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2 O SISTEMA LITERÁRIO POLONÊS DURANTE O REGIME COMUNISTA

2.1 O MECENATO DO ESTADO

2.1.3 A Associação dos Escritores da Polônia

No sistema literário da Polônia stalinista, os congressos, as conferências e as reuniões são acontecimentos que demarcam a rotina da vida coletiva. Para o stalinismo, a ação individual dá lugar à participação na ação coletiva e a reflexão individual é substituída pela consulta ao grupo.

Depois do Congresso de Unificação dos Partidos, no ano de 1948, os congressos e as conferências das diversas categorias ocupacionais servem para transmitir as diretrizes do POUP aos grupos profissionais distintos. O mesmo ocorre com a Associação dos Escritores da Polônia. A Associação é registrada no ano de 1949, como uma organização com a finalidade de formar ideologicamente os escritores. A tarefa da Associação consiste na implementação da política cultural do Estado, e cumpre-se sob seu controle. A Associação dos Escritores da Polônia substitui o Sindicato dos Escritores, fundado em 1920, uma organização que primava pela condição social dos integrantes e pela preservação dos direitos do escritor. A Associação torna-se a única e legítima representação dos escritores da Polônia Popular87. No seu estatuto, define o modelo do escritor, chamado de escritor novo,

como um “construtor do socialismo”, responsável pela “representação da verdade sobre a grandeza da época” e “formação do homem novo”, engajado na ”luta pela paz, com todos os meios disponíveis”. Como um “engenheiro das almas”, o escritor tem a tarefa de “purificar a consciência humana de todas as superstições acumuladas pelos séculos de opressão” (STATUT, 1950). Para dar conta do desafio, o escritor precisava aprimorar a ideologia marxista, observar com atenção os fenômenos políticos e sociais mais importantes, tais como a luta de classes, o papel do PC na vida da nação, a problemática da produção e a questão da amizade polono-soviética, como determina o presidente da Associação:

A Associação, no esforço do quadro ativo dos militantes do PC e aplicando a teoria do marxismo–leninismo, torna-se o organizador da consciência social dos escritores, como dizia Gorki - da responsabilidade coletiva dos escritores, por todos os fenômenos que ocorrem na vida literária. (KRUCZKOWSKI, 1950a, p. 15).

No exercício de suas funções, a Associação dos Escritores da Polônia controla a produção literária. No ano de 1950, são fundados seis Departamentos Criativos da Associação: departamento da poesia, da prosa, do drama e do roteiro fílmico, da literatura infanto-juvenil, da sátira e, finalmente, da tradução. Os Departamentos

87 A Associação foi suspensa no decorrer do golpe militar de 13.12.1981. Paralelamente, desde o ano de

1945, a Associação dos Escritores Poloneses na Emigração atua em Londres, desenvolvendo atividades culturais e editoriais.

funcionam como lugares onde se exerce o método da criação coletiva, por meio das discussões sobre forma e conteúdo da obra. Como mais um instrumento de controle sobre a produção cultural, os Departamentos desempenham uma função disciplinar e formativa. Todos os integrantes da Associação dos Escritores da Polônia são obrigados a integrar pelo menos um dos Departamentos Criativos. A estrutura foi dissolvida no ano de 1956.

Os Congressos dos Escritores realizados nos anos de stalinismo constroem as bases do sistema literário polonês. O IV Congresso dos Escritores, realizado no mês de janeiro de 1949, é considerado o momento da oficial inauguração do método criativo de realismo socialista. Esse congresso afirma que na Polônia já existem todas as condições para a implementação do novo método da criação literária, condenando os métodos presentes na literatura de então, e salientando que a literatura deve servir como arma na luta pelo socialismo, postulando com isso a introdução do dirigismo estético. Nas palavras do crítico literário comprometido com o sistema: “o realismo socialista torna-se a nossa meta, rumo à qual partimos e pela qual lutamos, torna-se a medida pela qual queremos ter nossas obras avaliadas” (KOTT, 1949).

O V Congresso dos Escritores, em junho de 1950, adota o programa do realismo socialista. Nesse congresso, pela primeira vez, apresenta-se um informe sobre o novo método criativo. O informe, escrito em Moscou, baseia-se na experiência da literatura soviética com o realismo socialista (TURKOW, 1950). Depois da revolução bolchevista de 1917, a literatura soviética coloca como sua meta ser a voz da classe operária, expressando suas idéias, seus sentimentos e suas esperanças. Esse serviço à classe operária transformou a literatura soviética em instrumento da construção do socialismo. Portanto, a literatura de todo o bloco soviético deve ser a literatura a partir do povo, sobre o povo e para o povo. O informe ataca os erros na literatura, provindos da tradição burguesa, como a ilusão da liberdade criativa do autor, o equívoco do formalismo e a arte pela arte. O texto delimita a tradição negativa representada por André Gide (1869-1951), Jean Paul Sartre (1905-1980) e T. S. Eliot (1888-1965), evocando também a tradição positiva representada por Howard Fast e Vladimir Maiakovski (1893-1930).

Segundo o informe, a tarefa da literatura engajada não é entreter o operário-leitor depois do trabalho, mas mobilizá-lo sempre para o esforço máximo na construção do socialismo. O documento enfoca os grandes temas da literatura do realismo socialista: a construção do socialismo e a luta pela paz. A cosmovisão da nova literatura compõe um cenário dicotômico de luta entre dois princípios: o positivo, progressista e comunista, contra o negativo, retrógrado e capitalista. No final, o informe recomenda a vigilância dos dirigentes partidários. O controle do sistema literário é concedido como tarefa à crítica literária marxista. O exercício da autocrítica por parte dos escritores, a exemplo soviético, deve se tornar um instrumento da formação do escritor. O informe foi amplamente comentado na imprensa polonesa como um discurso que tirou muitas dúvidas.

O VI Congresso dos Escritores, do mês de junho de 1954, acontece depois de algumas discussões e críticas das obras literárias escritas segundo o novo método. O congresso mostra, por um lado, os instrumentos do aperfeiçoamento do novo método criativo e, por outro lado, garante o domínio soberano deste método sobre toda a produção cultural. O Secretário Geral da Associação dos Escritores, Jerzy Putrament (1910-1986), aplica as diretrizes do Comitê Central do POUP ao campo da literatura:

A tarefa mais urgente para a literatura polonesa é a criação de obras que consigam mostrar a grandeza da empreitada da classe operária polonesa. [...] Temos o dever de mostrar em nossa obra literária a tarefa colocada diante de nós pelo Partido Unificado. A Polônia Popular precisa de obras que representem as dificuldades e as grandezas da construção do socialismo: o advento do herói do nosso tempo, um operário do choque, um militante comunista que lidera e caminha com o povo, e a luta contra o inimigo, o explorador de ontem e o sabotador e espião de hoje, a iniciativa da classe operária, o esforço do camponês na reestruturação do campo e na luta com o explorador, o surgimento da nossa ciência e cultura em mais perfeita união com o povo. Dessa obra literária a Polônia, nesta época difícil e grandiosa, está precisando. (apud ŁAPIŃSKI; TOMASIK, 2004, p. 409).

O VII Congresso dos Escritores, antecipado para novembro de 1956, encerra oficialmente a campanha em favor do realismo socialista. O congresso não traça diretrizes novas sobre as questões ideológico-artísticas. Depois do curto período de

degelo88, retorna o tema da literatura engajada em função da propaganda do POUP. Os

escritores reunidos no Plenário da Secretaria Geral da Associação dos Escritores, no mês de janeiro de 1964, reclamam da falta de liberdade de expressão, da forte pressão por parte do POUP e das ingerências da censura. A pressão do aparelho partidário e a opressão arbitrária por parte da censura resultam no boicote de uma parte dos escritores, que deixam de publicar no circuito oficial, e têm suas obras editadas no circuito alternativo.

O surgimento do sindicato Solidarność, que traz a liberalização da política cultural, gera uma nova cúpula da Associação dos Escritores, independente do POUP, votada no mês de dezembro de 1980. Depois do golpe militar, a Associação contou com um número restrito dos integrantes, escritores comprometidos com o governo militar. Somente no mês de maio de 1989, os escritores poloneses não comprometidos com o regime comunista conseguem fundar sua organização. A Sociedade dos Escritores Poloneses retoma a tradição do Sindicato dos Escritores, criado no ano de 1920. O estatuto da Sociedade incentiva a filiação dos escritores ligados aos centros culturais fora do país.

As reuniões abertas ao público compõem um instrumento de divulgação das decisões do POUP para o ambiente literário. As próprias decisões que determinam a totalidade das medidas sociais e culturais são tomadas nas assembléias semi-públicas, no grupo mais restrito dos líderes do PC, ou nas reuniões fechadas e secretas. Stanisław Siekierski chama atenção para o fato de que a prática dos dirigentes de tomar as decisões em grupos restritos e de comunicá-las em particular, ou por meio de telefone, sem deixar os registros por escrito, dificulta a pesquisa sobre a vida literária na Polônia da época stalinista (SIEKIERSKI, 1992, p. 19; 30).

88 O termo que denomina uma abertura do sistema comunista nos anos 1956-1957 é emprestado do