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EM CAMPINA GRANDE

4.1 O contexto socioeconômico nacional e regional

O fim da década de 1980 é profundamente marcado por uma situação econômica caótica, em virtude da instalação de um processo hiperinflacionário, concomitantemente ao crescimento abrupto da dívida pública, que atingia 12,4% do PIB brasileiro no período em estudo. Essa dívida pública, em conjunto com a hiperinflação, expandiu-se assustadoramente por meio de uma espiral de preços, salários e juros, devido à forte indexação existente na economia brasileira. No entanto, mesmo com esse contexto hiperinflacionário, a economia retomou o crescimento econômico. As taxas de crescimento do PIB nacional apresentaram-se superiores à da primeira metade da década considerada perdida (LEITE, 1994).

O segundo quinquênio dos anos 1980 configurou-se por meio da acentuação do processo de reestruturação produtiva, na qual se aceleram a busca e a implantação de inovações tecno- lógicas e organizacionais (ver Capítulo 2.2), em meio a crises inflacionárias, políticas, econômicas e sociais, favorecendo o aumento da produtividade na economia brasileira. Moutinho e Porsse (1999) comprovaram esse fato para a indústria, em especial para a automobilística36, a partir de 1987, quando a

produção, a produtividade e as vendas apresentaram evolução convergente, embora tal fato não ocorresse com o emprego. Até 1987, havia um padrão convergente entre emprego e produção, que foi quebrado a partir do citado ano, quando a taxa de

36A indústria automotiva se constitui como uma das pioneiras na implemen-

tação, tanto de tecnologias (robótica, microeletrônica, sistemas flexíveis), como de novas formas de gestão da produção e do trabalho (kanbam, kaizem, CCQs, reengenharia etc.). Para mais detalhes, ver Alves (2000) e Leite (1994).

crescimento do emprego e a elasticidade emprego/produção no segmento tornaram-se negativas. Em outras palavras, o cres- cimento da produção não convergia com o mesmo movimento do emprego. Além disso, o estudo de Rosa (1997) para a indús- tria brasileira mostrou que o índice de emprego no segmento reduziu sua magnitude para 81,25 em 1994, tendo como ano base o ano de 1985. A produção decresceu proporcionalmente menos do que o emprego no período 1985-1991. Esse declínio, segundo o autor, é atribuído ao processo de ajustamento da indústria, realizado por meio das mudanças tecnológicas.

O estudo de Feijó e Carvalho (1994) sobre a produti- vidade37 e o emprego na indústria brasileira mostrou que o

crescimento dessa primeira variável foi praticamente ininter- rupto nas décadas de 1970 e 1980. Com base nos dados do IBGE, os autores mostraram que, entre 1985/1990, a produtividade continuou crescendo, embora com uma pequena atenuação, não afetando a produção física da indústria, que cresceu razoavelmente. Nos anos seguintes, acentuou-se o crescimen- to da produtividade, independentemente da recessão dos anos 1990-1992, resultado das transformações implementadas pelas empresas para adequarem-se ao novo contexto de elevada competição, embora a produção física e o emprego tenham declinado. A característica marcante, segundo os autores, da evolução da produtividade nos anos 1980 consistiu no fato de que, em um primeiro momento (1979/1984), caracterizado pela recessão, essa variável cresceu em detrimento do emprego e da produção física da indústria, enquanto, na segunda metade da

37Feijó e Carvalho (1994, p. 39) utilizam a variável produtividade como “um

indicador de quantum dividido pelo pessoal ocupado na produção encadeado para os vários anos da pesquisa mensal com séries que variavam em termos de cobertura e metodologia”.

década, todas cresceram conjuntamente. Nos anos 1990/1993, novamente de recessão, a produtividade continuou a crescer de forma mais acentuada, ao mesmo tempo em que o emprego e a produção industrial declinaram.

Feijó e Carvalho (1994, p. 39) explicitaram que “o aumento de produtividade não se deve apenas a fatores conjunturais: está em curso um processo mundial de abertura da economia e de reestruturação industrial”. Essa reestruturação produtiva torna-se um imperativo, devido a necessidade de incrementar a competitividade por meio do aumento da produtividade, que é vista como solução sustentável para inserção competitiva no mercado cada dia mais internacionalizado.

O início dos anos 1990 foi marcado pela eleição direta do presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992), que promoveu uma reviravolta nos rumos da economia ao implantar medidas que, sem repudiar ou decretar uma moratória, atenuou, no curto prazo, os problemas da hiperinflação, da rolagem da dívida e do déficit público acumulados nas últimas duas décadas. Ao decretar do arresto de 70% dos ativos financeiros (confisco monetário) do setor privado por 18 meses, o governo federal protelou a grave crise econômica que atingia o país.

Além de bloquear os ativos financeiros, o governo instituiu um sistema de controle de preços, cujos aumentos dependeriam da aprovação antecipada do governo federal, como também criou uma nova moeda nacional (Cruzeiro), por meio do corte de três zeros da antiga moeda (Cruzado Novo). O governo Collor tentou implantar uma série de medidas desti- nadas a eliminar o déficit do setor público, instituindo taxas, comprimindo despesas, reduzindo salários, demitindo e/ou pondo em disponibilidade funcionários públicos e privatizando empresas estatais.

Os resultados das medidas implementadas pelo governo Collor no primeiro ano foram: a redução brusca e imediata da quantidade de moeda no sistema; o declínio das taxas de juros de 82%, em fevereiro de 1990, para 4%, em abril do mesmo ano; a redução da dívida federal em poder do público, de aproxi- madamente Cr$ 1,3 bilhão, entre fevereiro e março de 1990; o crescimento das receitas do governo federal; o declínio da taxa de inflação para o patamar de 10% ao mês (LEITE, 1994).

A política monetária ortodoxa, adotada pelo Plano Collor, provocou, além da queda da inflação, uma intensa recessão, que promoveu um declínio de -5,3 pontos na variação anual do crescimento do PIB brasileiro. O plano econômico adotado pelo então presidente Collor atingiu, principalmente, o setor industrial brasileiro, não deixando de afetar os demais setores. A política econômica do governo Collor reforçou a necessida- de, para o empresariado, de uma acentuação do processo de reestruturação produtiva, na qual foram utilizados todos os mecanismos possíveis de ser implementados para a ampliação da produtividade e para a redução dos custos. Essa acentuação da reestruturação produtiva, via inovação tecnológica e da gestão da produção e do trabalho, tinha por objetivo ampliar a capacidade competitiva das empresas que se deparavam com um mercado altamente competitivo, devido à abertura do mesmo às multinacionais estrangeiras.

A acentuação da reestruturação implicou reforço da heterogeneidade tecnológica, em razão das grandes diferen- ças existentes entre firmas e espaços produtivos no Brasil. Essas diferenças permitiram que o empresariado se valesse do conflito fiscal, estabelecido pelos governos estaduais, para usufruir de vantagens, fiscais e parafiscais, concedidas por governadores interessados em atrair firmas para seus estados

(ver Seção 2.6.4). O conflito fiscal dos anos 1990 influenciou significativamente o processo de relocalização produtiva, prin- cipalmente por parte da indústria, promovendo “ganhos” para algumas regiões e “perdas” para outras (ver Seção 2.3). Campina Grande entrou no conflito fiscal e na guerra de lugares, buscando consolidar uma identidade e atrair empresas na década de 1990. Pereira (1998) mostrou que diversas empresas preconizaram vultosos investimentos no referido município, que não se realizaram integralmente, como será mostrado nos próximos capítulos deste estudo.

O conflito fiscal, que se disseminou na década de 1990 e que ainda continua entre os diversos estados da federação brasileira, coloca algumas armadilhas para um futuro próximo, pois, ao estabelecer a renúncia fiscal, o governo aceita a perda de recursos futuros, o que pode vir a comprometer o inves- timento público e, consequentemente, novos investimentos privados. Além disso, existe possibilidade de muitas empresas fugirem desses espaços, quando as vantagens fiscais e parafis- cais forem extintas (PEREIRA, 1997), prejudicando a economia dos espaços nos quais se instalaram.

O resultado da política econômica do presidente Collor consistiu em forte recessão que, aliada à reestruturação produ- tiva fundada no corte de custo, provocou o declínio acentuado do número de empregos formais na indústria, embora o mesmo não tenha ocorrido com o número absoluto de estabelecimentos. Como pode ser visto na Tabela 4.1, o emprego formal na indús- tria, nos anos 1990, manteve-se em níveis abaixo daqueles do ano de 1985. A construção civil, o comércio e os serviços, embora apresentem declínio entre os anos 1988-1992, recuperaram os níveis do emprego na segunda metade dos anos 1990, sem ter apresentado, nos anos em análise, níveis inferiores ao de 1985.

TABELA 4.1 – Evolução do Emprego Formal – Brasil – Índice 100 = 1985.   1988 1990 1992 1994 1995 1997 1999 Indústria 112 105 91 99 95 91 89 Construção civil 123 112 105 129 125 135 122 Comércio 115 114 101 122 127 140 150 Serviços 114 107 103 110 121 125 134 Agropecuária, extr. vegetal,

caca e pesca 91 112 141 300 302 299 310

Total 115 113 109 115 116 118 122

Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados da RAIS/MTE.

A exceção dos grandes setores dá-se com o setor primário, que, entre 1986-1988, ficou abaixo do ano base, mas, a partir dos 1990, triplicou o volume de emprego formal. Esse dado é importante, quando comparado com o crescimento do número de estabelecimentos na Tabela 4.2. O setor primário ampliou o número de estabelecimentos entre 1985 e 2005 para o índice 1.665, considerando o primeiro ano como 100. Esse crescimen- to abrupto no número de estabelecimentos ajuda a explicar o crescimento do emprego no setor. Além do mais, coincide com a expansão das atividades produtivas, em especial desse segmento, em direção ao interior, mais especificamente para a região Centro-Oeste38, Norte e Nordeste. A Tabela 4.2 apresenta

bem o crescimento do número de estabelecimentos nas regiões periféricas, ratificando as ideias de muitos pesquisadores sobre os impactos da reestruturação produtiva, principalmente pelo processo de relocalização espacial das atividades econômicas do Centro-Sul para as demais regiões. Na tabela a seguir, vê-se que o Centro-Oeste, o Norte e o Nordeste ampliaram, relativamente, mais o número de estabelecimentos do que as demais regiões.

38Nos anos 1990, o Centro-Oeste se constituiu na região que gerou o maior

TABELA 4.2 – Evolução do Número Total de Estabelecimentos, por regiões. 1985 = 100. Região 1985 1990 1995 2000 2005 Norte 100,0 140,5 188,5 303,6 453,5 Nordeste 100,0 130,7 185,7 268,7 349,2 Sudeste 100,0 138,1 178,3 212,8 246,1 Sul 100,0 140,3 193,8 246,6 303,1 Centro-Oeste 100,0 137,5 225,1 333,3 453,8 NÃO CLAS. 100,0 85,3 3,3 0,0 0,0 Total 100,0 131,2 162,5 205,6 250,2

Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos dados da RAIS/MTE.

O declínio do emprego formal na indústria não se deve apenas à recessão econômica, mas principalmente ao processo de reestruturação produtiva que atinge essa atividade com maior profundidade. A recessão somente agravou o declínio do emprego, enquanto sua participação relativa na economia é historicamente declinante, resultado do próprio processo evolutivo dessa atividade, e acentuado pela reestruturação dos anos 1990. A produção industrial não regrediu nos anos em estudo. Esse fato é demonstrado pelo trabalho de Feijó e Carvalho (1994), ao explicitar o crescimento da produtividade na indústria, entre os anos 1970 e 1993.

Durante alguns anos, o Plano Real se sustentou mais na âncora verde do que na cambial, devido à importância do Centro-Oeste e da produção primária, em especial de commodi-

ties, para a estabilização econômica brasileira. A âncora verde

é discutível, em decorrência do fato de que a mesma não é perceptível, quando se analisa o preço agrícola recebido pelos agropecuaristas. Isso é constatado ao se analisarem os preços dos alimentos pagos pelo consumidor no triênio que se seguiu ao Plano Real (GASQUES et al., 2004).

TABELA 4.3 – Evolução do Emprego Formal, por regiões. 1985 = 100. Região 1985 1990 1995 2000 2005 Norte 100,0 121,2 132,4 159,2 240,2 Nordeste 100,0 117,1 123,0 139,6 185,3 Sudeste 100,0 112,7 114,4 121,2 148,5 Sul 100,0 113,5 118,7 133,9 168,8 Centro-Oeste 100,0 116,7 137,2 176,3 231,5 NÃO CLASS. 100,0 75,7 2,2 0,0 0,0 Total 100,0 113,2 115,9 128,0 162,2

Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos dados da RAIS/MTE.

O número de estabelecimentos não sofreu tanto com a recessão e a reestruturação produtiva. Somente o setor primário apresentou queda no número de estabelecimentos no período que antecede os anos 1990, posteriormente apresen- tando crescimento abrupto. Os demais setores apresentaram alterações, mas nenhuma que mostrasse valor inferior ao do ano base. No entanto, esse fato esconde um fenômeno impor- tante na indústria brasileira, que é o reflexo do processo de reestruturação produtiva em sua dimensão tecnológica; ou seja, o número de estabelecimentos não declina significativamen- te, mas o tamanho dos estabelecimentos, medido por meio do número de empregados, reduz sensivelmente. Esse fenômeno explica-se pela inserção de tecnologia poupadora de mão-de- -obra, que permite aumento da produtividade, da produção, em detrimento do quantum de trabalhadores empregados. Essa tecnologia é possibilitada pela microeletrônica, pela informá- tica e pela telemática39.

TABELA 4.4 – Evolução do Número de Estabelecimentos, segundo

os setores do IBGE – Brasil – Índice 100 = 1985.

Setores 1985 1990 1995 2000 2005 Indústria 100,0 134,5 147,2 170,4 196,5 Construção Civil 100,0 256,4 423,9 503,1 502,0 Comércio 100,0 124,0 164,7 219,1 284,8 Serviços 100,0 111,5 155,5 213,5 253,3 Agropecuária 100,0 147,4 1137,4 1391,4 1655,7 NÃO CLAS. 100,0 177,9 34,9 0,1 0,0 Total 100,0 131,2 162,5 205,6 250,2

Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos dados da RAIS/MTE.

A inserção de novas tecnologias não se deu identicamente em todos os segmentos da atividade econômica, muito menos em todas as regiões brasileiras. Alguns, mais do que outros, apresentaram mudanças tecnológicas céleres e redução do tamanho das plantas40. No entanto, todos os segmentos exibiram

sensíveis transformações nas formas de gestão da produção e do trabalho, fruto de novas tecnologias, nos anos 1990. A indús- tria brasileira reduziu o número de grandes empresas (mais de 1.000 trabalhadores), de 718 para 594. Relativamente, as micros e as pequenas empresas (até 49 trabalhadores), que eram 88,8% das indústrias no Brasil, passaram a responder por 92,9% dos estabelecimentos. O segmento industrial que ocupa entre 0 e 9 trabalhadores respondeu por 68,3% de todas as indústrias em 2005, enquanto, em 1985, respondia por apenas 63,3%. A Tabela 4.4 mostra o crescimento abrupto do setor agropecuário, extrativo vegetal e de caça e pesca. Esse setor, lastreado na

40Ver, em apêndice, nas Tabelas 4.A, 4.B, 4.C e 4.D, as variações no número

de estabelecimentos (absoluto e relativo), segundo o tamanho dos estabelecimentos.