• Nenhum resultado encontrado

O Pesquisas sobre Trabalho Docente: um olhar sobre as últimas produções do ENDIPE

TRABALHO DOCENTE COMO FOCO DE INVESTIGAÇÃO

11 Debates teóricos

12. Trabalho docente

2.2.2. O Pesquisas sobre Trabalho Docente: um olhar sobre as últimas produções do ENDIPE

Os levantamentos que realizamos, cujos resultados discutimos até este ponto, impuseram-nos como limites o fato de não termos acessado os textos originais e identificado as características teóricas e metodológicas acerca das produções. Não foi possível analisarmos os aportes teórico-conceituais e teórico-metodológicos e mesmo nos familiarizarmos com as concepções e representações de trabalho docente norteadoras das pesquisas.

Como forma de esclarecermos as dúvidas suscitadas até este ponto, propomo-nos realizar uma análise mais aprofundada em uma amostra representativa de textos acadêmico-científicos sobre o trabalho docente.

Primeiramente, tentamos compor um acervo dos textos completos das teses e dissertações disponibilizadas no Banco de Dados da Capes. Não obtivemos sucesso neste procedimento em razão da dificuldade de localizar os textos na integra. Pois, assim como já anunciava Duarte (2010) as informações contidas no formulário disponibilizado sobre cada trabalho impõem limites muito estreitos para se compreender a realização das pesquisas. Propusemo-nos, então, fazer uma caracterização analítica de trabalhos apresentados e/ou publicados em eventos acadêmico-científicos. Nossa intenção foi constituir o embrião de uma base de consulta com informações organizadas e analisadas que possam ser utilizadas tanto pelos os sistemas de ensino, quanto pelos grupos de pesquisa dedicados à compreensão e teorização sobre o trabalho dos professores, tendo em vista a necessidade de adequação e viabilização de suas políticas de organização e regulação sobre os profissionais docentes.

Em função do objetivo proposto e de estarmos cientes da impossibilidade, neste momento e nesta pesquisa de abrangermos a totalidade das produções sobre Trabalho Docente no Brasil, adotamos como fontes os trabalhos apresentados no Eixo Temático “Trabalho Docente” do XV Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino - ENDIPE.

Conforme já anunciamos, temos o intuito de compreender como a pesquisa se engendra sobre o Trabalho Docente e possibilita a consolidação de conhecimento acerca desta temática. Para isso, analisamos os trabalhos completos publicados na modalidade painel, nos anais do XV ENDIPE, realizado no ano de 2010, na UFMG, em Belo Horizonte/MG, no Eixo Trabalho Docente. Esta amostra foi definida a partir dos seguintes critérios:

1. O XV ENDIPE foi o primeiro desses eventos a compor um eixo temático denominado trabalho docente. Isto chamou nossa atenção para compreendermos as tendências que têm levando esta temática a se constituir como eixo estruturador de conhecimentos em espaços de pesquisa;

2. O volume expressivo de trabalhos publicados nos anais deste evento: um total de 157 trabalhos no eixo Trabalho Docente;

3. A relevância e visibilidade que um evento como este possui, apesar de impor limites às nossas análises, mostraram-nos que eventos desta magnitude têm um papel inquestionável na consolidação de conhecimentos diversos sobre a educação.

Sabemos que outras fontes poderiam oferecer informações mais “reconhecidas”, como por exemplo os artigos acadêmico-científicos publicados nos periódicos da área.

Considere-se, todavia, que este trabalho representa um embrião de uma pesquisa que tende a se consolidar nos próximos anos, e neste momento se tornou impossível a ampliação das fontes de informações, dado o grande volume de materiais utilizados nas análises. Considere-se também que a qualificação dos eventos como espaço de publicação é uma das demandas para a pesquisa no nosso país, visto o grande investimento ainda realizado pelos grupos de pesquisa, pelos programas de pós-graduação e pelas Instituições de Ensino Superior para a realização de eventos acadêmico-científicos. Desta forma, justificamos nossas fontes de informações, salientando que reconhecemos a necessidade de ampliá-las, diversificando-as com outros tipos de produções acadêmico-científicas.

Para a coleta de informações procedemos da seguinte maneira: 1. Leitura dos títulos e resumos de todos os textos publicados;

2. Identificação de trabalhos elaborados a partir de pesquisas contextualizadas na Educação Básica, e trabalhos que não se direcionaram a nenhuma etapa especifica da escolaridade e discutiram o trabalho docente de forma mais geral.

3. Exclusão de todos os trabalhos desenvolvidos em contextos de Instituições de Ensino Superior, num total de 55 pesquisas, pois nosso interesse inicial era o de compreendermos os contextos da Educação Básica.

4. Leitura dos textos completos de 102 trabalhos selecionados na etapa 2. Essa leitura foi uma necessidade por percebemos que os títulos, resumos e palavras-chaves não retratavam a pesquisa realizada e poderiam causar distorções nos resultados e nas conclusões.

5. Sistematização das informações em quadros, com colunas específicas para os títulos, objetivos, palavras-chaves, aportes teórico-conceituais gerais, aportes teórico-conceituais sobre o trabalho, trabalho docente e docência, a natureza do texto e se eram ensaios teóricos ou pesquisas empíricas, conforme exemplo abaixo.

6. Agrupamento das referências bibliográficas de todos os trabalhos, com a finalidade de verificar a incidência dos autores no montante dos trabalhos. A seguir, os procedimentos realizados para utilização dos quadros como instrumento para categorização e análise:

1. Agrupamentos dos trabalhos a partir do foco de pesquisa; 2. Análise e caracterização de cada agrupamento;

3. Recortes e análises das colunas destacadas para identificar regularidades e variabilidades nas informações;

4. Identificação e análise de categorias a posteriori.

A seguir, apresentaremos algumas evidências, assim como discutiremos os resultados construídos. Esta parte do texto tem por objetivo identificar avanços teóricos, bem como fragilidades e demandas latentes.

A pesquisa vista por dentro: evidências e constatações

Podemos, com relação aos focos e objetivos de investigação, classificar os trabalhos publicados nos anais deste evento em três grandes grupos.

No primeiro grupo, encontramos trabalhos que não têm como foco de estudo o trabalho docente. Estes textos abordam temáticas que possuem interface com o trabalho docente, assim como com outras tantas temáticas relacionadas à educação, à escola, ao ensino, à formação de professores, etc.

Em torno de 38% dos trabalhos apresentados no eixo trabalho docente estão nesta situação. Estes trabalhos apresentaram como foco das pesquisas várias temáticas, dentre estas se destacam os estudos culturais sobre adolescência e gênero, educação infantil e os direitos da criança, o papel da escola na sociedade contemporânea, avaliação da aprendizagem, organização curricular, pedagogia empresarial e formação de professores, este último tema com preponderância sobre os demais. Percebe-se claramente certa confusão entre Trabalho Docente e Formação de Professores, uma vez que os textos fazem referência ao trabalho docente como objeto de análise e acabam descrevendo e analisando estratégias e os processos de formação de professores.

Estes trabalhos não utilizaram em seus títulos, palavras-chaves, resumos e textos expressões que indicassem o trabalho dos professores como objeto de pesquisa. Quando houve referência ao trabalho docente, ao professor e às suas práticas, foi no decorrer do texto, em situações nas quais o professor foi citado como parte dos processos da educação formal, sem, no entanto, configurar uma tentativa de conceituar estas expressões e de encaminhar a pesquisa nesta direção.

No segundo grupo de trabalhos há a identificação clara nos objetivos e nas palavras-chaves do trabalho docente como foco de estudo. Entretanto, a leitura dos textos evidenciou a ausência de aportes para conceituação do termo. Estes textos, que englobam em torno de 32% dos trabalhos sugerem que a expressão trabalho docente, por si só, já comporta um significado único, entendido por todos da mesma maneira. Isto não é uma realidade, haja vista a variedade de termos e expressões que carregam outros significados e que são, nesses mesmos trabalhos, usados como sinônimos de “trabalho docente”.

Estes trabalhos associam diferentes aportes para a fundamentação teórica, tais como: a infantilização do trabalho docente; a formação e atuação do professor na sociedade contemporânea; trabalho docente e a formação de crianças; trabalho docente e corporeidade; trabalho docente na gestão escolar; trabalho docente e as políticas públicas educacionais; o trabalho e o magistério; trabalho docente com

jovens e adultos, ensino e aprendizagem; condições de trabalho dos professores; os professores e o meio rural.

Estes trabalhos são de difícil definição, pois percebe-se em seus objetivos, palavras-chaves e resumos a presença da expressão trabalho docente como objetivo das pesquisas. Algo inusitado, contudo, acontece, pois no decorrer dos textos esta expressão é esquecida do ponto de vista teórico-conceitual. Todos os textos classificados neste item não apresentaram aportes teórico-conceituais acerca do trabalho, do trabalho docente ou da docência, entendidos aqui como pontos- chaves às análises que se proponham compreendê-los.

Uma forte característica destes textos é o fato de incluírem o trabalho docente como algo que subjaz às discussões sobre escola, sobre educação, sobre as políticas educacionais. Parece-nos que há uma crença de que, uma vez abordando a escola, a educação, a formação de professores, o trabalho didático é o suficiente para classificar a pesquisa como sendo estudo sobre o trabalho docente. O que temos nesses casos é a simplificação de uma temática inquestionavelmente complexa.

O terceiro grupo representa 29% dos trabalhos publicados e traz delimitações conceituais sobre o trabalho docente, conseguindo apontar claramente os encaminhamentos para sua análise. Como podemos ver, é um percentual pequeno se considerarmos o montante global dos trabalhos publicados neste eixo.

Apesar de afirmarmos que neste conjunto de trabalhos existe um esforço para abordar teoricamente o trabalho docente, localizamos alguns estudos que não apresentam aprofundamento do ponto de vista das produções já consolidadas, e buscam definir a partir de suas próprias experiências, numa visão mais particularizada sem utilizar autores de referência.

Com relação aos textos com uma discussão mais densa e aprofundada do ponto de vista teórico, mapeamos um conjunto de autores que têm orientado estes estudos. A título de ilustração, sem adentrarmos nas teorias de cada um, podemos citar Apple (1995), Barroso (2003, 2006), Bernstein (1996), Birgin (2000), Clot (2006), Cunha (1999), Duarte et al.(2008), Engels (2008), Enguita (1991), Evangelista (2005), Fanfani (2007), Fidalgo e Oliveira (2009), Frigotto (1989, 2001), Gauthier (1998), Josso (1999), Lessard (2004, 2006, 2009), Libâneo (1998, 2002), Lourencetti (2008), Marx (2008), Morduchowicz (2003), Nóvoa (1995, 2000), Oliveira

(2000, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008), Pereira (2007), Pucci et al. (1991), Rockwell e Mercado (1988), Sampaio e Marin (2004), Saviani (2000), Tardif e Lessard (2005), Therrien e Loiola (2001), dentre outros.

Todos estes trabalhos apresentam claramente a definição de seus focos e têm temáticas de referência associadas aos estudos sobre trabalho docente. Estas temáticas, por vezes, acabam se constituindo nos próprios contextos de análises, como é o caso das políticas públicas e da formação de professores, ou em categorias de análises como é o caso dos trabalhos que investigam a precarização e intensificação do trabalho docente.

Desta forma, classificamos as temáticas em um grupo que se constitui nos contextos de pesquisa e outro que se constitui em categorias de análise do TD.

Contextos de investigação sobre o trabalho docente 1. O trabalho docente e a pesquisa acadêmica;

2. As políticas educacionais nacionais e internacionais; 3. Formação de professores;

4. O professor e os processos de ensino e aprendizagem; 5. A educação escolar e o trabalho docente;

6. As reformas educativas e o trabalho docente; 7. As histórias de vida;

Categorias de análise do trabalho docente 1. A carreira e a valorização dos professores;

2. Precarização e intensificação do trabalho docente; 3. Presenteísmo docente;

4. Atividade docente.

A seguir apresentaremos algumas características identificadas e analisadas no total dos textos que têm como foco o trabalho docente. Estas análises são realizadas a partir de evidências e constatações presentes nas argumentações dos autores.

Identificamos duas concepções prevalentes sobre o trabalho docente:

• A primeira, compreendendo 38% dos textos analisados, aborda o trabalho docente como atividade didática e de ensino. As referências ao trabalho do

professor estão limitadas ao espaço da sala de aula e às ações de preparação do ensino.

• A outra concepção, presente em 27% dos textos, é de que o trabalho dos professores abarca outras ações para além do ensino, como por exemplo: elaborar a proposta pedagógica da escola, elaborar o currículo escolar, participar de recreios orientados, fazer contato com os pais e se envolver com a comunidade, etc. Contudo, chama-nos atenção o fato de que, mesmo em textos que possuem tais argumentações teóricas, suas coletas de informações acontecem em sala de aula.

• Em 30% dos textos não foi possível identificar quais as concepções dos autores, do ponto de vista das ações e dos espaços de trabalho do professor. Estes textos trataram a temática de maneira genérica sem uma preocupação aparente com sua definição e conceituação. Este fato pede atenção e cuidado, pois podemos estar caindo no deslize de mais uma vez usarmos a pesquisa como um instrumento de prescrição.

É bastante forte, portanto, nos discursos dos textos, o que se espera do trabalho dos professores, sem que haja a preocupação com o que é o trabalho deles a partir do que, efetivamente, fazem.

Com relação ao tipo de pesquisa, encontramos duas situações distintas: • 45% dos trabalhos se originaram de pesquisas de campo;

• 55% dos trabalhos, de pesquisas bibliográficas/documentais.

Com relação às pesquisas de campo, podemos dizer que foram realizadas a partir de entrevistas, história oral e observação.

Dois pontos merecem destaque: o fato de 100% das observações serem realizadas em sala de aula, mesmo a maioria dos estudos apresentarem argumentações para conceituar o trabalho dos professores para além do trabalho didático.

Constatamos, também que, em torno de 17% dos estudos de campo tiveram como objetivo de pesquisa uma intervenção para experimentar determinadas técnicas de ensino. As análises destes trabalhos resultaram em recomendações para a sala de aula.

Com relação aos trabalhos que apresentaram pesquisas com o uso de entrevistas e histórias de vida, percebemos que buscaram compreender como as concepções e representações dos professores sobre seu próprio trabalho implicam em suas ações.

Com relação aos ensaios teóricos, ainda é muito forte a elaboração de recomendações para o trabalho docente, o que torna essas produções verdadeiras prescrições. São estudos teóricos que, a partir da análise das necessidades emergentes da sociedade atual, compõem um conjunto de proposições para o trabalho docente, sem a preocupação de descrever ou investigar o que é o trabalho docente a partir das atividades reais dos professores. Consideramos este fato uma das problemáticas evidenciadas com este estudo.

Com relação e esta situação cabe o alerta de Amigues (2004) quando dizia que ao falarmos do trabalho do professor, a partir do senso comum profissional, corremos o risco de assumir uma postura prescritiva, ingênuos ao ponto de achar que boas proposições teóricas e metodológicas aos professores são suficientes para que qualifiquem suas práticas.

A idéia majoritária nos textos estudados contraria o que temos tentado sinalizar ao longo deste estudo. O trabalho docente é uma prática social situada, logo, deve ser investigado por estudos que possam retratar toda a sua complexidade, por meio de pesquisas que permitam compreender como se realiza e não apenas o que se espera do trabalho docente.

Neste sentido, são necessárias pesquisas que tornem os professores protagonistas de seu trabalho - um trabalho real, situado e contextualizado.

Contrariamente, percebemos que boa parte das produções, dentro deste contexto de análise, mantêm-se próximas do que chamamos de uma ótica normativa e prescritiva, cujos valores do trabalho docente não são atribuídos pelos próprios professores, mas por pessoas que se acham fora dele.

No capítulo seguinte, abordaremos o conceito de ergonomia, os seus avanços e a sua transposição a diversas áreas da ação humana, até sua inserção como disciplina que contribui para os estudos sobre o trabalho docente.