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2 O SISTEMA LITERÁRIO POLONÊS DURANTE O REGIME COMUNISTA

4 JORGE AMADO NO SUBSISTEMA DA LITERATURA TRADUZIDA POLONÊS: ANÁLISE MACRO-ESTRUTURAL

4.1 O ASPECTO FÍSICO DAS TRADUÇÕES

4.1.1 Capas e contracapas

As características das capas das traduções polonesas escolhidas para a análise são apresentadas por meio da tabela a seguir.

Tabela 6. As características das capas

Título Pl vertido para Br Título Br Aspecto Autor Editora Série

Cacau Cacau íncola sim sim sim

Aurora do Brasil Cacau+Suor ádvena sim sim não

Jubiabá Jubiabá íncola sim sim sim

Mar parado Mar morto íncola sim sim não

O conto sobre Castro Alves ABC de Castro Alves íncola sim sim não

O cavaleiro da esperança O cavaleiro da esperança íncola sim sim sim

Terra do sangue e da violência Terras do sem fim ádvena sim sim não

Terra de frutos dourados São Jorge dos Ilhéus íncola sim sim sim

Caminhos da fome Seara vermelha ádvena sim sim não

A Albânia alegre A Albânia é uma festa íncola sim sim não

O mundo da paz O mundo da paz íncola sim sim sim

Os subterrâneos da liberdade Os subterrâneos da liberdade

íncola sim sim não

Gabriela Gabriela cravo e canela íncola sim não não

Os velhos marinheiros Os velhos marinheiros íncola sim sim não

Os pastores da noite Os pastores da noite ádvena sim não não

Dona Flor e seus dois maridos Dona Flor e seus dois maridos

ádvena sim sim não

Tereza Batista cansada de guerrear

Tereza Batista cansada de guerra

ádvena sim sim não

Observando os títulos das traduções, chega-se à conclusão de que eles sofrem manipulação no período de 1949 a 1957. A edição conjunta das traduções de Cacau e Suor, intitulada Aurora do Brasil, não traz na capa os títulos dos respectivos romances. Quando editado separadamente, Cacau funciona como um título independente no sistema literário polonês. O mesmo não acontece com Suor, apresentado nas capas de ambas as edições sob o título de Aurora do Brasil. Os termos “aurora” ou “alvorada” são comumente usados pelo mega-sistema cultural soviético no período do realismo socialista. Esses termos expressam a noção de um começo que acontece por meio da revolução do proletariado, como também

representam simbolicamente o começo da revolução de 1917 na Rússia, iniciado pelo disparo do navio de guerra bolchevique “Aurora” contra o Palácio do Inverno em Petersburgo. Nessa época, de modo especial, o título dado ao volume de várias obras editadas em conjunto traz a chave para a interpretação dos textos reunidos no tomo. Neste sentido, Aurora do Brasil pode sugerir ao leitor polonês o início do processo revolucionário operado pelo movimento operário brasileiro. A tradução manipulou os títulos de Mar Morto e de ABC de Castro Alves. No caso do primeiro romance, o título polonês foge da possibilidade de interpretação no sentido geográfico (o lago salgado nos territórios de Israel e de Jordânia) e sugere a noção de paralisação ou de suspensão do movimento. No caso do segundo romance, o gênero literário de um abecê144 – desconhecido na Polônia – foi substituído pelo

gênero de conto ou de narrativa sobre a vida do personagem. Os títulos de Terras do sem fim, de São Jorge dos Ilhéus e de Seara Vermelha foram alterados pela tradução. A tradução polonesa do título de Terras do sem fim para Terra do sangue e da violência acompanha as escolhas da tradução inglesa de 1945 e da tradução francesa de 1946, que fazem menção à “terra violenta”. A tradução polonesa do título de São Jorge dos Ilhéus para Terra de frutos dourados acompanha as escolhas da tradução francesa de 1947 e da tradução russa de 1948, como também das traduções búlgara, eslovaca e tcheca, todas do ano de 1950. A tradução polonesa do título de Seara vermelha para Caminhos da fome acompanha a escolha da tradução francesa de 1949. Significante é a constatação de que os títulos das traduções polonesas lançadas entre os anos de 1949 a 1957, trazem para o público polonês um significado familiar e fácil para entender. A exceção constitui o romance Jubiabá, introduzindo um termo estrangeiro que só pode ser entendido como um nome, após a leitura de uma parte do romance.

A partir do ano de 1972, as edições polonesas não manipulam os títulos brasileiros, introduzindo até os empréstimos do português brasileiro para a língua polonesa, quando se trata de Tereza Batista e de Dona Flor. Em ambos os casos, os títulos das traduções usam a grafia original dos nomes, o que reforça no leitor a sensação de se tratar das obras estrangeiras. Os nomes de “Batista” e de “Flor” soam estranho em polonês. Embora exista em polonês o nome “Teresa”, na tradução optou-se por “Tereza”. Da mesma maneira, em vez de traduzir o pronome

144 Textos da poesia popular que celebram vidas dos personagens famosos e cujas estrofes

de tratamento para “Pani”, comum na Polônia, o título conserva o estrangeirismo “Dona”.

Desta forma, no total dos 17 itens do corpus, os títulos de 6 romances são manipulados pela tradução. Todas essas ocorrências acontecem no período do realismo socialista. Três títulos introduzem os estrangeirismos para o idioma polonês. Por se tratar de um personagem histórico, o nome do poeta Castro Alves é reproduzido em sua forma original.

Para analisar o aspecto gráfico das capas, isto é, a organização de desenhos e de outros símbolos, optou-se pela qualificação dessas características como “íncola” ou “ádvena”. Chamou-se de “íncola”, uma representação gráfica que possa parecer comum ao leitor, e que opera sobre os símbolos reconhecíveis no sistema cultural polonês. A essa categoria pertencem as capas que não contêm um desenho e usam somente a cor e a escrita (5 capas), aquelas com retratos femininos (2 capas), com um veleiro (1 capa), com uma multidão dos homens em marcha, sob uma estrela (1 capa), com um prédio (1 capa), e com uma carta de baralho apresentando busto de marinheiro (1 capa). Chamou-se de “ádvena”, uma representação gráfica que possa parecer estranha ao leitor e que introduz elementos novos para o sistema cultural polonês. A essa categoria pertencem as capas que contêm os elementos do cenário nordestino, como os cactos e os característicos chapéus (3 capas), e aquelas que operam sobre figuras abstratas (3 capas).

Entre as capas dos 17 volumes do corpus prevalece o aspecto qualificado como “íncola” (11 capas) em detrimento do aspecto qualificado como “ádvena” (6 capas). Todas as capas que usam somente a cor e a escrita, como também aquelas que trazem os elementos do cenário nordestino, pertencem às edições lançadas até o ano de 1957. Três capas que utilizam as figuras abstratas pertencem aos últimos lançamentos dos romances de Jorge Amado na Polônia. Todas as traduções, cujas capas indicam a obra editada numa série, possuem o aspecto “íncola” e pertencem aos lançamentos do período do realismo socialista.

As capas indicam que cinco traduções foram lançadas no quadro de uma série editorial. Como foi mencionado no segundo capítulo, o regime comunista é interessado em fornecer aos leitores, os autores e os livros apropriados. Lançado pela editora Czytelnik, o Cacau pertence a uma série dedicada ao leitor novato, isto é, um adulto recém-alfabetizado que conta com o programa de incentivo à leitura promovido pelo Estado. Comumente, os livros fornecidos ao leitor novato destacam-

se pela apresentação física dos textos (fonte grande e espaçamento maior) e contêm as informações adicionais, na forma de notas introdutórias, de posfácios e outros textos, como também de ilustrações, para facilitar a interpretação da leitura. Jubiabá é lançado na coleção da Biblioteca do Assinante, uma série promovida pela editora Czytelnik para atrair o público leitor com os descontos para os assinantes. No modo semelhante, também, O cavaleiro da esperança pertence a uma série chamada de Biblioteca da Arquibancada da Liberdade, promovida pela mesma editora como o programa de fidelização do leitor, oferecendo descontos para o assinante. São Jorge dos Ilhéus é editado pela Czytelnik no quadro da série chamada de Clube do Bom Livro, que lança as obras tidas como maiores, na opinião dos profissionais da literatura do stalinismo. Finalmente, o volume de O mundo da paz integra a série da Biblioteca dos Laureados do Prêmio Stalin pela Paz, na qual a editora PIW lança as obras premiadas em Moscou.

Com exceção de duas, as capas indicam o nome completo ou a sigla das editoras. As exceções ocorrem nos anos de 1972 e de 1975 e são promovidas por uma mesma editora. Comparando as tabelas 3, 5 e 6, chaga-se a conclusão de que no período do realismo socialista, a editora Czytelnik publica as traduções dos romances de Jorge Amado com exclusividade. Neste período, somente duas edições são lançadas pela editora PIW. Nos anos que se seguem, duas editoras lançam as traduções no mercado polonês. A KiW, nos anos setenta, e a WL nos anos de 1989 e de 1993.

Todas as capas trazem o nome do autor. Na maioria das vezes, trata-se do nome completo de “Jorge Amado”, como ocorre no caso de 15 capas. Excepcionalmente, O cavaleiro da esperança apresenta o nome do autor na forma de “J. Amado”, e Os subterrâneos da liberdade indica o autor na forma de “Amado”. Nenhuma capa traz referências aos nomes de tradutores.

As características das contracapas das traduções polonesas escolhidas para a análise são apresentadas por meio da tabela a seguir.

Tabela 7. As características das contracapas

Título Preço Editora Outros

Terras do sem fim -- sim --

Jubiabá 370,0 não --

São Jorge dos Ilhéus 450,0 sim --

A Albânia é uma festa 80,0 não --

Mar morto -- não --

O cavaleiro da esperança 2,4 sim assinante

Aurora do Brasil (Cacau+Suor) 11,0 não --

Os subterrâneos da liberdade 41,0 sim vol. I e II

O mundo da paz 11,0 não --

Cacau 4,0 não --

ABC de Castro Alves 10,0 sim --

Gabriela cravo e canela 35,0 sim --

Os velhos marinheiros 25,0 sim --

Os pastores da noite 35,0 sim --

Tereza Batista cansada de guerra 1.950,0 não série

Dona Flor e seus dois maridos -- não sinopse

A tabela 7 demonstra que as contracapas contêm o mínimo de informações. Nas edições, cujas capas não trazem o nome da editora, esse dado é completado por meio do logotipo da editora na contracapa.

A informação relevante apresenta o preço do exemplar, expresso em moeda nacional, chamada de Złoty (ZL). Cruzando os dados da tabela 5 com os dados da tabela 7, observa-se a faixa dos preços num dado período de tempo. Essa periodização está evidenciada pela adoção da ordem do lançamento das traduções integrantes do corpus, na tabela 7.

Até o ano de 1950, o preço do exemplar da tradução do romance amadiano custa entre ZL300,0 e ZL450,0 – com exceção de Albânia é uma festa, uma reportagem de pequeno volume, avaliado em ZL80,0. A partir do ano de 1951, até o final da época de stalinismo, os preços variam entre os ZL2,4 no caso de O cavaleiro da esperança – trata-se do valor cobrado do assinante, como explica uma nota na contracapa - e ZL11,0 no caso de Jubiabá e O mundo da paz. O preço de Os subterrâneos da liberdade, livro em dois volumes, avaliados em ZL41,0 corresponde ao preço do volume das obras escolhidas de um autor, e que no ano de 1953, segundo Siekierski (1992, p. 178), custava ZL 35,0 – valor considerado um preço baixo. A diferença significativa nos preços dos livros, antes e depois do ano de 1950, explica-se com as mudanças na economia do país, mencionadas no primeiro capítulo, e com a decisão do governo sobre a conversão da moeda. No final de outubro de 1950, o anunciado fator de conversão importava ZL3,0 na moeda nova, contra ZL100,0 da moeda antiga. O preço da tradução do romance de Amado disponível no mercado polonês, nos anos de 1951 a 1957, pode ser considerado

barato, quando comparado com o preço de um maço de cigarros populares, que na mesma época, variava entre ZL2,4 e ZL3.

Como foi mencionado nos capítulos anteriores, nos anos do realismo socialista, o Estado financiou as atividades das editoras. A partir do ano de 1957, as editoras precisaram tornar-se empresas economicamente rentáveis. Nesta época, o preço do livro começou a ser um item discutido na imprensa polonesa. No início dos anos setenta, a imprensa desencadeia uma ação em defesa de um livro mais barato. A tabela 7 demonstra que, nesta época da prosperidade econômica sob o governo de Gierek, a tradução amadiana custa entre ZL25,0 a ZL35,0. Na mesma época, o preço de um maço de cigarros populares variava entre ZL3,5 e ZL4,0. Na passagem da década 80 para 90, o país vive uma grave crise econômica e uma inflação acentuada. Este fato explica o valor elevado que consta na contracapa do volume de Tereza Batista cansada de guerra. Já a tradução de Dona Flor e seus dois maridos não possui um preço imprimido no exemplar. Depois de ano de 1990, os preços dos livros são moldados exclusivamente pelas leis do mercado.

As contracapas de dois últimos lançamentos trazem informações adicionais. A contracapa da tradução do romance Tereza Batista cansada de guerra informa, que o volume pertence à série Prosa ibero-americana. Na contracapa da tradução de Dona Flor e seus dois maridos encontra-se uma breve sinopse do romance.