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TRABALHO DOCENTE COMO FOCO DE INVESTIGAÇÃO

2.2. Pesquisa sobre Trabalho Docente no Brasil

O trabalho docente (TD), como foco de pesquisa, vem passando, nas últimas décadas por um processo de crescimento intenso. Uma rápida olhada em eventos da área educacional, como no Banco de Dados de Teses e Dissertações da CAPES deixa evidente que esta temática está consolidada na agenda da pesquisa de programas de pós-graduação em todo o país.

Além desta constatação, também fica evidente a ampliação dos aportes teóricos utilizados à compreensão do trabalho dos professores. Isso, ao mesmo tempo em que coloca o trabalho docente em destaque, também pode se tornar uma dificuldade para a consolidação de aportes que possam sinalizar parâmetros às políticas públicas, bem como à inserção de inovações nas formas de organização e desenvolvimento do trabalho escolar.

Uma das preocupações trazidas por essas pesquisas são os diferentes termos e expressões empregadas como sinônimos de trabalho docente, a saber: prática educativa, prática docente/atividade docente, prática pedagógica/prática didática, profissão docente, trabalho didático. Entendemos que estes termos precisam ser discutidos e esclarecidos do ponto de vista teórico, pois podem estar ocultando a complexidade que deve ser considerada ao tratar o trabalho docente do ponto de vista teórico e prático, assim como distorcendo seus significados.

Se adotarmos como sinônimos “trabalho docente” e “prática pedagógica” acabamos reduzindo o primeiro às atividades referentes ao ensino e à aprendizagem, excluindo as outras dimensões que não se efetivam nas práticas pedagógicas, mas em outras tarefas, atividades e ações que compõem o trabalho escolar e os sistemas de ensino de uma maneira geral.

Já expressamos em outros momentos que entendemos as práticas pedagógicas como parte integrante do trabalho docente, contudo estas não abarcam sua complexidade. Existe muito mais para ser feito pelos docentes no exercício de sua profissão.

Para ilustramos esta idéia, podemos nos questionar sobre o trabalho realizado pelos professores que não se encontram em escolas e exercem funções tanto de natureza administrativa como de natureza pedagógica, como, por exemplo: nas Secretarias de Educação. Será que eles deixam de ser docentes e passam a exercer outra profissão? Em nosso entendimento, as ações realizadas pelos professores nestes setores são próprias do trabalho docente e suas realizações dependem de conhecimentos profissionais próprios da docência.

Há que se salientar que, as ações de natureza pedagógica desempenhadas nas secretarias não estão diretamente relacionadas ao ensino e a aprendizagem do ponto de vista operacional, mas existem com a finalidade de criar condições políticas e estruturais para que tais práticas se efetivem nos contextos escolares.

Os docentes que desempenham funções nas secretarias assumem a responsabilidade de propiciar condições para o trabalho escolar e o trabalho dos professores. Esse afastamento espaço-temporal da escola e da sala de aula não caracteriza uma mudança de profissão, ao contrário, ressalta e evidencia a amplitude das possibilidades de atuação para os professores e a complexidade que subjaz aos estudos sobre o trabalho docente.

Logo, o uso desta variada terminologia sem o devido esclarecimento e conceituação pode imputar significados ao trabalho docente que descaracterizem sua complexidade, causando assim um reducionismo em seu sentido. Esta redução pode impedir avanços na profissionalização e valorização da carreira docente perante as políticas educativas e a sociedade.

Se acreditarmos que o trabalho docente se limita a dar aula é aceitável que a carga horária de trabalho fique distribuída em horas para planejamento e horas de sala de aula, sem que se pense na necessidade de prever tempos, espaços e recursos para atividades distintas dessas duas.

Uma vez reduzindo o trabalho dos professores a uma fração do seu todo estamos concordando com as políticas educativas que insistem em considerar o professor como um profissional que trabalha apenas quando está em sala de aula ou organizando o trabalho que realizará frente aos alunos.

Neste sentido, evidencia-se a necessidade de compreendermos como as produções atuais vêm tratando estas questões e quais avanços podem ser identificados em relação à conceituação do trabalho docente.

Para isso, realizamos buscamos em diferentes fontes informações que nos possibilitassem compor um quadro descritivo-analítico da pesquisa sobre o trabalho docente no país. Transitamos nos eventos da REDESTRADO10, em projetos de pesquisa desenvolvidos nas últimas três décadas e em trabalhos acadêmico- científicos publicados em anais de um evento importante na área da educação.

É notória a preocupação de vários autores com o trabalho docente como objeto de pesquisa. Encontramos nos estudos de Magalhães e Alvez-Mazzotti (2009) uma revisão de literatura em que localizam diversos autores, nacionais e estrangeiros, com seus respectivos interesses de pesquisa sobre o Trabalho Docente. Nesta sistematização as autoras destacam:

Marin; Sampaio (2004), por exemplo, analisam as atuais políticas de formação docente e destacam fatores que propiciam a precarização e a desvalorização do trabalho docente; Carrolo (1997), Ludke; Boing (2004) e Sarti; Bueno (1997) focalizam o desprestigio social sofrido pelos professores ao longo do tempo; Alves-Mazzotti (2006), Freitas (2002) e Tardif; Lessard (2007) registram o acúmulo de atividade, agravado muitas vezes pela dupla jornada de trabalho, como um dos aspectos que contribuem para a desmotivação com o trabalho e que precipita o abandono da profissão; Esteve (1995) e Cordie (2003) enfatizam o mal estar docente, caracterizado pelo sofrimento psíquico e esgotamento físico dos professores causados pelas deficiências nas condições de trabalho (MAGALHÃES; ALVES- MAZZOTTI, 2009, p.14)

Percebe-se, no levantamento destas autoras, que os estudos sobre o trabalho docente têm se intensificado e concentrado nas últimas duas décadas. Para também percorrermos estas produções e compreendermos com mais profundidade sua situação no Brasil, apresentaremos a seguir alguns resultados construídos a partir de levantamentos que realizamos em diferentes espaços de divulgação de trabalho acadêmico-científico.

10

A Rede Latinoamericana de Estudos Sobre Trabalho Docente REDESTRADO foi fundada em 1999 no Rio de Janeiro (Brasil) em reunião do Grupo de Trabalho do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais - CLACSO “Educação, trabalho e exclusão social”. Sua criação foi decorrente da consolidação do campo de estudos sobre o trabalho docente a partir de diferentes perspectivas e disciplinas, realizados por inúmeros pesquisadores latinoamericanos vinculados à pesquisas em diversas instituições, principalmente universidades e sindicatos. Informações coletadas no http://www.redeestrado.org/web/inicio.php?idioma=port, Acessado em 10 de novembro de 2011.

Começamos por um olhar sobre os eventos da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Trabalho Docente - REDESTRADO que vem representando um importante meio de divulgação, publicação e sistematização das produções sobre trabalho docente realizadas em diferentes países. Chama-nos atenção, sobretudo, por ter uma representatividade indiscutível de Grupos de Pesquisa e pesquisadores brasileiros cadastrados nesta rede, com a efetiva participação nos eventos realizados a cada dois anos.

Não pretendemos fazer uma recuperação do processo de consolidação da REDESTRADO ao longo de sua existência, mas rebuscarmos informações disponibilizadas em alguns sites que nos ajudam a compreender como o Trabalho Docente vem se constituindo como objeto de pesquisa no campo educacional.

Em um primeiro momento, tivemos a intenção de coletar informações sobre todos os Seminários organizados pela REDESTRADO de forma que conseguíssemos compor um quadro descritivo-analítico da pesquisa sobre esta temática desde a sua criação, em 1999. Contudo, tivemos que nos concentrar nos três últimos eventos, tendo em vista a dificuldade encontrada em obter informações sobre os eventos anteriores, assim como também de conseguirmos acessar os textos dos trabalhos publicados nos anais e atas. O próprio site11 da rede disponibiliza informações apenas sobre os VI, VII e VIII seminários da REDESTRADO, isso limitou nossas possibilidades de análises. Assim, utilizamos as poucas informações como forma de contextualizar a pesquisa e conhecer este importante espaço de divulgação sobre o trabalho docente.

Analisando as informações de cada um dos eventos, chamou-nos atenção o número crescente de eixos temáticos aglutinadores da produção. O VI Seminário da REDESTRADO realizado em novembro de 2006, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, comportou trabalhos aprovados em quatro eixos temáticos, a saber:

1. Políticas educativas na América Latina: conseqüências sobre a formação e o trabalho docente;

2. Saúde e trabalho docente;

3. Metodologia nas pesquisas sobre trabalho docente;

4. Condição docente: profissionalismo e sindicalismo.

No total, foram submetidos 102 trabalhos, sendo 73 aceitos para apresentação.

O VII Seminário REDESTRADO realizado em Buenos Aires/Argentina, em Julho de 2008, apresentou uma ampliação dos eixos temáticos necessários para agrupar os trabalhos submetidos e aprovados, como podemos ver:

1. Trabalho docente: natureza, processos, relações e condições de trabalho; 2. Formação docente: políticas, processos;

3. Trabalho docente na educação superior: tensões e novos sentidos; 4. Saúde e trabalho docente;

5. Organização do trabalho e sindicalismo docente;

6. As pesquisas sobre trabalho e profissão docente: debates teóricos e aspectos metodológicos;

7. Políticas educativas e trabalho docente.

Neste evento, foram submetidos mais de 600 resumos, dos quais 365, distribuídos nos eixos acima, foram aprovados e apresentados.

O VIII Seminário REDESTRADO, realizado em Lima, Peru, em Julho de 2010, apresentou um conjunto de dez eixos temáticos para comportar a diversidade de focos das pesquisas sobre o trabalho docente, como podemos ver:

1. Natureza, Processos e condições de trabalho docente; 2. Regulações da carreira docente;

3. Políticas educativas e trabalho docente; 4. Formação docente: políticas e processos; 5. Os docentes nas políticas de avaliação;

6. Organização do trabalho e sindicalismo docente; 7. Saúde e trabalho docente;

8. Trabalho docente na Universidade;

9. Debates teóricos e metodológicos nas investigações sobre trabalho docente; 10. Condição docente e relações de gênero.

Este evento obteve a submissão de 360 trabalhos, destes 256 foram aprovados para apresentação e publicação.

1. Natureza, processos e condições de trabalho docente; 2. Regulações da carreira docente;

3. Políticas educativas e trabalho docente; 4. Formação docente: políticas e processos; 5. Os docentes nas políticas de avaliação;

6. Organização do trabalho e sindicalismo docente; 7. Saúde e trabalho docente;

8. Trabalho docente na universidade;

9. Debates teóricos e metodológicos nas investigações sobre trabalho docente; 10. Condição docente e relações de gênero;

11. Trabalho docente e diversidade cultural; e outros.

A existência desses eixos e de sua ampliação ao longo dos anos demonstra, tanto o crescimento desta temática como foco das pesquisas, como o desafio que passa a existir para sua constituição como objeto de pesquisa. Em nosso entendimento, esse aumento pode ser decorrente de duas situações distintas entre, mas implicadas entre si. A primeira é o fato de o trabalho docente vir despertando, ao longo dos anos, o interesse da pesquisa acadêmica e estar sendo reconhecido como um objeto chave para a compreensão da problemática da educação brasileira, o que é legitimo e indiscutível.

A segunda situação requer um olhar mais cuidadoso, pois podemos estar caminhando, assim como ocorreu em outras temáticas de estudo no campo educacional, para a difícil tarefa de definir o que é seu núcleo de interesse, dada a existência da variedade de temáticas associadas ao seu estudo, sem que se possa definir ou vislumbrar um eixo aglutinador.

Esta discussão se enriquece quando rebuscamos as informações trazidas por Duarte, a partir de uma pesquisa no Banco de Teses e Dissertações da Capes, no período de 1987 a 2007, com o objetivo de “sistematizar a produção acadêmica sobre o trabalho docente na Educação Básica no Brasil, a fim de verificar o conjunto de informações e resultados já obtidos” (DUARTE, 2010, p. 3). O levantamento utilizou, inicialmente, como descritor a expressão “Trabalho Docente”, ampliando os descritores para termos “sinônimos, mais usualmente utilizados em artigos acadêmicos publicados sobre o trabalho docente, como: profissão docente,

profissão de professor, atividade docente, carreira docente, ofício de professor, condição docente e magistério” (DUARTE, 2010, p.3 – grifo nosso).

Nesse estudo, Duarte conseguiu agrupar os 467 trabalhos encontrados em treze eixos temáticos:

1. Natureza e Processo de Trabalho; 2. Condições e Relações de Trabalho; 3. Identidade e Trabalho Docente; 4. Representações, Sentidos e Significados sobre o Trabalho Docente; 5. Perfil de Professor; 6. Gênero e Trabalho Docente; 7. Formação Docente; 8. Novas Tecnologias e Trabalho Docente; 9. Saúde e Mal-Estar Docente; 10. Saber e Práticas Docentes; 11. Aspectos Teórico-Históricos do Trabalho Docente; 12. Impactos das Reformas Educacionais sobre o Trabalho Docente; 13. Sindicalismo/Resistência e Trabalho Docente (DUARTE, 2010, p.4).

Estabelecendo uma rápida relação entre os resultados da pesquisa de Duarte com as informações obtidas nos eventos da REDESTRADO percebe-se que as temáticas associadas às pesquisas sobre trabalho docente continuam a se ampliar, como se pode ver no quadro 01. Contudo, ainda não temos estudos que esclareçam e apresentem quadros-sínteses de como estas temáticas se organizam com base em aportes teórico-conceituais para a compreensão do trabalho docente.

Quadro 1 – Demonstrativo dos eixos temáticos que comportam estudos e pesquisas sobre trabalho docente

N.