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5 JORGE AMADO NO SUB-SISTEMA DA LITERATURA TRADUZIDA POLONÊS: ANÁLISE MICRO-ESTRUTURAL

5.1 A ONOMÁSTICA E A CULINÁRIA

5.1.1 A designação dos personagens

Apresentando o estudo de caso que exemplifica o modelo descritivo de José Lambert e Hendrik van Gorp, o pesquisador Jeremy Munday (2004, p. 121-123) chama a atenção para a importância do exame dos procedimentos adotados na tradução de nomes dos personagens de um texto literário. Os resultados desse exame auxiliam o pesquisador na tarefa da recriação das normas que regeram a tradução do texto como um todo.

No quarto capítulo dessa pesquisa, na análise dos títulos das traduções, constatou-se a tendência para a domesticação nas edições lançadas no período de 1949 a 1957. Entretanto, a partir do ano de 1972 até o ano de 1993, evidenciou-se a vigência da norma de estrangeirização, verificando-se a utilização do procedimento da transferência dos estrangeirismos para os títulos das traduções de Tereza Batista cansada de guerra e de Dona Flor e seus dois maridos.

Entretanto, a análise dos procedimentos adotados na tradução do universo onomástico do corpus verifica, em todo o período pesquisado, a tendência de

preservação, nos textos poloneses, dos nomes e dos apelidos brasileiros, como exemplifica o cotejo a seguir.

Jubiabá Página

Antonio Balduino. 16 TA

--- Versão Br

Antônio Balduino. 9 TF

Mar morto Página

Mestre Manuel. 8 TA

--- Versão Br

Mestre Manuel. 8 TF

ABC de Castro Alves Página

amiga*; negra**. 13-14 TA

*Amiga;**Negra. Versão Br

amiga; negra. 20-21 TF

Terras do sem fim Página

Kapitan Jan Magalhaes. 7 TA

O capitão João Magalhães. Versão Br

O capitão João Magalhães. 19 TF

São Jorge dos Ilhéus Página

Karol Züde. 15 TA

Carlos Züde. Versão Br

Carlos Zude. 19 TF

O cavaleiro da esperança Página

Luis Carlos Prestes. 16 TA

--- Versão Br

Luis Carlos Prestes. 9 TF

Gabriela cravo e canela Página

João Fulgêncio. 29 TA

--- Versão Br

João Fulgêncio. 37 TF

O capitão de longo curso Página

Vasco Moscoso de Aragão. 21 TA

--- Versão Br

Vasco Moscoso de Aragão. 78 TF

Tereza Batista cansada de guerra Página

José Saraiva. 14 TA

--- Versão Br

José Saraiva. 5 TF

Dona Flor e seus dois maridos Página

Zé Sampaio. 22 TA

--- Versão Br

A análise do universo onomástico das traduções evidencia uma clara tendência para a preservação dos nomes brasileiros. Na maioria dos casos, os prenomes brasileiros que possuem seus correspondentes no onomástico polonês, seguem essa mesma tendência, como demonstram os exemplos de Jubiabá, Mar morto, O cavaleiro da esperança e de Tereza Batista cansada de guerra. O onomástico polonês dispõe de prenomes como Antoni, Emanuel, Józef ou Ludwik Karol, porém, as traduções optam por “Antonio”, “Manuel”, “José” e “Luis Carlos”. O mesmo ocorre com a designação “Mestre” que se costuma usar, em polonês, na forma de Mistrz. Mesmo levando-se em consideração que os prenomes de Prestes são preservados na forma original por se tratar de um personagem historicamente relevante, é possível citar a prática de traduzir os prenomes de Karl Marx por Karol, dos reis franceses por Ludwik, ou ainda de George Washington por Jerzy, nos textos poloneses da mesma época.

Substituindo os prenomes dos personagens por seus correspondentes poloneses, as traduções de Terras do sem fim e de São Jorge dos Ilhéus não seguem a tendência acima mencionada: “o capitão João” é traduzido por Kapitan Jan e “Carlos” é traduzido por Karol. A coerência na adoção da mesma estratégia nessas duas traduções pode ser explicada pelo fato de que os dois romances são considerados uma unidade na ordem do relato beletrístico sobre a região cacaueira do sul da Bahia, como o próprio autor assegura na nota epigráfica do segundo romance. Também, o fato de que ambas as partes de uma única história das terras do cacau foram traduzidas pela mesma tradutora – Janina Wrzoskowa - pode explicar a adoção da estratégia única. Como demonstrou o quarto capítulo desse trabalho, os romances mencionados no parágrafo anterior foram traduzidos por outros tradutores: pela dupla Hołyńska e Gruda, e por Elżbieta Reis. Esse fato pode esclarecer a adoção de duas estratégias diferentes na tradução do universo onomástico dos personagens amadianos.

O exame dos procedimentos tradutórios evidencia o uso da transliteração na tradução dos nomes no período do dirigismo estético, como demonstram os exemplos supracitados. A falta do acento circunflexo no nome de Antonio e do sinal diacrítico (o til) no sobrenome de Magalhaes exemplifica a substituição da convenção gráfica da língua do original pela grafia da língua do texto traduzido. A adição do trema no sobrenome de Züde na tradução de São Jorge dos Ilhéus pode ser interpretada como um procedimento da melhoria operada sobre o texto-fonte, no

sentido discutido no capítulo anterior. Neste caso particular, a melhoria induz o leitor a associar o nome do capitalista-explorador com a nação alemã. Em média, o polonês reconhece, no sinal do Umlaut, a convenção gráfica da língua alemã e, de acordo com a ideologia vigente, qualifica o personagem como inimigo. A categoria dos hostilizados nas traduções polonesas da obra de Jorge Amado será tratada detalhadamente no outro item dessa análise. No período posterior ao realismo socialista, as traduções adotam a estratégia do empréstimo dos nomes estrangeiros admitindo, também, no texto polonês, a grafia da língua do texto-fonte, a exemplo dos nomes de João Fulgêncio, de Vasco Moscoso de Aragão, de José Saraiva e de Zé Sampaio.

Por sua vez, a tradução de ABC de Castro Alves, editada no limiar da vigência do dirigismo estético, no ano de 1957, transfere para o texto polonês os estrangeirismos “amiga” e “negra”, explicando o significado das palavras nas notas explanatórias. “Amiga” e “negra” são os termos, com os quais o emissor do ABC de Castro Alves se dirige ao destinatário da história sobre a vida do poeta. O texto da tradução reproduz o uso desses termos, escrevendo amiga e negra com as letras minúsculas, enquanto todos os prenomes e sobrenomes dos personagens começam com as maiúsculas. A transferência desses estrangeirismos para o texto polonês reforça a tendência para a estrangeirização na tradução do onomástico brasileiro.

A tendência de preservar os nomes e os apelidos brasileiros na tradução dos textos amadianos apresenta algumas exceções, como ilustram os exemplos a seguir.

Cacau Página

Mane Ułomek. 8 TA

Mane Deficiente. Versão Br

Mané Frajelo. 4 TF

Mar morto Página

Gumercindo. 8 TA

--- Versão Br

Guma. 8 TF

Os subterrâneos da liberdade Página

Alfredinho Soares. v.1;384 TA

--- Versão Br

Bertinho Soares. v.2;80 TF

A morte e a morte de Quincas Berro D’água Página

Kuba Hidrófobo. Versão Br

Quincas Berro D’água. 17 TF

Os pastores da noite Página

Krawiec Jozue 12 TA

O alfaiate Josué Versão Br

O alfaiate Jesus 19 TF

O texto polonês de Cacau explica na nota de rodapé de que Mane é um diminutivo do nome Manuel e traduz o apelido “Frajelo” por “Deficiente”, denotando a incapacidade física ou mental. O texto-fonte cita o nome completo do coronel Manuel Misael de Souza Telles e se refere à origem do apelido, concedido ao personagem pelos moradores da cidade. Devido à maneira de se vestir, de falar e de tratar as pessoas, o coronel é considerado “um flagelo”. A convenção gráfica do apelido (“Frajelo” em vez de “Flagelo”), que introduz a fala popular, corresponde ao realismo ambicionado pelo autor desse romance proletário. A tradução omite tanto o nome completo do personagem como a origem do apelido e o trocadilho que esse contém. O procedimento de omissão descaracteriza um dos personagens centrais do texto. No entanto, a tradução parece ser muito mais interessada nos assuntos ideologicamente relevantes, do que nos pormenores do regionalismo do texto-fonte. O fato se torna compreensível, levando em consideração que se trata de uma edição resumida de Cacau, dedicada ao leitor novato, que deve ser doutrinado. Também, a simplificação do nome do personagem pode constituir um recurso para facilitar a leitura do texto. A falta do acento agudo no apelido corresponde ao procedimento da transliteração nas traduções editadas no período do realismo socialista, como mencionam os parágrafos anteriores.

A tradução de Mar morto traz o nome do protagonista na forma de Gumercindo em todas as ocorrências, enquanto o texto-fonte usa, na maioria das vezes, o diminutivo Guma, preservando a forma plena do nome de Gumercindo em duas ocorrências. Os tradutores evitam o diminutivo, possivelmente, porque a palavra guma ocorre no dicionário polonês, significando “borracha”. Também, a designação Guma surge na Polônia, com bastante freqüência, como apelido que denota a maleabilidade, como no termo brasileiro “homem-borracha”.

O apelido do protagonista da tradução de A morte e a morte de Quincas Berro D’água é traduzido para o polonês na forma de Wodowstręt, que designa o termo técnico para o sintoma da hidrofobia, associado à doença da raiva. Desta forma, a

tradução permite que o leitor acompanhe, no texto do conto, a explicação do apelido “Berro D’água”, no momento em que, dado à bebida alcoólica, Quincas se confunde e traga água no lugar de cachaça.

No texto da tradução de Os pastores da noite, o caso interessante constitui a troca do nome do alfaiate Jesus. Recorrendo à inspiração bíblica do texto-fonte, o alfaiate recebe, na tradução polonesa, o nome de Jozue, embora o nome Jezus esteja disponível no dicionário polonês. A tradição católica polonesa, porém, rejeita implicitamente, pela prática adotada no rito do batismo, o uso do nome de Jezus, reservando-o somente para a designação do Filho de Deus da tradição cristã. Outra possibilidade da explanação consiste na atuação da censura. Como mencionam os dois primeiros capítulos dessa pesquisa, as relações entre o Estado e a Igreja foram bastante complicadas nos meados da década de setenta, o período da edição desta tradução. Em ambos os casos, a omissão do nome ilustra as interdependências entre os sub-sistemas político, religioso e da literatura traduzida.

Utilizando-se, aparentemente, do procedimento da transferência dos nomes estrangeiros, a tradução polonesa do romance Os subterrâneos da liberdade substitui, de fato, o nome Bertinho por Alfredinho. Ambos os diminutivos são estranhos para o onomástico polonês. A tradução interfere, também, na designação de outros personagens, apelidando Ruivo do TF com a alcunha de Vermelhinho no texto polonês e chamando o empresário Lucas Puccini do texto brasileiro pelo nome de Hugo Baroni no TA. Uma tentativa de elucidação desses fatos pode ser feita a partir da observação tecida no quarto capítulo, referente às datas da edição da tradução polonesa e da primeira edição do romance no Brasil. A edição brasileira foi lançada um ano depois da tradução polonesa devido ao atraso causado pela censura partidária do PC brasileiro. Como o texto-fonte foi alterado pela censura, parece viável a hipótese de que os nomes de alguns dos personagens, também, sofressem mudanças. A pesquisa trabalhou com a premissa de que o exemplar do texto-fonte com o qual trabalharam os tradutores poloneses não foi idêntico àquele que originou a edição brasileira. No entanto, a comprovação dessa suposição não se mostrou viável no decorrer da pesquisa.

A análise dos procedimentos adotados na tradução dos nomes e dos apelidos dos personagens amadianos constata o interesse pela preservação do universo onomástico brasileiro, ao longo do período pesquisado. Entretanto, o uso dos procedimentos da transliteração, da melhoria, da omissão e da tradução dos

prenomes para o polonês assinala a tendência à domesticação no período do dirigismo estético. A transferência dos nomes estrangeiros para os textos traduzidos, na época posterior, indica a vigência da norma da estrangeirização, ainda que a convenção de flexionar os nomes, segundo as regras das declinações do polonês, indique a existência de algumas restrições a essa norma.