• Nenhum resultado encontrado

2 O SISTEMA LITERÁRIO POLONÊS DURANTE O REGIME COMUNISTA

2.1 O MECENATO DO ESTADO

2.1.1 As revistas literárias na conquista do escritor

A política cultural dos comunistas poloneses, nos anos de 1944 a 1947, chamada de programa da revolução sutil, foi concebida na base do modelo soviético dos anos de 1920 a 1934. Na escassez de escritores eminentes na União Soviética, comprometidos com o regime comunista, utilizavam-se, para os fins de propaganda, escritores não comunistas, deixados numa aparente liberdade ideológica. Entre eles figuravam Boris Pasternak (1899–1860) e Ilya Ehrenburg76 (1891–1967).

Essa ação na Polônia foi comandada por Jerzy Borejsza (1902-1952), por meio das instituições culturais sob seu controle. A revolução sutil77 tinha como objetivo a

captação dos simpatizantes entre a intelligentsia de raízes ideológicas não comunistas. O convite para a colaboração com o sistema, primeiramente sem exigir nenhuma identificação ideológica, visava à legitimação do regime em face da sociedade. De fato, um grande grupo de intelectuais conhecidos e estimados mundialmente, nunca antes relacionados com os comunistas, assumiu altos postos na organização da vida cultural e científica legitimando, deste modo, o regime comunista aos olhos da população polonesa, e perante o público internacional. Os escritores mais conhecidos mundialmente foram utilizados como mentores do sistema, nos círculos internacionais,

75 Escritor e tradutor. Debutou antes da Guerra. Colaborou com o regime comunista como literato e

diplomata. Foi attaché cultural nos EUA e na França. Fugiu do posto na Embaixada em Paris, em 01.02.1951, pedindo asilo político. Viveu na França, depois emigrou para os EUA. Morreu na República da Polônia. Recebeu o Prêmio Nobel da literatura em 1980.

76 Este era amigo do casal Amado (GATTAI, 1986, p. 60-63).

aos quais os governantes não tinham acesso, especialmente através do Movimento dos Intelectuais pela Paz, dirigido do Kremlin78.

O trabalho de captação dos escritores para o serviço do regime acontece por meio das revistas literárias. As duas primeiras revistas literárias de circulação nacional, com programas aparentemente divergentes, são criadas pela mesma pessoa de Jarzy Borejsza e editadas pela editora Czytelnik, também fundada por ele.

A primeira delas, a revista semanal sobre os assuntos sociais e literários Kuźnica79, fundada no mês de junho de 1945, torna-se palco para os escritores e os

intelectuais ligados ao PC polonês. A revista divulga um programa radical de reestruturação da vida social, política, econômica e cultural com base no Marxismo, sublinhando fortemente o caráter nacional da revolução que se estava operando, como a continuação da tradição polonesa da esquerda. O objetivo principal da revista é a conquista da intelligentsia polonesa para a revolução e, no segundo plano, a transformação de sua consciência conservadora e católica, para uma visão do mundo racionalista e leiga, ou até marxista. A Kuźnica expõe os fundamentos da doutrina marxista e, ao mesmo tempo, ataca a Igreja Católica. Uma frente de luta especial da revista é o público jovem, os futuros intelectuais. Os autores discutem os programas de ensino superior, preparando a reforma nos estabelecimentos educacionais. Na literatura, a revista propaga a posição de retorno ao realismo, salientando, porém, o respeito pela livre escolha do escritor, afastando-se das posições do dirigismo estético.

Ao contrário da Kuźnica, ideologicamente e politicamente radical, a revista semanal sobre os assuntos sociais e literários Odrodzenie80, fundada no mês de

setembro de 1945, dirige-se ao grupo da intelligentsia polonesa que não se identifica com o regime, mas que por sua vez, declara lealdade aos dirigentes da nova situação política. Os autores da revista anunciam as mudanças necessárias para uma cultura nova, mas prometem, paralelamente, que as mudanças ocorrerão por vias da evolução, isto é, pacificamente e no ritmo próprio. Odrodzenie afirma a tolerância, a paciência e um entendimento para todos que não se declaram abertamente como inimigos da nova

78 Como demonstra o caso do famoso poeta e romancista Jarosław Iwaszkiewicz (1894-1980), um dos

presidentes do citado Movimento.

79 A Forja, em polonês.

ideologia e da nova estética, propagando um peculiar ecletismo estético. A revista defende a posição de que não se pode avaliar a literatura pela filiação partidária do autor.

Ambas as revistas entram em atrito a respeito do programa do realismo socialista, introduzido na cultura polonesa no ano de 1949. Kuźnica e Odrodzenie são fechadas em 1950, quando o regime comunista desiste do programa da revolução sutil e promove uma total e rápida stalinização da cultura polonesa. No lugar das duas revistas, funda-se a revista Nowa Kultura, editada também pela editora Czytelnik, nos anos de 1950-1963.

Nos tempos do socrealismo, a Nowa Kultura é a única revista literária circulando no país inteiro. A revista semanal é tanto um meio oficial, por meio do qual o partido comunista representa sua posição nos assuntos da cultura e da arte, como também um palco de divulgação constituído para a Associação dos Escritores da Polônia. O surgimento da Nowa Kultura é um resultado prático da ofensiva ideológica, iniciada pelo poder comunista no início do ano de 1950, que visava a submissão total da vida cultural polonesa e a adequação dela ao modelo soviético, tido como único e perfeitamente desenvolvido. Nas colunas da revista, publicam-se os relatórios das assembléias, das conferências e dos debates, onde se discute a problemática cultural e artística. Os autores da revista, comumente integrantes do alto escalão do PC, fornecem a interpretação oficial dos elementos particulares da doutrina estética e apresentam o ponto de vista obrigatório referente à questão do cânone literário. Os literatos partidários transmitem, também, a postura correta frente aos autores e suas obras particulares. A Nowa Kultura publica textos de autores soviéticos, como também de autores do bloco comunista. Entre os autores fora do bloco, publicam-se os textos dos assim chamados escritores progressistas dos países capitalistas, tais como Howard Fast81 (1914-2003), Jorge Amado (1912-2001), Luis Aragon (1897-1982), Pablo Neruda

(1834-1991), e as resenhas referentes às traduções de seus livros.

Desde seu início, o regime comunista na Polônia utiliza as revistas literárias para a manipulação do gosto artístico do público leitor e para a formação da consciência política dos escritores poloneses. Para André Lefevere (1992, p. 5-8), os reescritores,

entre eles os publicistas das revistas literárias, produzem os textos de acordo com a ideologia e a poética dominante, criando a imagem de determinados autores, ou de determinadas literaturas, conforme as necessidades imediatas dos dirigentes políticos. No sistema totalitário da Polônia do pós-guerra, a centralização do discurso sobre a literatura assegura o controle ideológico da vida literária por parte do Estado.