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1 POLÔNIA: PAÍS-SATÉLITE DA UNIÃO SOVIÉTICA: 1945-

1.1 PERÍODO DE ERROS E DISTORÇÕES 1 : 1944–

1.1.2 Consolidação do novo regime: 1948-

Nas eleições para o parlamento constituinte, no dia 19 de janeiro de 1947, com 80% de votos, ganha o Bloco Democrático, composto pelo Partido Operário e pelo Partido Socialista. O parlamento elege o presidente e o primeiro ministro que assume a missão de compor o governo. Os principais personagens da política polonesa são impostos e controlados por Moscou. O presidente eleito, Bolesław Bierut (1892-1956), um agente do NKVD (BŁAŻYŃSKI, 1986. p. 290), e partidário da rápida stalinização da Polônia, na opinião de Jakub Berman “foi escolhido para ocupar o lugar de destaque na política polonesa pelo próprio Stalin, que o tinha na elevada consideração” (apud TORAŃSKA, 1985, p. 318). O ministro da defesa, o marechal soviético Konstanty Rokossowski (1896-1968)30, assume o comando do exército polonês a partir de 1949.

Para o comando de maiores formações militares no país, são nomeados os oficiais russos. Włodzimierz Keller, polonês, professor aposentado do Instituto de Física da

30 Marechal Rokossowski entrou na Polônia com o Exército Vermelho. Depois do degelo em 1956, junto

com 32 generais e coronéis soviéticos, foi enviado para Moscou, onde assumiu o posto de vice-ministro da defesa da URSS.

UFBa, (informação verbal)31 confirma que durante o serviço militar obrigatório na

Polônia, em meados dos anos cinqüenta, prestou juramento militar a general russo, que nem sequer falava polonês. Segundo Edward Ochab (1906-1989), o ministro da administração pública do Comitê da Libertação e o vice-ministro da defesa de Rokossowski, “a URSS que perdeu 600 mil soldados libertando a Polônia, não podia nem quis permitir qualquer mudança na política polonesa” (apud TORAŃSKA, 1985, p. 59). A Polônia, a exemplo de outras democracias populares – satélites de Moscou, assina ainda no dia 24 de abril de 1945, o tratado de amizade e de cooperação com a União Soviética32.

Para se opor ao imperialismo norte-americano, a URSS apresenta a proposta da criação do Bureau de Informação dos Partidos Comunistas e Operários, criado na reunião no mês de setembro de 1947, em Szklarska Poręba, na Polônia. Os representantes dos partidos comunistas afirmam que o Bureau deve ter o caráter de paridade e tomar as decisões pelo principio de unanimidade33. Já no ano seguinte, o

Bureau reconhece como universalmente válida a experiência da União Soviética na construção do socialismo. Na prática, o Bureau torna-se um instrumento de intervenção da URSS na política dos países da Europa central e oriental, funcionando como uma “mordaça ideológica” (TOPOREK, 1999, p. 21) para os políticos que tentam conduzir seus países por uma via alternativa para o socialismo. Em 1948, o Bureau impõe a todos os dirigentes do bloco a realização da coletivização das propriedades agrícolas. Para o pequeno agricultor polonês, que acabou de receber a posse da terra em conseqüência da reforma agrária iniciada em 1944, a criação das cooperativas estatais, à moda dos kolkhozy soviéticos, é uma traição das promessas feitas pelo governo. Para pressionar o agricultor a juntar-se à cooperativa, o governo estipula elevadas metas para os fornecimentos obrigatórios34, aumenta os impostos e persegue os proprietários

das maiores áreas de cultivo, que costumam empregar os trabalhadores rurais. Zélia

31 Depoimento em entrevista realizada em Salvador, no dia 26.02.2005. Entrevistador: Jarosław Jacek

Jeździkowski.

32 Todos os governos dos países da esfera da influência do Kremlin foram obrigados a assinar o tratado

com a URSS (e.g. Tchecoslováquia em 1943, Iugoslávia em 1944) e posteriormente, assinavam semelhantes tratados entre si.

33 O bureau anterior (Kominform), criado em 1919 e dissolvido em 1943, foi autoritariamente guiado pelo

Kremlin.

34 Com referência à área cultivada, o planejamento central estipulava a quantidade da produção (e.g.

Gattai (1987, p. 81-83) relata sobre o encontro com um agricultor polonês, durante a viagem pela Polônia, em 1948:

Por uma estrada secundária rumamos para Wisla, atravessando campos cultivados de beterrabas e de batatas; por toda parte viam-se montes de feno, currais, gado pastando, casas rústicas. De vez em quando aparecia um pomar, maçãs vermelhas [...] ameixas amarelas e pretas. De repente divisei um camponês com um cesto de frutas ao lado de uma cancela e pedi ao chofer que parasse, desejava comprar maçãs. [...] Puxamos conversa com o homem das frutas, dona Anna ali firme na tradução. Pequeno lavrador, ele cultivava beterrabas e batatas. O tovaritch chofer quis saber a razão dele vender as frutas particularmente em lugar de entregá-las à cooperativa. Fiscal improvisado, cumpria o dever patriótico de colaborar com o Estado. Toda a produção agrícola do país era entregue pelos camponeses às cooperativas do Estado que as tabelavam e vendiam, podendo assim uniformizar os preços. –- Entrego à cooperativa as beterrabas, que são encaminhadas às usinas de açúcar, e as batatas, que são distribuídas pelos entrepostos de venda ao consumidor – explicou o camponês. – Minha produção de frutas é pequena e por isso eu a vendo aqui na porta, mantendo os preços tabelados pelo controle do Estado. [...] Jorge perguntou ao camponês se ele tinha empregados para ajudá-lo no cultivo da terra. A camarada Anna não acreditava no que ouvia. [...] Seria possível que um comprovado lutador do gabarito de Amado desconhecesse os princípios mais elementares do socialismo? [...] No Estado Socialista não era permitida a exploração do homem pelo homem. [...] – Nas minhas terras só trabalham pessoas de minha família, filhos e irmãos... os que sobraram da guerra...

No ano de 1949, surge mais uma estrutura centralizadora do bloco dos países dependentes da União Soviética - o Conselho da Mútua Ajuda Econômica35. O

Conselho torna-se uma desculpa para a presença dos especialistas soviéticos, que exercem o controle da economia dos países-satélites. De acordo com Torańska (1985, p.274), “os conselheiros russos atuam em todas as áreas da administração e em todos os níveis, desde o poder central até a administração territorial”. No clima da Guerra Fria e com as portas para o ocidente hermeticamente trancadas36, toda a economia da

Polônia, um país até então agrícola, está direcionada para a União Soviética. A industrialização da Polônia depende da tecnologia e da matéria-prima russas. O terceiro no poder na Polônia stalinista, economista, ministro da indústria e chefe da Comissão Estatal do Planejamento Econômico, Hilary Minc (1905-1974), baseia o sistema

35 Em polonês: Rada Wzajemnej Pomocy Gospodarczej, que integrava, fora das democracias populares

européias, também a Mongólia, Cuba e o Vietnã. A organização foi dissolvida em 1991.

36 Sob a pressão da URSS, a Polônia como outros países–satélites de Moscou, rejeitou a ajuda proposta

em 1947 pelos Estados Unidos, para reconstrução das economias européias destruídas pela guerra. O Plano de George Marshall (1880-1959) reergueu as economias do ocidente europeu.

econômico do país no planejamento central. Neste sistema, o governo estipula as necessidades de consumo da população, produz e oferece ao mercado controlado a quantidade de bens que considera suficiente. Apesar da distribuição dos bens de consumo pelo sistema de cupons de racionamento, e enfrentando filas, a população não consegue preencher suas necessidades. Os centros urbanos sofrem a escassez da comida e a zona rural reclama a falta dos bens industrializados. A propaganda comunista aproveita as tensões para aumentar as divergências entre a cidade e o interior. Paralelamente, nas cidades começa a batalha contra os especuladores e aproveitadores, e no campo, contra o kulak – proprietário rural. De um lado, demonstrando o inimigo, o estado livra-se da responsabilidade pela situação crítica, por outro lado, com a caça às bruxas contra os elementos empreendedores, impede cada tentativa de livre iniciativa no mercado.

A Guerra Fria, que ameaça desencadear um conflito mundial atômico, faz com que as economias do bloco soviético, incluindo a polonesa, se focalizem na indústria pesada, preparando-se para reorientar toda a produção em função das necessidades da indústria bélica. Ao lado dos tributos cobrados pela libertação da ocupação nazista, a Polônia paga à URSS as contribuições para sustentar os conflitos bélicos, que devem elevar ao poder os partidos comunistas, em várias partes do mundo37. A concentração

das forças da economia na indústria de base em detrimento da indústria de consumo agrava a crise social. Para conter a insatisfação, o aparelho da repressão intervém. A polícia política, teleguiada de Moscou, ganha poderes ilimitados e acaba por controlar todos os setores do poder, no estado e no próprio partido comunista.

No mês de dezembro de 1948, entra em fase de execução na Polônia o plano da unificação de todo o movimento operário, incentivado por Stalin, em todo bloco comunista. O Partido Socialista Polonês deixa de existir, e seus membros são incorporados ao partido unificado, controlado pelo Partido Operário. A criação do novo Partido Operário Unificado Polonês (POUP)38 consolida a hegemonia do stalinismo no

país. As repressões desencadeadas pela tese de Stalin de que na medida em que o socialismo se desenvolve, agrava-se a luta de classes, atingem os políticos não-

37 Trata-se dos conflitos na Albânia, Grécia, Vietnã, Coréia e China, no final dos anos quarenta e início

dos cinqüenta, nos quais a URSS foi uma das partes interessadas.

ortodoxos. O representante da emigração no governo, Stanisław Mikołajczyk (1901- 1966), ameaçado, foge para os EUA. O comunista Władysław Gomułka (1905-1982) é acusado de desvios nacionalistas, deposto das funções no partido e no estado, e preso. Os ex-combatentes do Exército Interior, anistiados ainda em 1945, voltam a ser perseguidos. O NKVD monta os processos, detectando uma suposta rede internacional da espionagem em favor dos EUA, implantada nos países do bloco soviético39. Agrava-

se também a perseguição contra a Igreja Católica, cujo líder na Polônia, cardeal Stefan Wyszyński (1901-1981), é preso, em 1953. Teresa Torańska (1985, p. 308) comenta:

Final da década de quarenta. O campo e a Igreja são perseguidos, e os políticos independentes, aprisionados. Os partidos de oposição, o comércio privado, as livres associações, os conselhos de autogestão, a imprensa livre, não existem mais. O Partido Unido penetrou todas as formas de vida social, e está em toda parte: nas creches, nas escolas e nas fábricas, nos salões de leitura e nos hospitais. Chegou o momento em que, a tríade Bierut – Berman – Minc, indiscriminadamente implanta o socialismo na Polônia.

Depois das eleições de 1947, o presidente Bolesław Bierut organiza e precede o grupo que prepara a nova constituição. Bierut apresenta a Stalin o projeto de constituição, traduzido para o russo no outono de 1951. O projeto volta de Moscou com 82 correções, feitas a lápis, por Stalin. As correções do líder soviético são introduzidas no texto polonês. Votada no dia 22 de julho de 1952, à semelhança de outras constituições do bloco soviético, a nova Carta Magna assegura a todos os cidadãos o direito ao trabalho, lazer, saúde, educação, à liberdade de expressão e consciência, sem preconceitos de raça, sexo, ou credo (DAVIES, 1981, p. 580). A lei básica declara a Polônia o estado da democracia popular e a república do povo operário – intervenção de Stalin na primeira frase do Preâmbulo – o que limita os direitos das classes que até então tem vivido da exploração do operário e do camponês. Neste sistema político monopartidário, o Partido Operário Unificado Polonês torna-se a garantia e o guardião da nova ordem democrática. O país muda o nome para República Popular da Polônia40,

39 Zélia Gattai observa esta situação na Tchecoslováquia, e comenta sobre o processo contra os

dirigentes tchecos acusados por Moscou de “espionagem em benefício do Ocidente, desvio burguês, sabotagem, titoísmo, trotskismo, traição” (1989, p. 112-117). Gattai retoma oassunto na entrevista a mim concedida (Salvador, 15.10.2004).

e o cargo de presidência é cancelado. A constituição de 1952 sanciona a sovietização da Polônia para as próximas quatro décadas.