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2 Pesquisas Sobre a Assistência ao Parto

2.2 Outros Estudos sobre a Assistência ao Parto

2.2.1 Estudos Estrangeiros

Hodnett (2002) realizou uma revisão sistemática que incluiu 137 relatórios de pesquisas publicados entre os anos de 1965 e 2000 na língua inglesa sobre fatores que podem influenciar a avaliação da mulher sobre sua experiência de parto, com particular atenção aos papéis da dor e do alívio da dor nessa avaliação. A autora salienta que os estudos sobre satisfação, em geral, têm encontrado altos níveis de satisfação quando avaliam cuidados de saúde em geral e níveis mais baixos e mais variáveis quando medem aspectos particulares da experiência.

O estudo concluiu que a qualidade da relação estabelecida com os cuidadores e o apoio recebido no parto são os fatores que maior influência exercem sobre a satisfação da mulher com a assistência recebida. A autora destaca que fatores como a experiência de sentir dor, obter alívio da dor e ser submetida a intervenções médicas durante o parto não exercem uma influência tão óbvia, direta e poderosa na satisfação no parto quanto os aspectos citados anteriormente. Entre os aspectos da relação e do apoio recebido analisados pelas pesquisas foram encontrados: o tipo de comunicação estabelecida com os profissionais, as informações recebidas, o sentimento de ser envolvida nas decisões e o quanto se sentiram livres para expressar sentimentos durante o parto.

Quanto aos aspectos demográficos, a autora observou que os estudos têm encontrado pouca ou nenhuma relação entre características demográficas, como idade, educação e status socioeconômico, status marital e aulas de preparação para o parto e satisfação no parto. Outros trabalhos realizados posteriormente têm apontado também

pouca ou nenhuma relação entre características demográficas e satisfação no parto (Green & Baston, 2003; Waldenström, 2004; Waldenström, Hildingsson, Rubertsson & Radestad, 2004). A cultura e etnia da mulher parecem ter um papel importante na determinação da satisfação apenas quando afetam as atitudes e os comportamentos dos cuidadores para com ela, em particular a habilidade destes para se comunicarem com ela e envolvê-la nas decisões que cercam o seu parto. Nos estudos analisados, a autora observou ainda que as multíparas tendem a apresentar níveis mais altos de satisfação do que as primíparas21. Green e Baston (2003) também encontraram relação entre paridade e satisfação no parto.

Analisando a questão da quantidade de tempo ideal para proceder às pesquisas após o parto, o estudo identificou que não há evidências suficientes nas quais se basear para concluir sobre o impacto desse fator na avaliação da satisfação no parto, pois, segundo a autora, não há tempo ótimo para a realização da pesquisa. Nas suas palavras, essa questão vai depender dos objetivos do estudo, ponderando, contudo, que a avaliação da satisfação no pós-parto imediato pode ser mascarada pelo que ela chama de

halo effect22, pelos fenômenos da negação e what is, must be best23.

Segundo a autora, o primeiro fenômeno é o resultado do alívio de a mulher de ter passado pela experiência de maneira segura e ter um bebê saudável. O fenômeno da negação, por sua vez, é o primeiro estágio de uma reação de dor quando as expectativas quanto a uma experiência não foram satisfeitas. O último fenômeno é uma função da consciência da mulher a respeito do seu próprio papel no processo. A autora cita como exemplo a escolha dos provedores de cuidado e do lugar do parto.

Hodnett (2002) destaca que a relação do pesquisador com o participante da pesquisa parece interferir mais negativamente na validação dos estudos do que o tempo transcorrido após o parto, uma vez que os pacientes tendem a ser especialmente relutantes em avaliar negativamente o cuidado recebido por medo de não serem aceitos e de sofrerem represálias.

Waldenström (2004), a partir dos resultados de uma pesquisa anterior realizada pela autora24, a qual havia identificado que 40% das mulheres investigadas haviam modificado sua avaliação da experiência do parto um ano após o evento (24% delas

21

Primípara: mulher que teve um bebê de 500g (ou 20 semanas de gestação), independente de estar vivo ou morto (Taber, 2000).

22

Efeito de alívio (tradução da autora). 23

O que é pode ser melhor (tradução da autora). 24

Waldenström, U. Women’s memory of childbirth at two months and one year after birth. Birth 2003;30:248-254.

haviam avaliado a experiência de forma mais negativa, e 16%, de forma mais positiva), buscou compreender em estudo posterior os fatores que poderiam ter contribuído para que a avaliação do parto tendesse a se tornar mais negativa com o tempo.

O estudo citado mostrou que o fator de risco mais importante foi a mulher ter sido submetida à cesariana de emergência. Outro fator relacionado à mudança de opinião das mulheres no sentido mais negativo foi ter experienciado uma dor pior do que haviam imaginado; além disso, mulheres solteiras e aquelas que demonstraram excessiva preocupação com o parto ou que apresentaram sintomas depressivos no início da gravidez também tendem a apresentar índices de insatisfação maiores. Com relação à assistência ao parto, esse estudo identificou que não se sentir satisfeita com os cuidados recebidos durante o parto, sob a alegação de que a parteira responsável não estava suficientemente atenta às suas necessidades e continuava não respondendo às suas perguntas no acompanhamento que se seguiu dois meses após o parto, foi o fator estatisticamente mais significativo para que a opinião das mulheres se tornasse menos positiva com o decorrer do tempo. A autora conclui que os aspectos negativos levam mais tempo para serem integrados à experiência e concorda com a visão de que medidas de satisfação investigadas muito próximas ao parto tendem a ser mascaradas pelo alívio decorrente do fato de o parto ter tido um desfecho feliz. Outros estudos também têm apontado para essa conclusão (Domingues, Santos & Leal, 2004; Teijlingen, Hundley, Rennie, Graham & Fitzmaurice, 2003; Waldenström, Hildingsson, Rubertsson & Radestad, 2004).

Waldenström et al. (2004), num estudo realizado na Suécia procurou investigar a prevalência de uma experiência negativa no parto e os fatores de risco determinantes para a sua ocorrência, identificaram, em uma amostra de 2.541 mulheres abordadas um ano após parto, um total de 7% que se referiram a uma experiência negativa.

Em contraste com outros estudos, a pesquisa identificou que dor no parto e as intervenções médicas estão associadas com experiências negativas. Assim, para a mulher, ser submetida a uma cesárea de emergência e ter experimentado uma dor pior do que o que havia imaginado foram os mais fortes determinantes de uma experiência negativa no parto.

Os autores salientam que fatores sociodemográficos e aqueles sobre educação no parto são menos importantes como determinantes de uma experiência negativa no parto do que fatores como falta de apoio dos cuidadores, falta de controle e o não

envolvimento nas decisões relacionadas ao parto. A falta de controle é destacada como um importante fator de risco.

O estudo identificou também que, entre as mulheres com o mesmo nível de dor, aquelas que receberam analgesia peridural tiveram quase o dobro de risco de experienciar o parto de maneira negativa. A pesquisa mostra que o alívio da dor não necessariamente melhora a experiência da mulher com o parto e sugere que o apoio do cuidador pode ser uma maneira mais efetiva de lidar com a dor no parto do que a analgesia peridural. Os autores destacam que estudos randomizados têm demonstrado que a analgesia peridural está associada com maior alívio da dor do que métodos não peridurais, mas há uma escassez de trabalhos demonstrando o efeito do uso daquele método na experiência de parto.

Uma pesquisa realizada pela Maternity Center Association (2004), já citada anteriormente, revelou também dados importantes acerca da utilização da analgesia peridural. Embora esse tenha sido o método mais utilizado para obter o alívio da dor e de as mulheres o terem avaliado como o mais eficaz para tal fim, entre 38% e 83% destas não tinham certeza ou não concordavam quanto às várias afirmativas sobre os riscos potenciais desse método.

Outros estudos estrangeiros têm revelado que a sensação de controle é um dos mais fortes determinantes para uma experiência positiva no parto. Green e Baston, (2003), em um estudo realizado com 1146 mulheres inglesas um mês antes e seis semanas depois do parto, investigaram três medidas de controle durante o processo: se sentir no controle sobre o que a equipe de saúde faz para si, se sentir no controle do próprio comportamento e se sentir no controle durante as contrações. O estudo identificou que a experiência de se sentir no controle sobre o que a equipe faz tem a contribuição mais significativa para a satisfação no parto. Essa forma de controle envolve ser hábil em conseguir conforto, sentir-se tratada com respeito e como um indivíduo e perceber a equipe como atenciosa e delicada. Com relação à influência dos fatores demográficos, a paridade foi a única variável associada fortemente com as três medidas de controle, sendo que as multíparas expressaram se sentir mais no controle do que as primíparas.

Fowles (1998), em uma pesquisa que investigou as considerações de 77 mulheres dois meses após o parto, identificou duas categorias a partir de suas respostas: experiências positivas e frustrações. As experiências positivas estiveram relacionadas às pessoas que as ajudaram durante o parto, entre acompanhantes de sua rede social e

profissionais de saúde, e ao contexto da experiência, que foi reportado pelas mulheres como o próprio parto em si. As frustrações estiveram relacionadas à dor, a reações negativas por parte dos cuidadores, bem como à falta de controle e de conhecimento sobre o processo de parto. Entre esses aspectos a dor foi a que teve maior prevalência, tendo sido mencionada por 45 mulheres, incluindo dores atuais, como aquelas decorrentes de procedimentos como episiotomia e cesariana, e as dores que sentiram no próprio processo de parto, como aquelas causadas pela indução ao parto. A percepção negativa dos cuidadores foi o segundo aspecto mais citado na categoria “frustrações” (25 mulheres), sendo que estas se referiram aos comportamentos dos profissionais avaliados como “grosseiros”, “não cuidadosos” e “indesejáveis”.

Outra pesquisa, realizada por Campero et al., (1998) numa maternidade pública no México e que teve por objetivo avaliar os efeitos do apoio psicológico fornecido por uma doula durante o trabalho de parto, parto e pós-parto, trouxe contribuições importantes no sentido de compreender como se dá a assistência naquele país. Foram realizadas entrevistas em profundidade com 16 mulheres, oito que receberam acompanhamento de uma doula e oito que não o tiveram.

As autoras identificaram que, de maneira geral, as mulheres apresentaram uma atitude passiva em relação ao sistema hospitalar, sendo que um comportamento submisso predominou mesmo entre as que foram acompanhadas por uma doula. Observou-se também uma tendência entre as mulheres entrevistadas em confiar nos médicos e percebê-los como os mais apropriados para tomar as decisões relacionadas a elas e a seus bebês. As autoras identificaram que as mulheres, ao serem admitidas no hospital, procuravam se adaptar o melhor que podiam às suas normas e, durante a sua estadia, aprendiam a lógica de funcionamento da instituição, ou seja, que comportamentos tidos como histéricos, como emitir gritos, por exemplo, despertavam atitudes negativas nos profissionais médicos, o que elas procuravam evitar.

As autoras constataram também que as mulheres aprendiam quais comportamentos eram aceitáveis testemunhando como outras mulheres se comportavam e eram tratadas, pois aquelas que não incomodavam a equipe eram melhor tratadas. Mesmo assim, quando as mulheres sem o acompanhamento de uma doula foram questionadas especificamente sobre a maneira como foram tratadas no hospital, a maioria afirmou que foi bem tratada e que tudo correu bem, apesar do fato de terem reportado que quase não houve interação da equipe com elas e de que se sentiram muito sozinhas e abandonadas. As mulheres dos dois grupos fizeram referências constantes à

falta de informação por parte da equipe de saúde e, apesar disso, ao serem questionadas a respeito do assunto, elas respondiam que estava tudo bem.

Quanto às intervenções no parto, as mulheres dos dois grupos demonstraram supor que cada procedimento deveria ser realizado por fazer parte do processo normal de assistência ao parto. As mulheres dos dois grupos que receberam analgesia peridural afirmaram não ter recebido explicações claras sobre o que seria feito, além de serem informadas sobre a realização do procedimento apenas quando ele estava prestes a ser realizado.

Um estudo de Chen, Wang e Chang (2001) analisou a percepção das mulheres taiwanesas quanto ao seu encontro com enfermeiras obstétricas durante o processo de parto. A investigação foi conduzida com 50 mulheres entre primíparas e multíparas, 48 horas após o parto, e identificou que 60% das mulheres se referiram somente a comportamentos de grande ajuda por parte das enfermeiras, 38% se referiram a comportamentos de grande ajuda e comportamentos de não ajuda e uma mulher, somente a comportamentos de não ajuda. Entre os comportamentos de grande ajuda mencionados pelas mulheres, os mais mencionados foram as ações da enfermagem que facilitaram seu autocontrole, além de terem aliviado a sua dor e aumentado a sua segurança e tranqüilidade durante o trabalho de parto. Entre os comportamentos identificados pelas mulheres como de não ajuda, a falha em prestar informações corretas e adequadas foi a mais citada. Outros comportamentos classificados nessa categoria foram: falha em prover apoio emocional, conforto e no desempenho de funções técnicas.

Estudo realizado na China por Ip, Chien, e Chan (2003), sobre as expectativas de 186 mulheres grávidas pela primeira vez em relação ao seu parto, revelou uma alta expectativa de apoio por parte dos familiares e parteiras. As mulheres expressaram ainda uma grande preocupação quanto à severidade da dor, sendo que a maioria delas demonstrou preferir o parto vaginal (93%), e a utilização de exercícios respiratórios foi mencionada como o melhor método para aliviar a dor durante o trabalho de parto.

Estudo realizado por Teijlingen et al. (2003), na Escócia, com 1.137 mulheres, detectou que aproximadamente 80% das participantes ficaram satisfeitas com as três fases do cuidado (pré-natal, parto e pós-parto). O estudo também teve por objetivo analisar estudos anteriores sobre satisfação no parto e identificar fatores que podem influenciar os altos níveis de satisfação encontrados. Os autores observaram que um aspecto comum entre esses estudos é que todos concordam no sentido de que a

satisfação é um conceito multidimensional determinado por uma variedade de fatores, tais como: a disponibilidade de suporte social, ou seja, ter um acompanhante permanente; ter contato imediato com o bebê; participação em aulas de pré-natal; o fato de a mulher sentir-se no controle do que acontece com ela, o que inclui ser envolvida nas decisões do seu parto; a qualidade da relação e comunicação estabelecida com a equipe, entre outros.

Os autores colocam em dúvida a habilidade dos surveys sobre satisfação em detectar diferenças reais nas opiniões dos usuários, questionando como a mulher pode expressar insatisfação com o serviço se ela não tem conhecimento de outras alternativas de cuidado. Eles apontam também algumas razões que podem levar as mulheres a responder positivamente a questões sobre satisfação: a relutância em criticar seus cuidadores; o fato de que a visão dos usuários é limitada pela sua experiência e há complexas ligações entre expectativas, preferências e satisfação; há uma tendência das mulheres em dizer que preferem o cuidado que receberam; e o fato de que as experiências e preferências das pessoas são moldadas pelo conhecimento que elas possuem.