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2 Pesquisas Sobre a Assistência ao Parto

2.2 Outros Estudos sobre a Assistência ao Parto

2.2.2 Estudos Brasileiros

A revisão da literatura permitiu constatar que há poucos estudos científicos nacionais que investiguem a implantação de modelos de assistência, assim como a percepção das usuárias e dos profissionais de saúde em relação a eles.

Domingues, Santos e Leal (2004) realizaram um estudo que buscou analisar os fatores associados à satisfação das mulheres, com a assistência ao parto normal, na Maternidade Leila Diniz, na cidade do Rio de Janeiro. Foram conduzidas entrevistas a partir de um questionário fechado com 246 mulheres, entre multíparas e primíparas em um período de no mínimo 24 horas após o parto. O estudo identificou que 67% das mulheres entrevistadas avaliaram o seu parto como “bom” ou “muito bom”, e 16,7% acharam-no “ruim” ou “muito ruim”. Os fatores associados com uma percepção negativa do parto foram classificados em ordem de importância: o sofrimento experienciado, a má atenção da equipe, complicações do bebê e o parto demorado e/ou difícil. Os fatores associados a uma experiência positiva foram: o parto rápido, o bom tratamento da equipe, o pouco sofrimento e o bom estado da mãe e do bebê.

A pesquisa também revelou que as principais imagens citadas pelas mulheres quando pensavam no parto durante a gravidez eram de dor/sofrimento (48%), medo (9,4%) e outras idéias negativas (4,3%). Em apenas 33% dos casos, as mulheres relataram idéias positivas associadas à vida e à alegria no nascimento.

O estudo verificou também que a informação recebida pelas mulheres durante a internação sobre diversos aspectos relacionados à assistência ao trabalho de parto e o parto se mostrou variável e, de modo geral, insuficiente. Apenas 60% das mulheres sentiram-se suficientemente informadas sobre a evolução do trabalho de parto, e 63%, sobre a saúde e o bem-estar do bebê. Em relação aos exames realizados (toques vaginais, exames de sangue etc.), esse valor caiu para 34%. As informações recebidas pelas mulheres durante a assistência ao trabalho de parto e parto apresentaram uma clara associação com a satisfação no parto. Quanto mais completa ou suficiente a informação foi considerada pela mulher, maior a satisfação relatada com a assistência.

A percepção da mulher em relação à equipe que prestou a assistência ao trabalho de parto e parto também foi associada à satisfação. Mulheres que tiveram apenas opiniões positivas sobre a equipe que prestou assistência apresentaram maior satisfação com o parto. Duas opiniões específicas – “profissionais que fornecem pouca atenção” e “profissionais confusos” – foram associadas a uma menor satisfação no parto. Entre as mulheres que consideraram os profissionais pouco atenciosos durante a assistência, 65% avaliaram o parto como “nem bom, nem ruim”, “ruim” ou “muito ruim”. Das mulheres que acharam os profissionais confusos, 75% avaliaram o parto como “ruim” ou “muito ruim”. O estudo identificou também relatos de violência percebida pelas mulheres, dado que também aparece em outros estudos (Alves, 2002; Fernandes, 2000; Hotimsky, Rattner, Venâncio, Bógus & Miranda, 2002).

A presença do acompanhante foi um fator que contribuiu para a satisfação no parto, sendo citado por 12,4% do total de mulheres que tiveram um acompanhante e que avaliaram o parto como “bom” e “muito bom”. Embora esse valor tenha se mostrado relativamente baixo, outra pesquisa realizada na mesma maternidade (Domingues, 2002) sobre a presença do acompanhante familiar durante a assistência demonstrou que ela é altamente valorizada pelas mulheres (97% das mulheres avaliaram-na como “boa”ou “muito boa”). A pesquisa revelou ainda que ela está associada a outros aspectos da assistência, como maior acesso à informação, percepção mais positiva sobre a atenção fornecida pelos profissionais e maior satisfação com o parto. Verificou-se

também que as mulheres sem acompanhante manifestavam sentimentos negativos em relação ao fato de estarem sozinhas.

Os efeitos de um acompanhamento contínuo por pessoas que oferecem apoio emocional e físico à parturiente têm sido tema de várias pesquisas na área da assistência ao parto. Motta (2003), em um levantamento bibliográfico sobre o tema e que constituiu parte de seu estudo, identificou na literatura 10 estudos, incluindo duas meta-análises sobre esse aspecto da assistência, sendo que todos indicam que essa prática traz inúmeros benefícios à mulher e ao bebê. Os resultados de dois estudos de revisão da literatura sobre o tema, realizados recentemente, apontaram igualmente para os benefícios do apoio contínuo à mulher durante o trabalho de parto (Brüggemann, Parpinelli & Osis 2005; Hodnett, 2005). Os benefícios apontados por esses estudos incluem: redução do uso de medicamentos para dor, do uso de ocitocina; menor número de partos vaginais realizados por meio de instrumentos; menor índice de cesariana, bem como do tempo de trabalho de parto; aumento no índice de amamentação; maior interação da mãe com o bebê; e uma maior satisfação no parto.

Uma ampla pesquisa realizada em quatro maternidades de São Luís do Maranhão, no período de março de 1997 a fevereiro de 1998, avaliou a assistência prestada por essas instituições (Alves, 2002). Um dos aspectos avaliados foi a percepção do atendimento pelas mulheres, sendo que o estudo identificou que, apesar de elas o terem avaliado como bom, no decorrer das entrevistas foram surgindo queixas a seu respeito. Nesse sentido, o que mais marcou no depoimento das mulheres foi o incômodo com os toques vaginais, muitas vezes realizados sem aviso prévio e sem explicação. A solidão no pré-parto também aparece em destaque nas entrevistas.

A mesma pesquisa, analisando a linguagem e o comportamento dos profissionais, por meio da técnica de observação participante, constatou que a temática predominante no atendimento foi a da violência institucional a que é submetida a mulher. Essa violência se manifestou de três formas: de negação do atendimento, que foi definida nesses termos por falta de pessoal ou por falta de estrutura institucional e também pela recusa de atendimento do profissional ou negligência no desempenho de suas funções; de inadequação de recursos materiais e humanos, como condições inadequadas de higiene, deficiência de equipamentos e materiais e transferência de responsabilidade dos profissionais titulares para outros não habilitados; da relação dos profissionais com as usuárias. Quanto a esse último aspecto, observou-se que a relação é marcada pela repetição de procedimentos técnicos, pela distância e pouca cordialidade.

A autora identificou também um desrespeito pela dor da parturiente, sendo observadas situações em que, diante de manifestações de dor pela parturiente, o profissional responsável pelo atendimento a mandava calar a boca.

Hotimsky (2001), em pesquisa realizada no ambulatório e casa de partos da Associação Comunitária Monte Azul, em São Paulo, buscou investigar, entre outros aspectos, o motivo que levou as mulheres a escolherem esse local para ter o seu bebê. A pesquisa revelou que tal escolha devia-se, sobretudo, ao fato de as mulheres já terem um relacionamento prévio com os profissionais que lá trabalhavam, à percepção de riscos em relação ao parto e à possibilidade de poder contar com acompanhantes de sua escolha no momento do parto. A autora identificou também entre as mulheres o medo de não ter acesso a um leito no parto hospitalar e ainda de serem submetidas a uma cesárea desnecessária.

Hotimsky et al. (2002), ao investigarem as expectativas de mulheres grávidas usuárias do SUS acerca do parto e da assistência obstétrica, utilizando como técnica para coleta de dados o grupo focal, observaram que, mais do que medo da dor do parto, as mulheres temiam as reações dos profissionais de saúde às suas queixas. As autoras identificaram que esse medo está baseado em experiências de suas gestações anteriores, bem como de membros de suas redes de relações. São muito freqüentes as queixas das mulheres sobre desrespeito por parte dos profissionais durante o trabalho de parto e o parto, sendo mencionadas situações de violência física e verbal.

O estudo revela ainda que diversas estratégias individuais são empregadas pelas mulheres na tentativa de se expor menos à brutalidade e às humilhações que marcam o encontro clínico no processo reprodutivo. Para algumas, o silêncio é adotado como estratégia privilegiada na tentativa de procurar se adequar aos padrões de comportamento que julgam corresponder às expectativas dos profissionais de saúde.

As autoras concluem que, por um lado, as mulheres “temem não encontrar vagas no momento do parto; serem negligenciadas ou desrespeitadas pelos profissionais de saúde; não receberem explicações sobre o trabalho de parto, sobre sua saúde e de seus conceptos; ou a perspectiva de ficarem sozinhas” (Hotimsky et al., 2002, p.1309). Por outro lado, a gestante deseja:

obter vaga; ser respeitada, ter espaço para sua dor e vulnerabilidade, poder gritar se o desejar; ter assistência de boa qualidade; com acesso à tecnologia quando necessária; ser reconhecida como alguém que tem vontades, desejos

e necessidades e, finalmente, poder compartilhar com os profissionais os temores, as alegrias e os prazeres da gestação e parto (p. 1310).

Caron e Silva (2002), numa pesquisa realizada em dois hospitais da rede do SUS de São Paulo com 15 mulheres, procuraram avaliar como ocorria a comunicação entre os profissionais que assistem partos de baixo risco e a mulher que vivencia o processo de parturição. O estudo utilizou a observação e entrevista como técnicas para coleta de dados e constatou que, entre profissionais e parturientes, prevalece a comunicação não terapêutica. Essa categoria foi definida em termos de não saber ouvir, usar linguagem inacessível, usar jargões e termos técnicos, ou usar frases estereotipadas que podem denotar falta de empatia e bloquear a comunicação. Esse tipo de comunicação envolve também o julgamento do comportamento da paciente, tirando-lhe o direito de tomar decisões em geral, o que demonstra a não valorização do outro na relação.

Embora o estudo não tenha identificado uma diferença qualitativamente significativa entre as atividades das enfermeiras e dos demais profissionais, observou-se que elas foram as que mais se comunicaram terapeuticamente com as parturientes, percebendo os seus sentimentos de medo, dor e ansiedade, o que resultou numa assistência efetiva, adequada e menos intervencionista.

A empatia foi o elemento de comunicação que ocorreu com menor freqüência, destacam as autoras. O estudo observou que a comunicação instituída entre os profissionais e sua clientela evidencia, mesmo que subliminarmente, o exercício de relações de poder. Esse tipo de relação foi observado em situações em que o profissional se dirigia à mulher de maneira ameaçadora, cerceando-lhe a liberdade de expressão, limitando-se a dar ordens à parturiente, sem lhe dar oportunidade de manifestar seus sentimentos.

A pesquisa identificou também que as parturientes que não mantêm autocontrole sobre suas ações provocam nos profissionais julgamentos e sinais de desaprovação. As autoras observaram ainda situações de desrespeito para com a parturiente, presentes em atitudes como aproximar-se dela e tocá-la, mesmo que instrumentalmente, sem lhe pedir permissão ou sequer lhe dirigir a palavra, o que acarretava, em sua avaliação, um bloqueio na comunicação.

O estudo conclui que essas interações estabelecidas pelos profissionais nesse processo de trabalho estão longe de ser uma relação humanizada. Destaca, ainda, que aos apelos das mulheres, expressos por meio de choro, gemidos e gritos, são atribuídos um significado padrão de mau comportamento e incapacidade de compreensão e

participação da mulher no seu processo de parto. Os profissionais julgam as parturientes de forma generalizada e exigem que estas se comportem dentro de um padrão moldado por eles. As autoras discutem o fato de que, se o parto institucionalizado tem por objetivo diminuir os riscos do processo para mãe e filho, ao mesmo tempo os expõe a outros riscos, causados pelas atitudes dos profissionais, como aquelas que fazem a parturiente se sentir desamparada nos momentos em que solicita ajuda.

Três pesquisas realizadas numa maternidade pública de Florianópolis foram consultadas e permitem ter uma idéia da realidade encontrada nesse município. Um desses estudos (Santos & Siebert, 2001) investigou a opinião das usuárias sobre o atendimento recebido, por meio da realização de entrevistas abertas na maternidade. Os aspectos avaliados mais positivamente foram a relação com a equipe, as atitudes humanísticas, a presença do acompanhante, a familiarização prévia com a unidade e a possibilidade de decidir a posição do parto vaginal. As atitudes humanísticas incluíram: dar atenção, orientação, estar junto, usar terminologia compreensível, prover uma sensação de segurança e confiança, compartilhar conhecimento e facilitar a compreensão do cuidado prestado. As autoras concluem que a percepção da qualidade da assistência pelas usuárias não depende somente de aspectos técnicos, mas da relação com a equipe.

Tornquist (2004), em pesquisa realizada na mesma maternidade, identificou que as usuárias, quando entrevistadas, avaliaram o atendimento recebido como “bom”. A autora observou também que, no âmbito dessa maternidade, os profissionais esperam que o momento do parto seja vivido de forma controlada e que, em geral, as mulheres demonstram uma grande preocupação com seu desempenho em termos de controle das emoções. O estudo constatou também que as mulheres procuram expressar sua dor dentro de parâmetros considerados adequados, ou seja: não gritar, não entrar em desespero, não “dar fiasco”, nem fazer escândalo, obedecer às ordens médicas e acatar os conselhos da equipe. O enfrentamento adequado à dor supõe a evitação do escândalo e da manifestação de descontrole, sendo esse comportamento “ideal” compartilhado pela equipe e pelas pacientes. No entanto, aponta a autora, nem sempre as mulheres se mantêm nos limites dessas expectativas e têm consciência disso. Assim, identificou em entrevistas com as mulheres que elas demonstravam certo orgulho por não terem feito escândalo, apesar da vontade de gritar.

A pesquisa de Motta (2003), por sua vez, constatou que o atendimento oferecido pela instituição é avaliado pelas usuárias como “bom”. As mulheres entrevistadas

referem como aspectos positivos a atenção recebida e a paciência demonstrada pelos profissionais. No entanto, algumas queixas também foram relatadas, como a falta de informação quanto ao desenvolvimento do trabalho de parto, a ausência de orientação, a falta de delicadeza dos profissionais nos exames e a subjugação da mulher, entre outros. Gualda (1994), numa pesquisa que buscou compreender a vivência do parto entre um grupo de mulheres residentes em favelas, identificou que essas mulheres o caracterizam como um acontecimento natural em suas vidas, sendo que cada parto tem características próprias e únicas para cada uma delas. A dor no parto é considerada como um elemento natural e essencial da maternidade. Embora ela represente sofrimento, as mulheres expressam desejo de experimentá-la e sentem-se capazes de tolerá-la.

Paim (1998), em estudo que buscou analisar alguns significados sociais atribuídos aos eventos biológicos da reprodução em classes populares na cidade de Porto Alegre, identificou entre os membros desse grupo uma compreensão da dor no parto como uma manifestação da natureza que independe da vontade da mulher e também como parte da experiência de se tornar mãe. Para as mulheres investigadas, a capacidade de enfrentar ou resistir à dor do parto seria um dos aspectos valorizados da experiência de se tornar mãe, o que por sua vez lhes confere um status superior em relação às mulheres que não possuem filhos.

Na literatura consultada, observou-se que são poucos os trabalhos que investigam a percepção de profissionais de saúde sobre a assistência ao parto. Faúndes, Pádua, Osis, Cecatti e Sousa (2004), em pesquisa realizada com 656 mulheres brasileiras e 147 médicos obstetras, procuraram conhecer a preferência dessas mulheres quanto às vias de parto e a opinião dos médicos a respeito dessa preferência.

O estudo observou haver um contraste entre o que os médicos declaram perceber como sendo a opinião das mulheres e o que as próprias mulheres manifestaram como suas preferências e seus respectivos motivos. Os autores destacam que, além do equívoco quanto à via de parto preferida pelas mulheres, majoritariamente a via vaginal e não a cesárea, como os médicos supunham, houve uma total discrepância entre os motivos que os médicos percebiam como razão para preferir o parto cesáreo e a opinião expressa pelas mulheres. Assim, a questão do medo do parto vaginal e da dor durante o parto, que figurou prioritariamente na percepção dos médicos, foi raramente expressa pelas mulheres, as quais, contrariamente ao que afirmaram os profissionais,

manifestaram que a dor após a cesariana é o principal motivo para preferirem o parto vaginal.

Por sua vez, estudo realizado na Maternidade Leila Diniz, no Rio de Janeiro, utilizando entrevistas e observação participante, avaliou os dois anos (de 1994 a 1996) de funcionamento da referida instituição (Ratto, 2001). Os sujeitos do estudo foram 14 profissionais de saúde, entre obstetras, pediatras, enfermeiros obstetras e algumas chefias que haviam passado por um treinamento específico objetivando mudanças de comportamento mais favoráveis à proposta de humanização daquela maternidade. A análise das situações vivenciadas nos dois primeiros anos evidenciou sentimentos como “medo, insegurança, falta de experiência, falta de coragem” para lidar com uma proposta nova, diferente da que os profissionais tinham experienciado em sua formação. Com relação à presença do acompanhante, os profissionais afirmaram ter sido essa a experiência mais importante da nova proposta de assistência ao parto.

Quanto ao uso indiscriminado de intervenções obstétricas, o estudo identificou que as intervenções são percebidas pelos profissionais como necessárias e até benéficas. Seu uso visa acelerar o trabalho de parto não só nos casos com indicação precisa, mas principalmente para diminuir o tempo em trabalho de parto e proporcionar uma alta rotatividade do pré-parto.

Outro fator avaliado no estudo foi a possibilidade de escolha da mulher com relação às condutas da equipe no momento do parto. Apesar de se referirem a essa possibilidade como algo positivo, a maior parte dos profissionais se contradiz ao afirmar que quem deve determinar essas condutas é o médico.