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5 Discussão dos Resultados

5.1 A Assistência ao Parto Segundo os Profissionais de Saúde

A partir da análise do corpus “Assistência ao Parto” produzido pelo grupo dos profissionais de saúde, pôde-se perceber alguns elementos que indicam dois tipos diferentes de representações sociais sobre a assistência ao parto.

De um lado, encontraram-se indicadores textuais de representações sociais produzidos principalmente pelos profissionais que trabalham na Maternidade B, pela categoria das enfermeiras obstetras e por profissionais com idade entre 37 e 49 anos (corpus 1-classe 2). Esses indicadores apontam para uma forma de pensar a assistência identificada com o ideário da humanização do parto que compõe a filosofia da Maternidade B, sendo que de acordo com essa concepção, grande importância é dada à presença do acompanhante e também à participação da enfermeira obstetra no processo de parto. Na ótica dos profissionais que compartilham dessas noções de representações sociais, a atuação das enfermeiras obstetras está ligada a uma postura profissional mais relacionada ao cuidado e menos relacionada à intervenção no nascimento, característica que ajudaria a compor a assistência humanizada. Além desses aspectos, a atitude que procura incentivar a participação ativa da mulher no nascimento do seu filho é outra característica importante da assistência humanizada referida por esses profissionais de saúde.

Porém, observou-se que, embora os profissionais que compartilham dessa visão da assistência se identifiquem com a filosofia de atendimento da Maternidade B, a qual preconiza a humanização do parto, eles próprios reconhecem que, na prática, essa proposta não foi absorvida por todos os que lá trabalham. Eles percebem haver divergências importantes na maneira de pensar a assistência na Maternidade B, o que acaba levando a uma falta de homogeneidade em relação a algumas condutas e gerando atritos dentro da equipe.

Os dados coletados permitem constatar que os profissionais que trabalham na Maternidade B, sobretudo as enfermeiras obstetras, encontram-se mais identificados com um modelo de assistência que se contrapõe ao modelo hegemônico de atenção ao parto e se aproxima mais daquele proposto pelo Movimento pela Humanização do Parto e Nascimento. Observou-se que a identificação com esse modelo tem sido um processo gradual que vem ocorrendo desde a inauguração da Maternidade B, há cerca de 10 anos, e que ainda não está consolidado, conforme se pôde observar pelas divergências na maneira de pensar a assistência dentro da instituição apontadas por esses profissionais. Um dos fatores responsáveis por essas divergências parece ser o fato de a maioria dos profissionais que lá trabalham ter sido formada dentro do modelo medicalizado de assistência, conforme relatos realizados durante as entrevistas.

Apesar da resistência que os próprios profissionais relataram ter apresentado quando ingressaram na Maternidade B e se depararam com uma proposta diferenciada de atenção ao parto implantada pela direção da Instituição, as informações coletadas nas entrevistas vieram a corroborar a idéia de que as mudanças nas práticas alteram as representações sociais de grupos sociais (Andrade, 1998 & Rouquette, 1998). Nesse sentido, o exemplo mais emblemático dessa mudança parece ser a percepção dos profissionais de saúde quanto à importância da presença do acompanhante no parto, prática que encontrou muitas resistências no início de sua implantação em ambas as maternidades investigadas, conforme relato dos profissionais, e que atualmente é vista por eles como um dos aspectos mais positivos da assistência. Ratto (2001), em pesquisa realizada na Maternidade Leila Diniz, no Rio de Janeiro, também identificou que, a despeito da resistência que muitos profissionais apresentaram quanto à presença do acompanhante no parto no início da implantação dessa prática, esse aspecto foi referido por eles como a experiência mais importante da proposta de humanização da assistência ao parto naquela instituição.

A análise dos dados permitiu observar também, que ao se identificar com a proposta de humanização da atenção ao parto, os profissionais da Maternidade B privilegiam alguns sentidos dessa abordagem, conforme as definições encontradas por Diniz (2005). Um desses sentidos é aquele que defende um redimensionamento dos papéis e poderes na assistência ao parto, o que inclui o deslocamento da função principal, ou pelo menos exclusiva, no parto normal, do cirurgião obstetra para a enfermeira obstetriz. Outro sentido atribuído à humanização pelos profissionais da Maternidade B, e que aparece em destaque nas entrevistas, é o que confere legitimidade

à participação da parturiente nas decisões sobre o seu parto, incluindo poder contar com a presença de um acompanhante de sua escolha na assistência.

Por outro lado, encontraram-se indicadores textuais de representações sociais produzidos principalmente pelos profissionais que trabalham na Maternidade A e pela categoria dos médicos com idade entre 24 e 36 anos (corpus 1-classes 4 e 1). Esses indicadores parecem apontar para uma visão medicalizada da assistência ao parto, ou seja, que atribui ao médico a função principal no momento do parto, enquanto que à mulher é atribuído um papel mais passivo. Nesse sentido, encontraram-se, de forma marcante nesse grupo, noções que apontam para a idéia de que cabe ao médico “fazer” coisas durante o processo de parto, como o próprio parto e uma série de práticas de assistência, como, por exemplo, a episiotomia, a prescrição do enema e da tricotomia. Em alguns momentos, os próprios profissionais reconhecem realizar algumas dessas práticas, como por exemplo, a episiotomia, por sentimentos como medo e insegurança e não por uma indicação técnica sustentada pela ciência.

A análise dos dados também parece indicar que outro papel atribuído à categoria pelos próprios médicos obstetras é orientar a mulher em trabalho de parto. Por outro lado, na visão dos profissionais que compõem esse grupo, o papel da mulher no parto parece se restringir a fazer força e ajudá-los a fazer o parto, sendo que também caberia a eles orientá-la sobre o momento certo de fazer força. Assim, observa-se que o papel de orientar, muitas vezes, está relacionado com dizer à mulher o que e como fazer durante o processo de parto.

Porém, embora se tenha identificado uma maior homogeneidade na maneira de ver a assistência que caracteriza esse grupo de profissionais do que na maneira de pensar que caracteriza o grupo anterior, também aparecem algumas contradições no seu discurso. Estas se fazem notar na medida em que, em alguns momentos, os profissionais médicos atribuem o papel principal no momento do parto a si próprios e ora o atribuem às parturientes.

Ainda com relação a esse grupo de profissionais, percebe-se que grande importância é atribuída ao papel do espaço físico da maternidade na qualidade da assistência. Na visão desse grupo de participantes da pesquisa, uma área física organizada de modo a proporcionar privacidade para as parturientes, assim como evitar que elas necessitem se deslocar de sala, entre o período que antecede o parto e o parto seriam características importantes de uma assistência ideal.

A análise dos dados também permitiu constatar nesse grupo de profissionais uma concepção do parto como algo intrinsecamente doloroso. Nesse sentido, a impossibilidade de disponibilizar o recurso da analgesia para todas as pacientes que não tiverem contra-indicações para o seu uso é visto como o principal aspecto negativo da assistência prestada pela Maternidade A. A solução desse problema, por sua vez, é vista como uma característica fundamental de uma assistência ideal.

Portanto, a análise dos dados permitiu observar que os profissionais que trabalham na Maternidade A, por sua vez, parecem se identificar mais com o modelo hegemônico de atenção ao parto, ou seja, o “modelo tecnocrático”, conforme o definem Davis-Floyd e St. John (2004). Observou-se, por intermédio dos relatos desses profissionais, a presença de vários aspectos do referido modelo na maneira como se dá a atenção ao parto na Maternidade A. Um desses aspectos está relacionado com o princípio característico do modelo tecnocrático, o qual delega autoridade ao médico e não ao paciente. Conforme demonstram as referidas autoras, no modelo tecnocrático, o médico é presumivelmente o perito, enquanto que o paciente fica sem responsabilidade. Dessa forma, quem “faz” o parto é o obstetra, concepção que aparece claramente no relato dos profissionais, como mostrado anteriormente. Assim, entre esses profissionais, parece predominar uma representação social segundo a qual o parto é visto não como uma atividade em que a mulher tem o papel principal, mas como um serviço a ser prestado pela medicina.

Outra característica do modelo tecnocrático identificada nos relatos dos profissionais que trabalham na Maternidade A é o princípio de curar de fora para dentro, e que tem por conseqüência o emprego de táticas agressivas na assistência à saúde. Assim, observou-se entre este grupo de profissionais, uma visão segundo a qual, para que o parto ocorra sem problemas, é necessário submeter todas as mulheres a práticas intervencionistas como o enema e a tricotomia. Nesse exemplo, pode-se observar também a presença do princípio da organização hierárquica que caracteriza o modelo tecnocrático de atenção à saúde. Essa hierarquia se faz notar, entre outras maneiras, por meio da subordinação do indivíduo à instituição, ou seja, na Maternidade A, observou- se que as rotinas de assistência estão organizadas de modo a atender muito mais às conveniências médicas do que às necessidades das mulheres, considerando que a utilização dessas práticas não encontra sustentação na ciência, conforme demonstram as recomendações da OMS (OMS, 1996). Davis-Floyd e St. John (2004) analisam a adoção dessas rotinas ritualizadas como uma forma de demonstrar competência e afastar

o medo, transmitindo aos profissionais de saúde uma sensação maior de confiança e controle sobre situações que, de maneira geral, são imprevisíveis. Isso, por sua vez, pôde ser constatado na Maternidade A, quando alguns de seus profissionais chegaram a reconhecer em seus relatos que, em alguns momentos, realizam procedimentos como a episiotomia, por sentimentos como medo e insegurança, conforme apontado anteriormente.

Davis-Floyd e St. John (2004) demonstram também que outra forma por meio da qual a hierarquia se faz notar é pelo posicionamento dos médicos como um grupo social e politicamente superior a qualquer outro grupo de profissionais de saúde. Nesse sentido, é notório o fato de que, apesar de a Maternidade A contar com enfermeiras obstetras em seu quadro, essas profissionais não são autorizadas pela instituição a assistir os partos normais, e sua participação no processo raramente foi citada pelos profissionais médicos. É importante destacar que a assistência ao parto normal sem distócias28 por enfermeiras obstetras no Brasil é aprovada e incentivada pelo Ministério da Saúde que, em 1998, publicou uma portaria29 visando regulamentá-la.

Contudo, embora a Maternidade A pareça estar mais identificada com o modelo hegemônico de atenção ao parto, observou-se também, no relato dos profissionais, algumas noções que apontam para a presença de aspectos humanizadores na maneira de pensar a assistência. Um exemplo disso é a defesa da adequação do espaço físico da Maternidade de modo a promover maior privacidade e conforto para as pacientes.

Portanto, os dados coletados permitem identificar diferentes representações sociais da assistência ao parto entre os profissionais das duas maternidades investigadas. Assim, de um lado, encontraram-se representações sociais entre os profissionais da Maternidade A que contêm principalmente elementos do modelo hegemônico de atenção ao parto, ainda que, dentro dessa visão, tenham sido encontrados também alguns elementos identificados com aspectos humanizadores da assistência. De outro lado, foi possível observar representações sociais entre os profissionais que trabalham na Maternidade B identificadas com a proposta de humanização da assistência, ainda que essa visão diferenciada não seja compartilhada de forma homogênea pelo conjunto dos seus profissionais.

28

Distócia: trabalho de parto difícil (Taber, 2000). 29