do texto argumentativo

É necessário demonstrar a necessidade de conhecimento do professor na área específica de leitura (além, é claro, de sua formação linguística ... (KLEIMAN, 2002b, p. 54)

 reconhecer a diferença entre um texto argumentativo e um não-argumentativo;  leitura preparada de textos argumentativos variados;

 observação e identificação de componentes comunicacionais e enunciativos;  comparação de textos e identificação de suas características próprias;

 hipóteses explicativas das características desse tipo de texto;

 estudos sistemáticos de certas determinações linguísticas, textuais ou discursivas, características dos textos argumentativos;

 comparação dos diferentes pontos de vista apresentados em cada texto;

 retomada da definição intuitiva do aluno, identificando as categorias do texto que levem a classificá-lo como texto argumentativo;

 criação de condições para que o aluno elabore conceitos relativos às categorias que compõem a superestrutura;

 apreciação e avaliação dos textos argumentativos.

Após a leitura e análise dos textos, os alunos se dividiram em dois grupos: um contra e outro a favor do tema a ser debatido. Em grupos, eles prepararam as suas

defesas relendo os textos, procurando novas informações, fazendo entrevistas, etc., tudo isso para se saírem bem na hora do júri.

As ideias apresentadas por Ducrot fundamentam o jogo de simulação oral quando ele afirma que qualquer enunciado trata ou pretende tratar de um universo diferente do que declara acerca dele (DUCROT, 1984, p. 25). Ou seja, a palavra exige ser posta em confronto com um mundo que possua uma realidade própria, que pode ser muito diferente do que é genericamente considerado mundo e realidade. O argumentador deve convencer o interlocutor, apelar para seus sentimentos ou para os fatos e procurar modificar suas atitudes ou opiniões; o argumentador deve conhecer e antecipar a posição do destinatário.

Procurei deixar claro aos participantes do júri que o argumentador deve saber que o destinatário é o elemento regulador do discurso argumentativo, uma vez que não se consegue mudar a opinião de alguém sem conhecer sua posição e seus interesses; ele deve dar ênfase ao lugar social em que se realiza o discurso, porque esse condiciona os papéis, tanto do argumentador, como do destinatário.

De posse de seus próprios resumos e anotações, os alunos debateram sobre os temas propostos, durante 45 minutos, aproximadamente.

Aqui ressalto a importância do ambiente para o sucesso do Júri-Simulado. A sala de aula deve se transformar num tribunal, predominando a formalidade. Além das regras de participação e conduta, é fundamental rearranjar as carteiras, de modo a separar os juízes (três alunos) dos advogados de defesa (o restante da turma). Os últimos, por sua vez, devem se posicionar em dois grupos, um de frente para o outro. O ambiente cria o clima para que os alunos melhor se compenetrem na função de defesa e julgamento.

Estabelecidos, assim, os dois grupos de defesa – um, a favor e outro, contra – e também os juízes responsáveis pelo veredicto final, partimos do princípio de que venceria o grupo que argumentasse melhor. Durante todo o Júri-Simulado, como professora, restringi-me a observar, pois as regras para que o jogo acontecesse já estavam definidas e todos conheciam bem as suas funções e papéis.

É interessante apontar, aqui, as anotações e observações feitas por mim no papel de espectadora sem fazer nenhuma intervenção. As anotações que faço estão relacionadas com a produção de argumentos e contra argumentos durante o debate oral para poder verificar se os argumentos que foram apresentados na oralidade serão retomados na escrita argumentativa.

Penso que a dinâmica do Júri-Simulado coloca as crianças diante de situações que disparam questões controversas e com posicionamentos divergentes, através dos quais elas devem tomar uma posição e justificá-la diante do outro.

As questões abordadas podem ser as mais diversas, desde os temas polêmicos da nossa sociedade aos problemas do cotidiano escolar. É possível que este modelo de ensino possa ser estendido a outras séries e contribuir para a formação de leitores e produtores críticos e reflexivos, prontos para questionar e agir na sociedade contemporânea.

Ao término do ritual do Júri-Simulado, acredito sempre ter chegado ao desafio maior, que é quando faço a proposta aos alunos para produzirem um texto de opinião, escrito individualmente para representar, mais uma vez, a defesa do ponto de vista de cada um. Ou seja, eles têm que vivenciar um processo de retextualização do discurso falado no Júri-Simulado para o discurso escrito, o que exige muitas competências e habilidades. Estou adotando a postulação de Marcuschi (2007, p. 46), de que a retextualização não é um processo mecânico, já que a passagem da fala para a escrita não se dá naturalmente no plano dos processos de textualização , mas vai receber interferências mais ou menos acentuadas a depender do que se tem em vista (MARCUSCHI, 2007, p. 47).