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Pré-Reestruturação – 1970/

2.5.5 A atuação dos Municípios na Guerra Fiscal

As políticas municipais de desenvolvimento industrial acompanharam as estaduais, acentuando a guerra fiscal entre as cidades e as unidades da Federação, utilizando-se do pequeno poder fiscal que lhes cabia. As renúncias fiscais, advogadas como “investimentos” por parte dos concedentes, deterioraram as condições financeiras, já fragilizadas pelo endividamento, dos estados e municípios. Alguns municípios,

principalmente os próximos às grandes regiões metropolita- nas, ganharam postos de trabalho, reflexo dos investimentos realizados pelo capital que se realocou.

O trabalho de Pereira, Silva e Apolinário (2007) sobre a indústria calçadista mostrou que as grandes empresas do segmento que se realocaram para o Nordeste se instalaram em cidades pequenas ou de médio porte próximas das capitais, geralmente nas regiões metropolitanas nordestinas.

Os municípios de todas as regiões brasileiras participaram da guerra fiscal, acentuando os incentivos e a guerra já viven- ciada pelos estados. Na Tabela 2.6, é possível ver a distribuição, por regiões, do percentual de municípios que contribuíram com a guerra fiscal por meio da criação de incentivos para atração de novas empresas. A região Sul foi a que apresentou a maior proporção de municípios com incentivos (78,7%). O Nordeste, no entanto, apresentou apenas 39,7% dos municípios com tal política de incentivos. A região Sudeste apresentava um percentual pouco superior a 57%, devido, em grande parte, à participação de Minas Gerais, que apresentou, aproximadamente, 46% dos municípios com incentivos, puxando a participação da região para baixo, pois é o estado com o maior número de municípios no Brasil (853).

TABELA 2.6 – Existência de Incentivos para atração de novas

empresas nos municípios.

Minas Gerais é um caso interessante, por existir uma polaridade socioeconômica, na qual o norte do estado em muito se aproxima das características do nordeste brasileiro (semiári- do), enquanto o sul aproxima-se das características do Sudeste. As regiões Norte e Centro-oeste apresentaram um percentual de municípios com incentivos elevados, 54,1% e 61,3%, respec- tivamente; o primeiro, com valores abaixo da média nacional e o último, acima.

GRÁFICO 2.1 – Percentual dos municípios por Estado com

Incentivos à implantação de novas empresas.

Fonte: Simões (2003).

No Gráfico 2.1, é possível observar as disparidades propor- cionais existentes entre os estados brasileiros, no que consiste à participação dos municípios na guerra fiscal. Esse gráfico põe por terra o discurso de que o Nordeste tem apresentado subs- tanciais incentivos, promovendo a relocação das empresas do Sul e Sudeste. Como pode ser verificado no gráfico, os estados com o maior número relativo de municípios integrados à guerra fiscal, via concessão de incentivos fiscais e parafiscais, são do Sul e Sudeste, à exceção do estado do Acre. Dos cinco primeiros estados com maior participação, quatro são do Sul e Sudeste, enquanto, dos dez com menor participação, sete são do Nordeste.

A diversidade desses incentivos é significativa. No caso dos municípios nordestinos, encontram-se, como principais incentivos, a doação de terras, seguida da isenção do ISS e do IPTU. Como foi visto na Tabela 2.6, a região Sul apresentou, proporcionalmente, a existência de incentivos à implantação de novas empresas. No entanto, os percentuais dos incentivos vinculados ao fornecimento de infraestrutura e à doação de terra são os mais elevados, enquanto os percentuais dos incenti- vos fiscais e financeiros ficam um pouco abaixo dos concedidos pelos municípios nordestinos.

TABELA 2.7 – Incentivos concedidos à implantação de novas

empresas, por parte do município no Nordeste.

Fonte: Simões (2003).

A guerra fiscal que emerge nos anos 1990, principalmen- te em sua segunda metade, repercute sobre os lugares, vistos como “o encontro entre possibilidades latentes e oportunidades preexistentes ou criadas” (SANTOS, 1994, p. 40). Santos (2002, p. 197) desenvolve sua formulação no sentido da produtividade espacial e da procura por uma “eficácia mercantil que se refere a um determinado produto”, bosquejando a produção do espaço por agentes ou atores diversos, notadamente, quando “ao lado

da busca pelas empresas dos melhores sítios para a sua instala- ção” ocorre, também, uma busca pelos lugares, “uma procura às vezes escancarada de novas implantações e um cuidado por reter aquelas presentes” (p. 198). Nesse contexto, se reafirmam e se fortalecem as estratégias, políticas e ações do Estado, que, combi- nadas com as das empresas, indicam a metáfora da guerra dos lugares. Embora o conflito entre lugares ocorra no mundo capi- talista, como o mostra os incentivos e os conflitos gerados pelos mesmos entre as diversas nações, no Brasil, também se constata tal acirramento da guerra dos lugares. Essa guerra leva à reflexão, já realizado por Ana Fani Carlos (1996, p. 39), ao perguntar se “ao nos referirmos a uma guerra não estaríamos atribuindo, erro- neamente, o estatuto de sujeito ao espaço ignorando o papel dos atores sociais e mesmo do estado no seu processo de produção?”. O fato é que, independentemente de ser guerra de lugares ou de espaços, a dimensão fiscal dessa competição:

[...] vem prejudicando as finanças estaduais bem como a provisão pública de bens e serviços, muitos deles impor- tantes insumos do processo de produção. Além disto, a guerra cria conflitos na federação. No curto prazo, o Estado que deflagra a guerra fiscal se beneficia. No longo prazo, a generalização do conflito faz com que os ganhos iniciais desapareçam. Incentivos fiscais perdem seu poder de estímulo e transformam-se em meras renúncias de arreca- dação. Em face da homogeneização potencial dos benefícios fiscais, no longo prazo as empresas passam a escolher sua localização somente em função das condições de mercado e de produção, que incluem a qualidade da infraestrutura e dos serviços públicos oferecidos e o nível de qualificação da mão-de-obra (BNDES, 2000, p. 1-2).

2.6 À guisa de conclusão

Algumas lições são fundamentais para este capítulo. Inicialmente, no que se refere à reestruturação produtiva do capital. Com base no que foi explanado, uma fase do processo de acumulação ampliada do capital, contemporaneamente rela- cionada com a acumulação flexível, que introduz, nos diversos espaços produtivos, os novos métodos, tecnologias, técnicas e cultura do produzir, fundados nos alicerces da flexibilidade, com impactos multidimensionais que serão absorvidos pela totalidade social. A reestruturação é a fase de metamorfose entre dois modos de produzir (fordismo e acumulação flexível) e suas respectivas culturas. Quando se fala em fase, considera-se inerente à mesma a ação realizada pelos capitalistas em prol do processo de transformação, sem negligenciar as reações dos trabalhadores a essas transformações.

Essa reestruturação produtiva do capital não foi a primeira, nem será a última, embora tenha sido a mais intensa devido ao processo de compreensão espaço-tempo que acelera ritmos e processos da vida humana em prol da acumulação capitalista. Nos países desenvolvidos, os trabalhadores contavam com uma “vantagem”: a existência de um Estado de bem-estar social e de um movimento sindical organizado e combativo que atenuou a dramaticidade dos impactos da reestruturação. No entanto, os países em desenvolvimento não contaram com essa “vantagem”. Os impactos foram maiores e mais agressivos, embora que tardio, como pode ser visto pela recessão econômica do início dos anos 1990, reflexo da política de abertura comercial do governo Collor, que tinha o intuito de promover um choque de competitividade no Brasil. Somente na segunda metade dos anos 1980 é que ocorrem impulsos significativos para a reestruturação produtiva no país.

Na década seguinte, ocorre a acentuação do processo de reestru- turação, apresentando-se concretamente suas consequências.

A reestruturação produtiva exibiu características sui

generis no Brasil. Entre essas características, a mais impactan-

te foi o corte abrupto de custos, principalmente nos recursos humanos, implicando elevadas taxas de desemprego e subem- prego vivenciadas no país na década de 1990. Nessa década, implementaram-se diversos modelos de gestão e produção, cuja característica principal era a flexibilidade tanto para os processos de produção, como no uso da mão-de-obra. Outra característica importante na reestruturação ocorrida consti- tuiu-se na heterogeneidade tecnológica, que se tornou possível pela impossibilidade de substituição plena, rápida e integral de toda a tecnologia utilizada no país, em curto prazo de tempo. Essa heterogeneidade deve-se tanto à rapidez da implantação de novas tecnologias, como à incapacidade de os capitalistas, prin- cipalmente os pequenos, substituírem rapidamente a tecnologia utilizada. Uma terceira característica diz respeito à descen- tralização produtiva como face da reestruturação produtiva, que se caracterizou por ser mais uma relocalização industrial, do que uma descentralização de capitais. Isso se deve ao fato de a descentralização do principal centro produtor brasileiro ter ocorrido, em grande parte, dentro do próprio território, ou seja, as indústrias relocaram algumas plantas para cidades do interior, próximas à capital ou à região metropolitana de São Paulo. O Nordeste pouco ganhou com esse processo de relo- calização industrial. O ganho foi concentrado nos principais estados da região, além de se vincular muito mais a setores tradicionais e intensivos em trabalho. Mas isso tem sido uma constatação não apenas no Brasil, afinal, Leborgne e Lipietz (1994) já avisavam que nem todas as regiões ganham em

países que ganham, e algumas regiões ganham nos países que perdem. Nesse contexto, afirmam, ainda, que as regiões que tendem a ganhar são regiões urbanas, no caso do Nordeste; as ganhadoras foram as cidades que estavam próximas às regiões metropolitanas.

É necessário lembrar que os ganhos são essencialmente em empregos, empresas e produção. Outros ganhos existem, mas são limitados, principalmente, pelas perdas impostas ao município, ao Estado, ao meio ambiente, à fiscalidade e ao país em geral. As perdas relacionam-se às externalidades negati- vas, às deseconomias de aglomeração, como, por exemplo, à poluição, à renúncia fiscal, ao aumento dos preços e às pressões sobre a infraestrutura. Em geral, o Nordeste beneficiou-se muito mais com a desconcentração industrial, ocorrida nos anos 1970 e 1985, do que com a desconcentração recente.

Os processos de descentralização industrial no Brasil sempre tiveram o incentivo do Estado, por meio das políticas econômicas e de projetos e programas implementados por instituições criadas pela União. No Nordeste, esse papel foi da SUDENE, que, a partir dos anos 1970, sofreu com uma restrição significativa dos recursos e do seu papel político. Essa restri- ção, imposta à SUDENE, foi parcialmente suprida por uma ação estatal por parte de programas e projetos do governo federal. Durante a década perdida, o Estado reduziu sua atuação pró-indústria e, logo após, retirou-se das intervenções diretas, favorecendo uma intensa privatização e reduzindo o investi- mento infraestrutural a níveis de manutenção. No entanto, a ausência de política de desenvolvimento nacional contribuiu para a guerra fiscal entre os estados, com o intuito de gerar fatores atrativos ao capital que se reestruturava e que procu- rava novos espaços para os novos investimentos.

A reestruturação produtiva, ao impor aos capitais a necessidade de reestruturação na busca pela redução de custos, aumento de receitas e maior produtividade, visando à concorrência nacional e internacional, impulsionou alguns setores produtivos, em especial os que demandam elevada quantidade de força de trabalho, a procurar meios de reduzir custos com a mesma. Assim, além da implementação das inovações tecnológicas, a relocalização das empresas traba- lho-intensivas tornou-se uma prática comum. Aliando-se a esse aspecto, o desejo de as unidades da federação atrair novas empresas e gerar novos empregos implicou guerra fiscal intensa, na qual os estados e os municípios “pagaram” pela implantação de empresas em seus territórios, com a renúncia fiscal e com outros incentivos ao capital. Esses estados e municípios também implementaram outras polí- ticas públicas, visando criar e “vender” a cidade para o capital, favorecendo a relocalização de empresas para seus respectivos territórios.

Embora alguns autores acreditem que a busca por aprovei- tamento de potencialidades regionais para o desenvolvimento da indústria de base local seja determinante das novas locali- zações, crê-se que os incentivos fiscais e financeiros ainda se constituíram no principal atrativo para as empresas que relocali- zaram-se. Não por acaso, a maior parte dos estados e municípios brasileiros ampliou a oferta de incentivos fiscais e para-fiscais para a implantação e/ou ampliação de empreendimentos indus- triais. Como foi demonstrado, os impostos (ICMS, IPTU e ISS) se constituíram na principal moeda de troca do Estado para com o capital, dos governos para com os empresários.

A Paraíba, em especial Campina Grande, compartilhou dessa política de renúncia fiscal e de estímulos para-fiscais, visando à atração de investimento privados para o seu território.

O ESPAÇO URBANO-INDUSTRIAL