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TRABALHO DOCENTE COMO FOCO DE INVESTIGAÇÃO

2.1. Autonomia no Trabalho Docente

2.1.2. Modelos de docência na contemporaneidade

2.1.2.1. O professor como profissional técnico

Na década de 1970, mais precisamente na sua primeira metade, a educação sofreu grande impacto dos conhecimentos produzidos no campo da psicologia comportamental e da tecnologia educacional. A ênfase era a formação técnica, tanto dos professores como dos especialistas em educação, afetando diretamente a prática docente, que foi resumida à definição de objetivos, seleção de conteúdos, estratégias de ensino e avaliação.

O professor, neste período, era formado para fazer uso de técnicas predefinidas e devidamente ajustadas a um determinado fim que lhe permitissem rigor no planejamento de ensino, no sentido de prever, desenvolver e concluir os processos de ensino e aprendizagem tal como o planejamento prescrevesse.

A idéia básica do modelo da racionalidade técnica é que a prática profissional consiste na solução instrumental de problemas mediante a aplicação de um conhecimento teórico e técnico, previamente disponível, que procede a pesquisa científica. É instrumental porque supõe a aplicação de técnicas e procedimentos que se justificam por sua capacidade para conseguir os efeitos ou resultados desejados (CONTRERAS, 2002, p. 91).

Com base neste modelo, acredita-se que os problemas existentes no trabalho docente são basicamente instrumentais, cuja solução está na aplicação direta de uma técnica ou de uma teoria. Porém, esses problemas “tendem a se apresentar em forma de estruturas caóticas e indeterminadas” (SCHÖN, 2000, p. 16) que podem apresentar diferentes maneiras de resolvê-los, de acordo com “os antecedentes disciplinares, papéis organizacionais, histórias passadas, interesses e perspectivas econômicas e políticas” (SCHÖN, 2000, p. 16).

Os processos de formação profissional, neste caso, buscam garantir conhecimentos de uma ciência aplicada que viabilize a “análise e diagnóstico de problemas para o seu tratamento e solução” (CONTRERAS, 2000, p. 91), desconsiderando que o trabalho profissional está sempre relacionado às práticas do mundo real, articuladoras de aspectos de diversas ordens, pois é uma produção humana.

Existe segundo esta concepção, uma ordem de dependência direta entre a atuação e os conhecimentos. Os conhecimentos teóricos, nesta lógica, e os recursos técnicos existem previamente e são produzidos fora dos espaços de trabalho. Podemos dizer que, esta concepção ainda está fortemente presente nas formas de organização e desenvolvimento do trabalho escolar e do trabalho docente. Ela influencia, fortemente, os processos de formação inicial e de desenvolvimento profissional em serviço marcando-os com a idéia de que o conhecimento prático é aprendido a posteriori dos conhecimentos teóricos e a prática é o momento de aplicação das teorias.

Em nosso entendimento, esta situação representa um dos principais entraves à assunção da autoria dos professores sobre os próprios trabalhos e ainda existem mecanismos viáveis e eficazes para sua superação.

Percebemos na opinião de professores e gestores a existência da ideia preponderante de que a produção de conhecimento tem sentido de unilateralidade, ou seja:

Apenas as Universidades são concebidas como locais próprios para a produção de conhecimento pedagógico. As Escolas parecem sempre esperar subsídios para a melhoria da prática pedagógica de seus professores, entre outros aspectos, por meio do repasse dos conhecimentos que são produzidos nas Universidades. Mais ainda, que estas lhes digam como proceder para atingir esta melhoria (TERRAZAN; SANTOS; LISOVSKI, 2005, p.15)

Para a racionalidade técnica, existe supremacia dos conhecimentos teóricos sobre os conhecimentos práticos. Na escola, esta compreensão vem ditando regras importantes na organização escolar e no trabalho escolar, colocando os professores como sujeitos executores de práticas elaboradas por especialistas externos à escola e aos sistemas de ensino. O trabalho do professor, nestes casos, reduz-se ao ensino, não como objetivo final, mas como o momento da aplicação das técnicas e procedimentos construídos oportunamente por especialistas entendidos em aprendizagem.

Esta idéia, quando sustenta a organização da educação em suas diferentes instâncias, desconsidera o trabalho docente como uma prática social situada, cujas decisões sobre ela não dependem apenas da vontade dos professores de forma isolada. Desconsidera que, estes mesmos professores deveriam ser valorizados pelas suas capacidades de identificar e relacionar os diferentes aspectos condicionantes de seu trabalho e entender como estes medeiam sua atividade profissional e outorgam limites e possibilidades às formas de organização do contexto escolar.

Uma postura profissional condizente com esta idéia depende de alguns elementos básicos que são a capacidade de refletir, de analisar e de investigar suas atividades de trabalho, bem como conseguir analisar e investigar as formas de organização e funcionamento da escola. A reflexão, a análise e a investigação são condições que precedem a proposição de novas maneiras de construção do espaço escolar e da identificação das condições estruturais, físicas e intelectuais.

Fica cada vez mais evidente que não basta o professor saber criar boas situações de aprendizagem como um especialista no ensino. O ensino é uma “prática social cuja realização não depende só das decisões tomadas pelos docentes em suas salas de aula, mas de contextos mais amplos de influência e determinação” (CONTRERAS, 2000, p. 84) em que se inserem as políticas educacionais, as normativas, a formação profissional, as formas de gestão escolar, as relações pessoais e profissionais, dentre outros aspectos que devem os professores conhecer, analisar e articular para compreender como condicionam suas atividades profissionais.

Queremos dizer que o ensino se configura em um componente sem o qual a docência não existe. Mesmo quando os professores assumem exclusivamente atividades administrativas em uma escola, afastados da sala de aula, eles, ainda assim, trabalham para o ensino, para que este se realize da melhor maneira possível. O ensino, desta forma, é o grande objetivo do trabalho docente como também uma de suas atividades.

Existem outras atividades profissionais indispensáveis na atuação do profissional da educação, como a participação em processos de formação continuada em serviço, que é um componente importante, ao qual deve ser reservada parte da carga horária do trabalho dos professores. Estando os

professores vinculados a um projeto de desenvolvimento institucional da escola em que trabalham podem buscar conhecimentos sobre a legislação educacional, a administração, a gestão escolar, a formação dos professores, as questões sociais que envolvem a escola, etc., que não tratam diretamente do ensino, mas são indispensáveis ao entendimento da organização da escola como um espaço propício a esta prática social.

Este ponto requer maiores esclarecimentos de nossa parte, uma vez que o ensino e a aprendizagem sempre se fazem presentes na escola e acontecem em consonância com as condições existentes. Quando insistimos no fato de que a escola deve ser um espaço propício ao ensino e à aprendizagem estamos nos referindo a uma formação cidadã e à socialização dos alunos, a um ensino que crie situações que possam levar os alunos a aprender a ler o mundo, a interpretar os fenômenos sociais e naturais, posicionarem-se e atuar de forma crítica e transformadora em seus espaços sociais.

A discussão sobre o professor como profissional técnico remete, necessariamente, à busca de outros modelos que considerem à ampliação da capacidade dos professores no enfrentamento da imprevisibilidade inerente às situações de trabalho. Neste sentido, Contreras (2000) discute, apoiado em Donald Schön, os aportes teóricos sobre o profissional reflexivo que têm em seu cerne a superação do modelo técnico descrito anteriormente e que nos trazem fortes elementos para analisar o trabalho docente na forma como se constitui atualmente nas Escolas de Educação Básica. Este modelo, apesar de contribuir para superar o modelo técnico, não está isento das críticas e da identificação de suas limitações à atuação dos professores.

Seguiremos a discussão insistindo nas interpretações de Contreras (2000), que se apresentam impregnadas do pensamento de outros autores. Buscaremos, também, diretamente nos originais, os fundamentos para esta reflexão.