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5 Discussão dos Resultados

5.2 A Assistência ao Parto Segundo as Mulheres Assistidas

A análise do corpus 1 produzido pelo grupo das mulheres assistidas é composta de duas partes. Em um primeiro momento, as mulheres entrevistadas relatam a sua experiência de parto na maternidade, sendo que alguns elementos da assistência já são referidos (corpus 1-classes 2 e 4) e, posteriormente, o conteúdo do corpus trata mais especificamente da assistência ao parto (corpus 1-classes 1 e 3).

É importante assinalar que, com relação a esse grupo de participantes da pesquisa, não se observou uma contribuição significativa das variáveis investigadas para a compreensão das suas representações sociais sobre o tema em questão. Vale ressaltar também que pesquisas correlatas têm apontado pouca ou nenhuma relação entre fatores demográficos como idade, escolaridade e nível socioeconômico e a maneira de perceber a assistência ao parto (Green & Baston, 2003; Hodnett, 2002; Waldenström, 2004 & Waldenström et al., 2004).

A análise da primeira parte do corpus 1 produzido pelas mulheres assistidas permite perceber que, ao relatarem sua experiência de parto na maternidade, quatro aspectos são destacados: 1) a trajetória percorrida por elas desde o momento em que perceberam em casa o primeiros sinais de trabalho de parto até serem admitidas na maternidade; 2) a maneira como percebem o seu papel e o dos profissionais de saúde no momento do parto (classe 2); 3) a maneira como elas vivenciam o decorrer do tempo entre a admissão na maternidade e o parto, e entre o parto e a alta da maternidade; 4) a experiência de presenciar o processo de parto de outras mulheres internadas (classe 4).

Com relação à trajetória percorrida pelas mulheres até a internação na maternidade, a análise dos dados permite concluir que a assistência prestada pelas maternidades investigadas parece se organizar de modo a proceder à internação das parturientes em trabalho de parto com evolução normal, num determinado momento dessa evolução previamente determinado pela equipe de saúde. Porém, observou-se que esse critério de internação nem sempre parece estar claro para as mulheres, desconhecimento que as leva a procurar a maternidade antecipadamente, quando começam a sentir dores e contrações. Esse fato, por sua vez, faz com que elas sejam orientadas pelos profissionais a retornar para casa, às vezes em mais de uma ocasião, o que, em muitos momentos, acarreta uma experiência geradora de estresse para essas mulheres.

Partindo-se do pressuposto de que o momento mais oportuno para orientar as mulheres sobre a melhor hora de procurar a maternidade durante o trabalho de parto parece ser durante a gestação, esse dado parece indicar, por um lado, uma deficiência na assistência pré-natal tanto na rede pública, quanto na rede particular, considerando que algumas das mulheres entrevistadas realizaram o acompanhamento pré-natal na rede privada. Por outro lado, esse dado também parece indicar uma falta de integração entre os níveis de assistência primário (unidades de saúde local) e terciário (maternidades), responsáveis pela assistência nesses casos.

Dessa forma, esses dados apontam para uma visão entre as mulheres que procuram a maternidade para ser assistidas em seu parto de que, para serem admitidas na maternidade, é suficiente estar sentindo dores e contrações. Contribuíram para a produção desses dados principalmente as mulheres atendidas na Maternidade A, que não tiveram acompanhante no parto e com escolaridade até o ensino médio completo.

Com relação à maneira como as mulheres vêem o seu papel e o dos profissionais de saúde na assistência ao parto, os dados coletados perecem indicar que elas se percebem desempenhando um papel mais passivo durante o processo de parto, enquanto atribuem aos profissionais um papel mais ativo, mesmo naquelas situações em que a função principal cabe a elas, como o próprio ato de parir.

Observou-se que a maioria das mulheres entrevistadas se referiu espontaneamente a várias práticas às quais foram submetidas na maternidade, sendo que muito raras foram às vezes em que houve um questionamento sobre a necessidade ou não da realização desses procedimentos. Esses dados parecem indicar, por um lado, uma representação social de que o conhecimento dos profissionais de saúde é superior ao delas que estão vivenciando a experiência de parir e, por outro lado, uma subordinação ao poder médico que historicamente caracteriza a assistência ao parto em nossa sociedade, conforme demonstram Melo (1983) e Spink (2003). Outras pesquisas sobre assistência ao parto também têm observado a submissão da mulher às rotinas hospitalares (Campero et al.,1998 & Soares & Silva, 2001). Contribuíram para a produção desses indicadores textuais de representações sociais principalmente o mesmo grupo de mulheres referido anteriormente. Dessa forma, chama a atenção que a maior parte das mulheres que se percebeu desempenhando o papel mais passivo no parto tenha sido atendida na Maternidade A, instituição que está mais identificada com o modelo tecnocrático de atenção ao parto, conforme demonstrado anteriormente.

De maneira geral, o tempo de permanência na maternidade é percebido pelas mulheres como um período demorado, e tanto o nascimento do bebê quanto o retorno à sua casa são aguardados com ansiedade. Aqui caberia um questionamento com vistas a saber se a experiência de sentir dor muitas vezes exacerbada ou até desencadeada pelo uso freqüente do soro contendo ocitocina, já que a maioria das mulheres que foi submetida a esse procedimento relatou um aumento da dor após a administração do soro, não estaria contribuindo para a sensação de que o tempo transcorrido durante o processo de parto demora a passar. É importante destacar que, das 20 mulheres entrevistadas, 13 mencionaram o uso desse recurso e que a OMS (1996), a partir da análise de estudos na área, relaciona o uso da ocitocina com o aumento da dor no trabalho de parto.

Assim, identifica-se a necessidade de realizar estudos no sentido de verificar a validade do argumento utilizado por muitos profissionais de saúde de que a ocitocina contribui para um maior conforto da mulher, na medida em que sua utilização está associada a um encurtamento do tempo de duração do trabalho de parto. Assim, questiona-se se a utilização da ocitocina não estaria provocando uma sensação contrária, isto é, a de que o tempo transcorrido durante o trabalho de parto é maior do que na realidade é.

Aqui, mais uma vez, houve uma maior contribuição para a produção dos dados por parte do grupo das mulheres atendidas na Maternidade A, que não tiveram acompanhante no parto e com escolaridade até o ensino médio completo. É importante destacar que, conforme apresentado anteriormente (Tabela 17), foi nessa maternidade que se observou uma maior freqüência da utilização da ocitocina para conduzir a dinâmica do trabalho de parto.

O fato de presenciar o processo de parto de outras mulheres parece se constituir em uma experiência marcante para as mulheres e exercer interferência geralmente negativa na maneira como elas vivenciam o seu próprio processo de parto. Isso ocorre porque esse fato acaba levando-as a fazer comparações entre o que acontece com elas e o que acontece com as outras mulheres em processo de parto, contribuindo para aumentar a sensação de medo e gerar expectativas que muitas vezes não se aplicam à sua situação. Contribuíram para a produção desses dados principalmente as mulheres com escolaridade superior ao ensino médio completo, que tiveram acompanhante no parto e eram casadas.

Quanto à assistência propriamente dita (classes 1 e 3), pôde-se constatar que as mulheres identificam mais aspectos positivos do que negativos na assistência recebida (classe 1). Outras pesquisas correlatas, principalmente aquelas que investigam a satisfação da mulher no parto, têm encontrado em seus resultados altos níveis de satisfação (Campero et al., 1998; Domingues et al., 2004; Maternity Center Association, 2004; Motta, 2003; Tornquist, 2004; Teijlingen et al., 2003 & Waldenström et al., 2004). Os estudos parecem indicar que há uma tendência de as mulheres avaliarem bem seus cuidadores, mesmo quando apontam descontentamento quanto à forma como foram tratadas. Muitos trabalhos também têm apontado para uma tendência, percebida em pesquisas sobre satisfação realizadas muito próximas ao parto, em apresentar resultados mascarados pelo alívio decorrente do fato de o parto ter tido um desfecho feliz (Domingues, Santos & Leal, 2004; Hodnett, 2002; Teijlingen et al., 2003 & Waldenström et al., 2004).

Hodnett (2002) também destaca a necessidade de atentar para o fenômeno da negação que pode interferir nos resultados das pesquisas sobre satisfação no parto. Segundo essa autora, a negação é o primeiro estágio de uma reação de dor quando as expectativas quanto a uma experiência não foram satisfeitas. A autora destaca ainda a interferência do fenômeno “what is, must be best”. Conforme já mencionado anteriormente, esse fenômeno é uma função da consciência da mulher a respeito do seu próprio papel no que aconteceu a ela, por exemplo, a escolha da maternidade em que o parto ocorreu. Waldenström (2004), por sua vez, assinala que os aspectos negativos levam mais tempo para serem integrados à experiência. Teijlingen et al. (2003) destacam também o quanto as experiências e preferências das pessoas são moldadas pelo conhecimento que possuem. Portanto, avalia-se a necessidade de considerar a possível interferência desses fatores nos resultados encontrados.

Com relação aos aspectos positivos, entre os citados, a atenção recebida da equipe de saúde é o mais recorrente. As características da assistência que as mulheres relacionam com a atenção recebida envolvem explicações fornecidas em linguagem acessível, freqüência com que os profissionais passavam no seu leito para avaliar o seu estado e o do bebê, tempo dispensado pelos profissionais para ficar ao seu lado, prontidão no atendimento quando algo era solicitado, ajuda da equipe de enfermagem para amamentar, acompanhamento intensivo no pós-operatório, entre outros aspectos, conforme especificado no item 4.2.1.2.1.

Esse resultado vai ao encontro de outros estudos na área, que têm demonstrado

a forte influência que a qualidade da relação com os cuidadores exerce sobre a satisfação das mulheres no parto (Domingues et al. 2004; Fowles, 1998; Green & Baston 2003; Hodnett, 2002; Motta, 2003; Santos & Silbert, 2001; Waldenström, 2004 & Waldenström et al. 2004). Identificou-se também que as profissionais de enfermagem desempenham um papel importante na maneira como as mulheres percebem a assistência recebida, principalmente na proporção em que fornecem explicações sobre o que está acontecendo durante o processo de parto na maternidade.

Quanto aos aspectos negativos da assistência, embora tenham sido menos citados, o que teve maior ocorrência foi o atendimento prestado por alguns profissionais de saúde. Entre esses casos, encontraram-se situações em que as mulheres assistidas perceberam o atendimento como grosseiro, impaciente, desumano, pouco atencioso, entre outras características apontadas. Contribuíram para a produção desses dados principalmente as mulheres solteiras. Waldenström (2004) encontrou uma associação entre essa condição social e a avaliação negativa da experiência do parto. Essa autora realizou um estudo que buscou compreender os fatores que poderiam ter contribuído para que a avaliação do parto tendesse a se tornar mais negativa com o tempo e identificou, com relação à assistência, que o fato de a mulher não se sentir satisfeita com a atenção dispensada às suas necessidades pelos cuidadores foi o fator estatisticamente mais significativo que determinou que a sua opinião se tornasse menos positiva com o decorrer do tempo. Fowles (1998), em estudo que investigou as considerações de 77 mulheres dois meses após o parto, identificou entre as frustrações levantadas que a percepção negativa dos cuidadores foi o segundo aspecto mais citado nessa categoria, sendo que as mulheres se referiram a comportamentos dos profissionais que elas avaliaram como grosseiro, não cuidadoso e indesejável.

Ainda com relação à assistência propriamente dita, identificou-se que, ao falarem de como imaginam uma assistência ideal (classe 3), o aspecto mais mencionado pelas mulheres entrevistadas como algo que deveria estar sempre presente nessa assistência seria uma boa relação com os profissionais de saúde. Aqui, novamente, a atenção dispensada pelos profissionais é uma característica citada com freqüência. Além disso, na opinião das mulheres, permitir e possibilitar sempre a presença do acompanhante durante o processo de parto também seria uma característica importante da assistência ideal. Várias pesquisas têm apontado para os benefícios de um acompanhamento contínuo por pessoas que oferecem apoio emocional e físico à

parturiente (Brüggemann et al., 2005 & Hodnett, 2005), e o quanto as mulheres avaliam positivamente essa prática (Domingues, 2002; Hotimsky, 2001; Motta, 2003 & Santos & Siebert, 2001).

Portanto, esses dados parecem apontar para uma representação social entre as mulheres assistidas de que uma boa assistência é aquela em que os profissionais são atenciosos, sendo a atenção identificada com os aspectos definidos anteriormente. Uma assistência ruim, por outro lado, seria aquela em que os profissionais fossem pouco atenciosos com as parturientes e as tratassem de forma desrespeitosa.