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2 O SISTEMA LITERÁRIO POLONÊS DURANTE O REGIME COMUNISTA

3 A INTRODUÇÃO DE JORGE AMADO NO SISTEMA LITERÁRIO POLONÊS: CAUSAS E MOTIVAÇÕES

3.1 A ESCOLHA DOS LIVROS A TRADUZIR PELOS CRITÉRIOS POLÍTICOS

Para que um sistema literário possa manter-se estável, é preciso que esteja em comunicação com os sistemas literários de outros polissistemas socioculturais. O intercâmbio entre os sistemas por meio da tradução serve para o enriquecimento do repertório oferecido dentro do determinado sistema literário, e para a criação de alternativas para seus modelos já consagrados. Segundo Even-Zohar (1990, p. 25- 26), somente um sistema literário altamente heterogêneo, isto é, aquele que possui

um repertório bastante variado, tem a capacidade de manter-se estável sem recorrer aos novos modelos fornecidos pela tradução.

Depois da decretação do dirigismo estético, o sistema literário da Polônia oferece ao público leitor um volume insuficiente de obras literárias, tanto do ponto de vista da quantidade dos livros editados, como também do ponto de vista da diversidade de modelos literários. De fato, para os comunistas, a vida cultural começa na Polônia a partir do ano de 1944. De acordo com essa posição, a literatura polonesa está vivendo seus momentos primordiais112. Para enriquecer a

oferta, o sistema literário polonês recorre à tradução. As obras a serem traduzidas são escolhidas segundo os critérios políticos. Importando os textos escritos dos países das Democracias Populares, que podem ser considerados um mega-sistema sociocultural do bloco comunista, o sistema literário polonês proporciona um ambiente que valoriza a tradução. A insuficiência do próprio sistema literário, nas palavras de Clem Robyns (1994, p. 420), permite ver a importação dos textos como um fato enriquecedor para o sistema, gerando desta maneira, um discurso positivo sobre a tradução.

Como foi assinalado no primeiro capítulo, a partir do ano de 1949, no decorrer do processo de perseguição contra os dirigentes dos partidos comunistas, Stalin descobre, na política polonesa, o chamado desvio nacionalista. Segundo Siekierski (1992, p. 167), este fato provoca a desconfiança na atual produção literária polonesa que, supostamente, instiga as posturas nacionalistas. Nessa situação, a política editorial polonesa recorre à tradução das obras soviéticas. A tradução para o polonês das teses lingüísticas de autoria de Stalin, publicadas em três artigos no mês de junho de 1950, em Moscou, e veiculadas obrigatoriamente em todas as repúblicas soviéticas, como também nos países do bloco, é uma transferência ideológica obrigatória, e um exemplo da dependência vassala do país, uma vez que o teor dos artigos não tem nenhuma relevância para o público leitor da Polônia.

A política tradutória do stalinismo demonstra uma clara preferência pela literatura soviética da atualidade e pela literatura dos países que integram o bloco soviético. Traduzem-se e editam-se, principalmente, as obras atuais do realismo socialista. Contudo, também as obras clássicas dos países do bloco entram no sistema literário polonês. A tradução leva ao público os textos escritos em búlgaro,

112 De fato, nos tempos da Guerra, 80% do acervo das bibliotecas públicas e aproximadamente a

tcheco113, eslovaco, húngaro, romeno e alemão114. As traduções de textos escritos

nas línguas dos povos da Iugoslávia muito dificilmente aparecem no mercado editorial polonês por causa da situação política no referido país, depois do conflito entre Stalin e Tito. Da literatura dos povos da União Soviética é apresentada ao público polonês, preferencialmente, a obra dos escritores russos. Das literaturas de outros povos, integrantes da URSS, traduz-se menos. A literatura oriental soviética, armênia e azerbaidiana traduz-se por meio da língua russa. Também por meio de tradução pivô ou intermediária editam-se as literaturas mongol, coreana do norte, e chinesa, utilizando-se das traduções russas, inglesas, ou alemãs. As literaturas exóticas (soviéticas orientais, chinesa, coreana, ou mongol) estão apresentadas por meio de antologias, que demonstram caráter circunstancial e propagandista.

Paralelamente ao aumento do número de textos traduzidos das línguas do bloco soviético, o número de títulos da literatura ocidental contemporânea, traduzidos para o polonês, diminui drasticamente. Essa tendência explica-se com a existência da chamada “cortina de ferro”, o que, para o sistema literário polonês, significa a separação da literatura polonesa das tendências ideologicamente incorretas, contidas nas literaturas dos vizinhos ocidentais. Na época do socrealismo traduzem-se, exclusivamente, os escritores progressistas, isto é, os comunistas e os simpatizantes denominados de criptocomunistas. A visão do ocidente nos textos traduzidos corresponde à tese, oficialmente propagada, sobre a decadência da sociedade e da cultura capitalista. De acordo com estes critérios, traduz-se da literatura contemporânea norte-americana Fast; da inglesa, Aldridge; da francesa, Aragon e Eluard; da italiana, Pratolini; da literatura da Escandinávia, Andersen– Nexo; da Alemanha Ocidental, Goes. Da literatura não européia, os autores mais traduzidos são o romancista brasileiro Jorge Amado e o poeta chileno Pablo Neruda.

A literatura clássica das culturas ocidentais, quando aprovada pela censura, é editada em grandes tiragens e as obras são vendidas a preços populares. Esse fato deve demonstrar ao público leitor a abertura do regime para os valores reconhecidos da cultura ocidental. De um modo especial, escolhem-se para tradução os textos da época do Iluminismo e do Realismo do século XIX. Ambas as literaturas mostram uma crítica da sociedade ao declínio do feudalismo e aos primórdios do capitalismo,

113 Publicam-se os textos de Jan Drda (1915-1970), amigo do casal Amado (GATTAI, 1987, 1989). 114 A literatura atual alemã foi representada pelos autores da República Popular, entre eles Anna

o que corresponde à visão marxista do processo histórico. Dos autores clássicos do ocidente são traduzidos os americanos Melville, London, Twain; os ingleses Shakespeare, Defoe, Swift, Byron, Dickens, Thackeray, Conrad, Galsworthy, Show; os franceses Molier, Diderot, Voltaire, Hugo, Stendhal, Zola, Maupassant, France, Rolland, e Balzac, o mais traduzido dos clássicos ocidentais. São, também, traduzidos o espanhol Veja e os alemães Goethe e Schiller. Os textos do classicismo antigo grego e romano são publicados em séries para fins educacionais. Como afirmam Łapiński e Tomasik (2004, p. 236), essas edições estão equipadas com comentários que concedem aos textos a interpretação marxista.

A tabela a seguir apresenta a participação da literatura traduzida no sistema literário polonês nos anos de 1944 a 1986.

Tabela 1. Idiomas mais traduzidos para o polonês: 1944-1986

Anos

Traduções Idioma do original em %

Nr° % Ru In Al Fr Tch It Hu Es XPt 1944-86 37 241 11,0 35,5 20,8 11,0 10,6 3,0 1,6 1,5 1,4 14,6 1944-55 10 040 17,4 65,2 9,7 7,8 7,6 2,7 0,9 0,7 0,5 4,9 1981-85 4 185 8,8 19,4 24,1 12,2 9,7 5,1 2,0 2,4 2,2 22,9 1986 855 9,1 19,5 27,0 15,3 8,5 4,7 2,6 1,7 2,0 18,7 Fonte: Siekierski (1992, p. 348)

Legenda: Al: alemão; Es: espanhol; Fr: francês; Hu: húngaro; In: inglês; It: italiano, Ru: russo e outros idiomas da URSS; Tch: tcheco e eslovaco, XPt: outros incluindo português

No período de 1944 a 1986, a literatura traduzida totaliza 11% de todos os livros editados. Nestas décadas, predominam, no mercado editorial, as traduções da língua russa com 35,5% do total das traduções, seguidas pelas traduções do inglês com 20,8%, do alemão com 11% e do francês com 10,6%. As traduções dos idiomas tcheco, eslovaco, italiano húngaro e espanhol perfazem o volume de um a três pontos percentuais do total dos livros traduzidos. Os idiomas não incluídos na tabela, entre eles o português, perfazem um total de 14,6% das traduções. Na época do stalinismo, porém, nos anos de 1944 a 1955, cresce o volume da participação da obra traduzida no sistema literário polonês que perfaz o total de 17,4% de todas as obras editadas. Nesta época, a participação dos textos traduzidos do idioma russo totalizava 65,2% de todos os livros editados, em detrimento do inglês com 9,7%, do

alemão com 7,8%, do francês com 7,6% e de outros idiomas, incluindo o português, com 4,9%. Nas décadas posteriores à época do stalinismo, as traduções perfazem entre 14% e 8,8% de todas as obras editadas, sendo que e a relação entre as línguas se equilibra. Nessas décadas a participação dos textos traduzidos no sistema literário polonês diminui gradativamente, chegando no ano de 1986 a um volume de 9,1% de todos os livros editados. Também diminui a participação da língua russa como a língua-fonte das traduções para o polonês. No ano de 1986, traduzem-se mais obras do inglês (27%) do que do russo (19,5%). As traduções do alemão totalizam 15,3% e as do francês 8,5% de total das traduções. Cresce, entretanto, a participação dos idiomas não incluídos na tabela que, no ano de 1986, constitui um volume de 18,7% das traduções.

A partir da época do degelo, o regime introduz mudanças na política da publicação das traduções. Ao lado dos autores da URSS e das Repúblicas Populares, o leitor polonês ganha obras traduzidas dos escritores ocidentais, por exemplo, Malraux, Gide, Sartre, Kafka, Hemingway, Joyce, Beckett, Mann, Brecht e outros, ausentes até então do sistema literário polonês. A abertura do mercado editorial para os fenômenos da vida literária dos sistemas socioculturais do ocidente proporciona maior heterogeneidade ao sistema literário polonês.