2 O SISTEMA LITERÁRIO POLONÊS DURANTE O REGIME COMUNISTA
3 A INTRODUÇÃO DE JORGE AMADO NO SISTEMA LITERÁRIO POLONÊS: CAUSAS E MOTIVAÇÕES
3.3 O JORGE AMADO POLONÊS
3.3.3 A literatura de Jorge Amado na Polônia
A obra de Jorge Amado, presente no sistema literário polonês, compreende 17 traduções, entre romances, biografias e diários de viagem, editadas e reeditadas, separadamente ou em conjunto, ao todo, em 26 edições. Entre o ano de 1949 e 1957, são traduzidas 11 obras, editadas e reeditadas em 20 edições. Entre o ano de 1968 e 1993, são traduzidas 6 obras, editadas e reeditadas em 6 edições.
A tabela a seguir apresenta a distribuição das traduções da obra amadiana na Polônia, entre os anos de 1949 e 1993.
Tabela 3. A distribuição das traduções da obra amadiana nos anos de 1949 a 1993
Ano Título em polonês Título em português Tradutores Editora
1949
Kakao
Świt Brazylii (Kakao; Pot) Rycerz Nadziei
Ziemia krwi i przemocy
Cacau
Cacau e Suor
O cavaleiro da esperança Terras do sem fim
Hołyńska; Gruda Hołyńska; Gruda Hołyńska; Gruda Wrzoskowa Czytelnik Czytelnik Czytelnik Czytelnik 1950 Jubiaba
Ziemia złotych płodów Drogi głodu
Albania radosna
Jubiabá
São Jorge dos Ilhéus Seara Vermelha A Albânia é uma festa
Hołyńska; Gruda Wrzoskowa Hołyńska; Gruda Hołyńska; Gruda Czytelnik Czytelnik Czytelnik Czytelnik 1951 Zamarłe morze Rycerz Nadziei Drogi głodu Mar morto O cavaleiro da esperança Seara Vermelha Hołyńska; Gruda Hołyńska; Gruda Hołyńska; Gruda Czytelnik Czytelnik Czytelnik
1952 Świt Brazylii (Kakao; Pot) Cacau e Suor Hołyńska; Gruda Czytelnik
1953
Zamarłe morze
Ziemia krwi i przemocy Ziemia złotych płodów Podziemia wolności
Mar morto
Terras do sem fim São Jorge dos Ilhéus
Os subterrâneos da liberdade Hołyńska; Gruda Wrzoskowa Wrzoskowa Hołyńska; Gruda Czytelnik Czytelnik Czytelnik Czytelnik 1954 Drogi głodu Świat pokoju Seara Vermelha O mundo da paz Hołyńska; Gruda Hołyńska; Gruda Czytelnik PIW
1956 Kakao Cacau Hołyńska; Gruda Czytelnik
1957 Opowieść o Castro Alvesie ABC de Castro Alves Hołyńska; Gruda PIW
1968 Gabriela Gabriela cravo e canela Wrzoskowa KiW
1972
Gabriela
(Starzy marynarze: Podwójna śmierć Kuby Wodowstręta)
Gabriela cravo e canela Os velhos marinheiros: (O capitão de longo curso; Quincas Berro D’água)
Wrzoskowa Wrzoskowa; Gruda
KiW KiW
1975 Pasterze nocy Os pastores da noite Wrzoskowa KiW
1989 Tereza Batista
wojowaniem zmęczona
Teresa Batista cansada de guerra Reis WL
1993 Dona Flor i jej dwóch
mężów
Dona Flor e seus dois maridos Lenczewska WL
Legenda: PIW: Państwowy Instytut Wydawniczy (Instituto Editorial do Estado); KiW: Książka i Wiedza (Livro e Conhecimento) WL: Wydawnictwo Literackie ( Editora Literária)
Nos anos de 1949 a 1957, o leitor polonês tem à sua disposição, no mercado editorial, as seguintes traduções: no ano de 1949, são editados Cacau separadamente, e numa edição conjunta com Suor, O cavaleiro da esperança e Terras do sem fim, ao todo quatro edições. No ano de 1950 são editados Jubiabá, São Jorge dos Ilhéus, Seara Vermelha e A Albânia é uma festa, um capítulo do livro O mundo da paz, ao todo quatro edições. No ano de 1951 são editados Mar morto, O cavaleiro da esperança, Seara vermelha, ao todo três edições. No ano de 1952 é editado, em conjunto, Cacau e Suor. No ano de 1953 são editados Mar morto, Terras do sem fim, São Jorge dos Ilhéus e Os subterrâneos da liberdade, ao todo quatro edições. No ano de 1954 são editados Seara vermelha e O mundo da paz, ao tudo, duas edições. No ano de 1956 é editado Cacau. No ano de 1957 é editado ABC de Castro Alves.
Nos anos de 1968 a 1993, o leitor polonês encontra no mercado editorial as seguintes traduções: no ano de 1968 é editado o romance Gabriela cravo e canela. No ano de 1972 são editados Gabriela cravo e canela, separadamente e, sob o título de Os velhos marinheiros, em conjunto, A morte e a morte de Quincas Berro D’água e A completa verdade sobre as discutidas aventuras do comandante Vasco Mosco de Aragão, capitão de longo curso, ao todo, duas edições. No ano de 1975 é editado Os pastores da noite. No ano de 1989 é editado o romance Tereza Batista cansada de guerra. No ano de 1993, o romance Dona Flor e seus dois maridos é editado.
A tabela 3 ilustra o interesse dos dirigentes do polissistema sociocultural polonês pela tradução da obra de Jorge Amado, no período de 1949 a 1957. Na história do país, este é um momento em que o recém-instalado regime comunista busca a legitimação perante a sociedade polonesa. A importação dos textos de escritores comunistas, entre eles, dos romances de Jorge Amado para o sistema literário polonês, deve reforçar uma visão do mundo que caminha rumo ao comunismo universal.
A ausência das traduções do escritor brasileiro nos anos de 1958 a 1967 corresponde ao período na história do país em que o regime comunista encontra-se firme no poder com o Primeiro Secretário do POUP Władysław Gomułka. Concluindo que o regime não precisa mais de legitimação urgente por parte dos produtores culturais, o chefe do PC polonês decide cortar os subsídios para a cultura.
A tabela 3 apresenta a volta das traduções da obra amadiana nas três décadas que se seguem. Nos anos setenta, no sistema literário polonês, são
introduzidas as traduções da literatura latino-americana por meio da série chamada Prosa ibero-americana. Stanisław Siekierski (1992, p. 268-272) fala de uma clara preferência da política editorial polonesa pela tradução desse tipo de literatura. Em grande número, os autores lançados no quadro da série Prosa ibero-americana passaram pela militância comunista ou simpatizavam com os movimentos esquerdistas. Sendo assim, autores como Amado ou Cortazár (YERRO, 2006) perfazem o perfil do escritor comprometido com a esquerda, disseminado pelos dirigentes do polissistema literário polonês, na época do socialismo real. A moda de ler os autores latino-americanos, lançada pelos leitores profissionais e propagada pela imprensa especializada, foi bem recebida nos meios intelectuais e acadêmicos. A pesquisa da receptividade mostra, porém, que o interesse por este tipo de literatura nunca atingiu um público maior e não conquistou os leitores no meio operário e rural. A série da literatura ibero-americana tratou os autores editados como agentes anônimos que atuam num certo tipo do ambiente cultural, sem aprofundar, entretanto, as especificidades do autor e da cultura. Sobre a literatura ibero-americana falava-se em termos de um fenômeno grupal, sem destaque para as particularidades dos autores apresentados.
Paralelamente aos lançamentos dos livros traduzidos, a imprensa polonesa publica tanto os fragmentos dos romances do autor brasileiro quanto seus romances inteiros em episódios. Esta prática é comum nos anos de 1948 a 1953, quando são publicados 11 fragmentos dos romances amadianos. No período posterior, essas publicações ocorrem três vezes. O romance mais publicado pela imprensa é Terras do sem fim. A primeira publicação do fragmento deste romance se dá no ano de 1948, isto é, um ano antes da publicação do livro (AMADO, 1948, p. 19-20). No periódico literário Kuźnica, a tradutora Maria Borowska traduz o titulo do romance para o polonês como Terra violentada. A tradução do livro de Janina Wrzoskowa chama o mesmo romance de Terra do sangue e da violência, como o romance se torna conhecido para o público leitor. O Terras do sem fim (AMADO, 1949-50) foi publicado em episódios, nos anos 1949-1950 pelo jornal Dziennik Zachodni142. A
última publicação de um fragmento desse romance se dá ainda no ano de 1980. Também os fragmentos de Cacau, Jubiabá, O cavaleiro da Esperança, O mundo da Paz, e Seara Vermelha são publicados pela imprensa. A tradução polonesa de
Cacau é lida, em fragmentos, na radio nacional, no decorrer do ano de 1949, todas as segundas-feiras, a partir do dia 24 de janeiro (KAKAO, 1949, p 4).
No ano de 1962, o jornal Nowiny Rzeszowskie143 publica, em episódios, A
morte e a morte de Quincas Berro D’água na tradução de Eugeniusz Gruda (AMADO, 1962). O conto De como o mulato Porciúncula descarregou seu defunto é publicado no ano de 1975 (AMADO, 1975, p. 78-82) na tradução de Halina Czajka.
A publicação dos fragmentos dos romances amadianos na imprensa nacional e nos meios de comunicação regionais, no período do stalinismo, visava despertar o interesse do público polonês pela obra do escritor brasileiro, e pode ser considerada uma estratégia de marketing. O fato de que esta prática diminui drasticamente depois do ano de 1953, demonstra que o regime manipula o gosto do público leitor na medida de seus interesses. A publicação dos fragmentos da obra do escritor brasileiro prepara o lançamento dos livros traduzidos.
Como visto neste capítulo, a tradução é manipulada com os fins políticos desde o início do regime comunista. Nesta época, Jorge Amado é introduzido no sistema literário polonês. As biografias do romancista brasileiro e as notícias a seu respeito, veiculadas na imprensa na época, são fortemente deformadas a fim de adequar o perfil de Amado às exigências do sistema político. Também, os textos de publicística de sua autoria reforçam o ideal de um escritor comunista comprometido com as diretrizes do PC. O retrato de um intelectual de origens humildes, que com seu trabalho consegue a promoção na sociedade e que luta pela causa operária e pela paz no mundo é a quintessência da ascensão social na Polônia marxista. As notícias veiculadas nos periódicos poloneses enquadram a obra de Jorge Amado dentro dos moldes do realismo e do realismo socialista. A categoria do exotismo, quando associada aos escritos amadianos, permanece subordinada aos imperativos do socrealismo.
As convicções políticas que o próprio Jorge Amado divulga amplamente nos seus escritos e demonstra efetivamente na sua ação junto ao PC e na luta no Movimento pela Paz identificam o escritor brasileiro com o mega-sistema sociocultural soviético. A presença do autor baiano na condição de exilado político
na Tchecoslováquia, suas viagens pelas Democracias Populares e uma rede de relações de amizade com os dirigentes da vida política e cultural dos países do bloco comunista colaboram para seu sucesso como escritor, junto ao público leitor. A posição do escritor militante de destaque, construída por Jorge Amado na URSS e nos países socialistas, garante, também, seu lugar central no subsistema da literatura traduzida do polissistema literário polonês.
Segundo o pesquisador Stanisław Burkot, desde a época do degelo, “a tradução começa a fornecer novas soluções formais e novos recursos de composição, que acabam operando mudanças no sistema literário polonês” (BURKOT, 1984, p. 66). Com o interesse pela literatura ibero-americana no sistema mundial de literatura, entram no sistema literário polonês as traduções das obras latino-americanas. Nesta ocasião, Jorge Amado recomeça a ser traduzido e editado na Polônia, com a fama de autor, cujas traduções anteriores tinham antecipado o boom da literatura ibero-americana na Europa. Nesta época, o número de textos sobre o escritor brasileiro diminui drasticamente na imprensa polonesa. Também se transforma a relação entre a mídia polonesa e o escritor brasileiro que, desde o ano de 1952, está de volta ao Brasil. O material sobre o autor baiano chega para o leitor polonês, na maioria das vezes, por meio das traduções de matérias das revistas européias ou brasileiras. Os periódicos poloneses que informam sobre as atividades de Jorge Amado abrem-se para os valores regionais do exotismo e do sensualismo baiano. A imprensa polonesa, porém, sempre associa a pessoa de Jorge Amado à militância comunista e à luta pelas causas do povo.
O presente capítulo deste trabalho tratou da introdução do escritor brasileiro no subsistema de literatura traduzida do sistema literário polonês. O quarto capítulo seguirá com a análise macro-estrutural das traduções polonesas das obras de Jorge Amado.
4 JORGE AMADO NO SUBSISTEMA DA LITERATURA TRADUZIDA POLONÊS: