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ERGONOMIA: COMPREENDENDO A COMPLEXIDADE DAS SITUAÇÕES DO TRABALHO DOCENTE

3.4. A atividade: dimensão intrínseca ao sujeito profissional

A atividade do trabalho é uma atividade humana determinada pelas condições pessoais e sociais. É o profissional em movimento, construindo procedimentos e estratégias para realizar seu trabalho. Sem atividade não há trabalho.

Para Guérin et al. (2001), a atividade está condicionada pela dimensão pessoal, que traz toda a carga de conhecimentos profissionais, culturais e sociais adquiridos pelo sujeito ao longo de sua existência. A atividade é sempre única, independentemente do tipo de trabalho que o profissional realiza: pode estar ele prestando um serviço, ou construindo objetos em uma linha de montagem.

[...] mesmo na produção em massa, os objetos padronizados que se fabricam só são idênticos em aparência. Pelo trabalho humano nele investido, trazem o traço pessoal, mesmo ínfimo, daquele que os realizou. Este traço pode ter a ver com um conjunto de conhecimento específicos, modos particulares de utilização das máquinas e ferramentas (GUÉRIN et.al., 2001, p. 18).

Assim, o resultado da atividade é uma “obra pessoal”. Quanto maior a possibilidade de variabilidade das situações de trabalho, como em uma escola, maiores as marcas da atividade do sujeito ou a importância dos meios e de como o profissional se utiliza deles para atender às tarefas prescritas.

“A atividade de trabalho faz parte de uma constelação de atividades pessoais em intersignificação, mas recusa-se aqui que ela seja tão somente uma atividade entre outras” (COLT, 2007, p.95). Por maior que seja a subjetividade existente na realização de uma atividade dirigida, ainda que ela seja única, seu tipo ou gênero já existem como previsão do trabalho profissional. Existe, segundo Clot (2007, p. 95), uma dinâmica no trabalho que é impessoal, e é no esforço de prevalecer sua existência e subjetividade que o profissional recria a atividade de acordo com suas características pessoais e profissionais e, então ele compõe o que podemos chamar de atividade.

A atividade de trabalho não se dá em qualquer espaço ou lugar, mas em um contexto apropriado para cada tipo de trabalho profissional. Trabalhar, neste sentido, é enfrentar situações criadas independentemente do sujeito. É enfrentar e transformar em atividades o que está prescrito; o que organiza e estrutura o espaço de trabalho nas instituições, na instituição escola, nas indústrias e empresas como um todo, etc..

A tarefa fixa, na maioria das vezes, os compromissos firmados entre os projetistas e os gestores no tocante às representações que eles fazem do real” e dos trabalhadores.

A existência de um trabalho de prescrição existe para testemunhar que entre projetistas e operadores a troca que existe tem sem dúvida por objeto o trabalho, realizando-se por meio de subordinações sociais. (CLOT, 2007, p.95).

O objeto do trabalho em cada profissão é acessado por esta memória das experiências: é uma “espécie de pré-trabalho usável em todo trabalho futuro” (CLOT, 2007, p. 95). Entendemos que a atividade profissional não acontece ao acaso, ela preexiste em um repertório de experiências que constituem um campo profissional, o que permite a formação de profissionais e a sua atuação.

Não queremos dizer com isso, tampouco os autores que vimos até utilizando, que a atuação profissional se reduz a uma aplicação de técnicas e procedimentos existentes a priori. O conceito de atividade aqui utilizado, por si só, refuta esta idéia. Existem, sim, domínios em campos de conhecimentos teóricos e práticos que são predisposição para o trabalho profissional. A definição de objetivos é uma condição à existência de qualquer instituição, assim como a previsão dos meios e recursos necessários para alcançá-los.

Em uma situação de trabalho, a atividade é triplamente dirigida: pelo sujeito (por seu comportamento), para o objeto (por meio do objeto da tarefa) e para a atividade dos outros. “Ela é sempre resposta à atividade dos outros, eco de outras atividades. Ocorre numa corrente de atividades de que constitui um elo” (CLOT, 2007, p.97).

Estas características da atividade a tornam um elemento integrador, organizador e estruturador das situações de trabalho. Para Guérin et. al., a atividade é

[...] uma resposta aos constrangimentos determinados exteriormente ao trabalhador, e ao mesmo tempo é capaz de transformá-los. Estabelece, portanto, pela sua própria realização, uma interdependência e uma interação estreita entre esses componentes. Ela unifica a situação. As dimensões técnicas, econômicas, sociais do trabalho só existem efetivamente em função da atividade que as põe em ação e as organiza. (Guérin et.al.,2001, p.26).

Na figura 03, na página seguinte, apresentamos um esquema em que procuramos representar possíveis relações entre alguns desses diversos aspectos, no condicionamento do trabalho realizado. Assim, a função desse esquema é ressaltar os diferentes elementos que se integram em uma atividade de trabalho

docente. Em síntese, as fontes dos condicionantes principais da atividade de cada professor, a saber:

• A Rede Escolar Pública Municipal de Santa Maria, representada pela Secretaria Municipal de Educação e suas diversas instâncias, como órgão principal, proponente indutor (na medida em que existem o Conselho Municipal de Educação e outras entidades, como o Sindicato dos Professores Municipais) e executor das políticas educativas na esfera municipal, e responsável último pelas formas de contratação dos professores e demais trabalhadores dessa Rede;

• A Escola (Unidade Escolar), como uma instituição pertencente e integrante da Rede Escolar, a qual tem, entre outras funções, a função de equilibrar as prescrições da rede com as demandas e necessidades do seu contexto específico (local de inserção social, conjunto de alunos, conjunto de professores, etc...);

• O próprio professor, ou seja, suas características pessoais e profissionais.

Figura 2 – Representação das relações entre alguns dos aspectos condicionantes da atividade de trabalho docente

Características Pessoais Formação Profissional Experiência Profissional Estado emocional momentâneo Saberes profissionais constituídos O Professor

Contrato

Tarefas / prescrições Atividade de trabalho Objetivos Institucionais Proposta Pedagógica Gestão Escolar Recursos Contexto Social Organização dos tempos e espaços Colegas de trabalho Os alunos A comunidade escolar TRABALHO REALIZADO

Sistema de Ensino

Políticas Educativas A Escola

Como observamos na figura 03, podemos listar alguns aspectos condicionantes da atividade relacionados às características pessoais e profissionais dos professores, bem com relacionados às características do contexto de trabalho que dizem respeito à rede escolar, à escola e à sociedade. No caso da análise da atividade de trabalho docente em contextos educacionais, também é importante considerar as demandas sociais colocadas para a escola, bem como a influência (participações e interferências negativas) dos alunos e dos pais.

Um possível desdobramento dos aspectos pessoais e profissionais pode resultar na relação abaixo.

1. Gênero (sexo); 2. Idade;

3. Tempo de atuação na profissão (ciclo de vida dos professores); 4. Tempo de atuação na escola;

5. Ritmo de trabalho;

6. Carga horária de trabalho; 7. Jornadas de trabalho;

8. Estado de saúde física e mental; 9. Formação inicial;

10. Experiência profissional; 11. Investimento na carreira; 12. Saberes profissionais; 13. Condição social;

Como possível desdobramento das aspectos característicos do contexto escolar, podemos listar alguns conjuntos e desmembrá-los em tantos aspectos que estão associados à situação na qual os professores exercem suas atividades. Neste estudo, não definimos uma situação a priori. Procuramos compreender as situações que compõem o trabalho dos professores e, dentre estas, identificar aquelas de maior importância segundo a descrição e explicação dos próprios professores.

Em um primeiro momento, podemos organizar os aspectos característicos do contexto educacional em dois grandes grupos: aqueles relacionados à rede escolar e aqueles relacionados à escola.

Com relação à rede escolar, priorizamos analisar aspectos relacionados à carreira docente dos professores, a saber:

1. As formas de seleção dos professores; 2. As formas de contratação dos professores;

3. A organização do plano de lotação da escola (demonstrativo da carga horária dos professores);

4. As políticas públicas vigentes; 5. A legislação vigente;

Com relação à escola, organizamos as informações da seguinte maneira:

1. Objetivos institucionais;

2. Projeto Político-Pedagógico da Escola;

3. Formas de organização do trabalho escolar – gestão escolar (tempos, espaços e funções);

4. Recursos financeiros; 5. Estrutura física;

6. Organização dos tempos e espaços escolares; 7. Colegas de trabalho;

8. Contexto Social; 9. Os alunos;

10. Os pais dos alunos; 11. A comunidade escolar; 12. A sociedade;

Lembramos que estes aspectos são aqueles determinantes da atividade do trabalho dos professores. Com o decorrer das análises, da identificação das tarefas e das atividades de trabalhos, poderemos localizar outros de importância igual ou superior.

Doravante, discorreremos sobre a metodologia para a análise das atividades de trabalho dos professores. Iniciamos esta etapa lembrando a dificuldade anunciada por diversos autores (CLOT, 2007; LAVILLE, 2004; GUÉRIN et. al, 2001; dentre outros) a esta tarefa na pesquisa. Para nós, é um desafio, tendo em vista o

pouco tempo de aproximação à temática. Contudo, é uma necessidade, sobretudo pelas contribuições que a análise ergonômica pode trazer à compreensão do trabalho docente.

Clot (2007) propõe como metodologia para a análise da atividade de trabalho o que chamou de “Clínica da Atividade”. Este procedimento de pesquisa, na verdade de análise, tem como princípio básico a reconstrução da situação de trabalho por meio da explicação do sujeito que a executou. O sujeito que executa a atividade torna-se, nesta proposta, o seu principal observador e posteriormente o co-autor dos dados a serem analisados.

“A análise do trabalho é inseparável da transformação deste último, uma vez que faz existir de outra maneira, em seu próprio sistema de referência aquilo que existia antes dela, no sistema de referência dos atores” (CLOT, 2007, p.132). O sujeito da atividade, ao pensar sobre ela, busca argumentos para explicá-la e ampliar seu conhecimento inicial.

O sentido dado à situação analisada não existe “pré-constituído, nem decretado pelo pesquisador, o sentido das situações analisadas surge na relação entre uma situação dada e uma outra situação” (CLOT, 2007, p.130).

Para construir um caminho que explique a situação, necessariamente, o sujeito precisa remeter seu pensamento ao real e recriar os objetos e os fenômenos ao falar deles. Desta forma, analisaremos as atividades a partir da reconstituição das situações de trabalho pelos sujeitos.

3.5. Um esquema para análise do trabalho docente em Escolas de Educação