• Nenhum resultado encontrado

A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO CAPITAL NO BRASIL

2.3 A reestruturação produtiva e a desconcentração industrial no Brasil

2.3.1 Espaços ou regiões que perdem com a reestruturação

Ao se falar em perdas com a reestruturação, em espaços que perdem, opta-se pelo termo regiões que perdem, referin- do-se a perdas relativas na participação no produto interno

industrial. Não há, necessariamente, uma perda absoluta no número de firmas e, consequentemente, de produção indus- trial. É óbvio que isso não quer dizer que um determinado espaço urbano-industrial não possa perder firmas, popula- ção, produção industrial etc. Lipietz e Leborgne (1994, p. 339) já avisavam que nem “todas las regiones ganan em los ‘paises que

ganan’, y algunas regiones ganan em los ‘países que pierden’” 22.

A literatura nacional e internacional tem demonstrado bem a existência do fenômeno.

No Brasil, algumas regiões perderam e/ou ganharam importância e participação relativa na produção industrial. Historicamente, o Nordeste, em um passado distante, cons- tituiu-se em centro dinâmico da economia brasileira, função que, gradualmente, foi assumida pela região Sudeste. O século XVIII marcou, com o ciclo de exploração do ouro e do diamante e, principalmente, com a cultura do café, o deslocamento do eixo econômico e político do Nordeste para o Centro-sul do Brasil. O desenvolvimento industrial brasileiro, no século XX, vem apenas consolidar uma liderança que se iniciava no século anterior (BRUM, 1997; CANO, 1998a; FURTADO, 1977).

Com o “deslocamento do centro dinâmico” da economia, o mercado interno assume função precípua no processo de desenvolvimento econômico (FURTADO, 1977). Esse desloca- mento do centro dinâmico possibilita o início de nova fase de desenvolvimento que, segundo alguns autores, pode ser concei- tuada de “industrialização restringida” (MELO, 1982), mas que tende a fortalecer a indústria que se instala no centro-sul, principalmente em São Paulo.

22“[...] todas as regiões ganham nos países que ganham e algumas regiões

Esse processo de deslocamento do centro dinâmico da economia e a consolidação da liderança industrial do estado de São Paulo ocorreram, concomitantemente, ao crescimento das desigualdades regionais. Explicitando melhor: a liderança industrial paulista redefiniu a divisão regional do trabalho no Brasil, tornando São Paulo a “locomotiva” e as demais regiões “vagões” com funções específicas para a reprodução do capital (CANO, 1998a). Para Oliveira (1981), esse processo se constitui em um movimento dialético que “destrói pra concentrar”, que capta o excedente de outras regiões para centralizar o capital. Alguns anos antes de Oliveira (1981), Celso Furtado, no documento do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste – GTDN (1997), de 1959, já apontava uma transferência de divisas para o centro-sul das demais regiões, em especial do Nordeste, fruto do ritmo mais intenso do desenvolvimento dessa região. Posteriormente, Cano (1998b) mostra o fluxo de investimentos existente do Sudeste para as demais regiões, em especial para o Nordeste.

A região Sudeste detinha a maior parte da indústria brasi- leira até 1950. Somente o estado de São Paulo detinha 48% da indústria nacional, aumentando sua participação para 58%, na década de 1960 (CANO, 1990). Esse dado mostra que a economia paulista detinha o poder de influenciar substancialmente o processo de reprodução do capital. Os ritmos diferentes de desen- volvimento e a concentração industrial em São Paulo tenderam a promover o desenvolvimento regional e social desigual e, conse- quentemente, o acirramento da luta de classes (OLIVEIRA, 1981). O surto desenvolvimentista, que ampliou a concentração industrial no estado de São Paulo, acentuou os desequilíbrios regionais e incentivou a emigração nas demais regiões para os centros de maior potencial gerador de empregos (São Paulo e

Brasília, cuja construção absorvia grande quantidade de traba- lhadores). Enquanto na região Sudeste – principalmente em São Paulo – a indústria crescia e a economia apresentava altas taxas de crescimento, o Nordeste apresentava crescimento econômico bem inferior. E essa diferença nas taxas de crescimento fomen- tava constantemente a desigualdade socioeconômica entre as regiões Sudeste e Nordeste.

Como as tensões sociais geradas, ou, pelo menos, poten- cializadas pelas crescentes disparidades socioeconômicas entre a região Nordeste e o Centro-sul, como também pela seca ocorrida no início da década de 1950, ameaçavam a acumu- lação de capital no país, o Estado passou a intervir na região Nordeste, com mais consistência. Essa intervenção deixou de ser assistencialista, hídrico-emergencial (COHN, 1978) e auto- ritário-paternalista (BURSZTYN, 1985), para ter um caráter mais estrutural e planejado. Mesmo continuando com sua ação via Departamento Nacional de Obras Contra a Seca – DNOCS, Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA e Banco do Nordeste do Brasil – BNB, o Estado entra em ação no Nordeste, visando diminuir os conflitos sociais, principalmente o conflito no campo, que era visto como infiltração comunista no Nordeste, e diminuir os desníveis socioeconômicos que poderiam impedir a contínua acumulação de capital do sistema econômico brasi- leiro (PEREIRA, 1994).

No pós-1960, o desenvolvimento das regiões estava profundamente imbricado com a intervenção do Estado, por meio de programas e projetos elaborados e executados pelas Superintendências de Desenvolvimento do Nordeste-SUDENE, do Sul-SUDESUL e da Amazônia- SUDAM, para os setores econô- micos das distintas regiões. No Nordeste, a SUDENE teve como carro chefe de seus projetos a industrialização autônoma da

região, ficando relegadas a segundo plano as mudanças estru- turais mais significativas para o setor rural. Isso se explica porque essas mudanças deveriam ser implantadas sem entrar em conflito com as oligarquias agrárias nordestinas. Aliás, não interessava ao Estado

alterar o equilíbrio de forças políticas já tão solidificadas no Nordeste [...]” (BURSZTYN, 1985, p. 25), pois, se “assim o fizesse, poderia estar cavando a própria sepultura do regime político que, como todos os seus predecessores, nunca pode ou quis abrir mão do enorme cabedal de legitimidade que o compromisso com a oligarquia nordestina assegura (BURSZTYN, 1985, p. 25).

Nos anos 1960 e 1970, o espaço econômico brasileiro passou por um processo de integração produtiva, ou mesmo inter-regionalização do espaço produtivo, no qual a indus- trialização dos espaços periféricos ao centro dinâmico teve papel fundamental e pode ser compreendido como o início da “dissolução das especificidades da reprodução do capital e da forma particular que a acumulação assume” (GUIMARÃES NETO, 1989, p. 123). Essa integração produtiva passa pela disso- lução mencionada, que atinge o espaço econômico e político das regiões, provocando transformações quantitativas e qualita- tivas, que consolidam paulatinamente um sistema econômico integrado e hierarquizado, em que nova divisão do trabalho se estabelece nas microrregiões que compõem o espaço econômico brasileiro. Essa nova divisão do trabalho traz, em seu cerne, um processo de desconcentração produtiva estimulada pelo Estado,

desconcentração necessária para uma efetiva integração produ- tiva, mesmo que complementar e dependente (ARAUJO, 1984). Há um consenso entre estudiosos que, entre 1970 e 1985, ocorreu no Brasil um processo de desconcentração produtiva (CAIADO, 2002; CANO, 1998a; DINIZ, 2000; PACHECO, 1998), no qual os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro perderam, relativamente, participação na produção industrial brasileira. As respectivas áreas metropolitanas desses estados foram as que mais perderam participação relativa na produção indus- trial brasileira, devido ao processo de desconcentração. Essa desconcentração produtiva, denominada por Azzoni (1986) de reversão da polarização23, constituía-se de um processo que

revertia a polarização do capital que se centralizava no estado e, mais propriamente, na área metropolitana de São Paulo. No entanto, esse processo, tal qual se dava no período 1970/1985, foi amortecido, especialmente pelo afastamento do Estado, seu principal indutor.

Na fase de reestruturação produtiva por que passou a economia brasileira nas últimas duas décadas, o processo de desconcentração apresentou outras características, principal- mente no que se refere à localização das atividades produtivas. A tendência locacional dessas atividades, no interior de São Paulo, levou Diniz (1993) a denominar o processo de desenvol- vimento poligonal.

Para Diniz (2000), as razões para o processo de descon- centração da economia brasileira, entre 1970 e 1985, devem-se a

23O termo polarização reversa se inspirou em um artigo de H. W. Richardson,

de 1980, sobre a reversão da polarização ocorrida em diversos países, que passaram por um processo de desindustrialização de algumas de suas cidades e regiões.

1) deseconomias de aglomeração na área metropolitana de São Paulo, e criação de economias de aglomeração em outras regiões;

2) ação do Estado via investimento direto, incentivos fiscais e construção de infraestrutura;

3) busca de recursos naturais e consequente expansão agrícola;

4) efeitos locacionais da competição.

Nesse período, parte do capital, em especial o indus- trial, deslocou-se para as demais regiões do país. São Paulo, como principal centro produtivo-industrial, foi o estado que mais perdeu com o processo de desconcentração. No período mencionado, a participação do estado de São Paulo na produção industrial nacional caiu de 58,2% para 51,9%. Esse processo foi, no entanto, estancado a partir da segunda metade dos anos 1980, emergindo no final dos anos 1990, quando a participação do estado no valor da transformação industrial alcançou 47,8%, representando uma queda de mais de 4% (CAIADO, 2002). O fato de o estado de São Paulo ter perdido participação na produção nacional não afetou a heterogeneidade de sua estrutura.

Quanto à Região Metropolitana de São Paulo, esta continua sendo o núcleo central da economia brasileira, embora o interior paulista já tenha superado a Região metropolitana como a maior concentração industrial do estado. Contudo, esse fato não anula o poder de atração desse espaço para as empresas de alta tecnologia. No ano 2000, o município de São Paulo ainda continuava com a primazia no processo produtivo industrial brasileiro, participando com aproximadamente 9,4%. O processo de desconcentração da indústria, característica importante da reestruturação produtiva brasileira, não pode ser limitado, em

sua explicação, às teorias neoclássicas de localização, devido à multiplicidade de dimensões e à complexidade dos fatores envolvidos no processo. Dentro desse contexto multidimensio- nal, destaca-se a atuação do Estado, em suas distintas esferas de ação (CAIADO, 2002).

O Rio de Janeiro, segunda maior área metropolitana e industrial do Brasil contemporâneo, similarmente a São Paulo, perdeu posição relativa na produção industrial brasileira. Diversos fenômenos contribuíram para o declínio relativo da participação fluminense e carioca na produção industrial do país. Entre eles, merecem destaque: o declínio da agricultura do estado, lastreada no café e na cana-de-açúcar; a transferência da capital para Brasília; a crise da indústria naval; as diversas crises políticas e sociais; e, mais recentemente, os impactos negativos do processo de privatização e de reforma do Estado (DINIZ, 2000), do crescimento do tráfico de drogas e do crime organizado. O Rio de Janeiro, que outrora participava com 38% na produção industrial brasileira, reduziu sua participação, em 1996, para 8%. Do ponto de vista do Produto Interno Bruto, a participação do estado é ainda de 11%.

Como já salientou Diniz (2000), não se pode falar em desindustrialização das áreas metropolitanas do Rio de Janeiro e de São Paulo, devido ao contínuo crescimento de suas econo- mias. No entanto, esse crescimento tem ficado aquém do de outras áreas, devido a inúmeros fatores, dos quais a relocali- zação de parte da indústria desses estados, as deseconomias de aglomeração e a guerra fiscal destacam-se. A configuração urbano-industrial, que começou a se delinear nos 1980 e 1990, apontava para a perda da importância e da participação no PIB das metrópoles nacionais – São Paulo e Rio de Janeiro –, em

benefício das outras metrópoles nacionais e cidades de porte médio, principalmente as do centro-sul.

O desenho urbano-industrial e a sucinta desconcentração industrial dos anos 1990 diferem da ocorrida entre os anos 1970 e 1985, pois a desconcentração industrial, baseada na relocaliza- ção de inúmeros empreendimentos, deveu-se a fatores distintos daqueles que promoveram a desconcentração a partir da década de 1970. Ferreira e Lemos (2000) preconizam, como fator explica- tivo para a localização de novas atividades industriais no espaço periférico, mais especificamente no Nordeste, o aproveitamento de potencialidades regionais para o desenvolvimento de indústria de base local. Essa explicação cai por terra, quando os próprios autores afirmam que “as políticas estaduais de desenvolvimento industrial ficaram resumidas à guerra fiscal entre as unidades da Federação...” [e quando mostram que a busca por compe- titividade se dá] “[...] por meio da redução de seus custos com fatores, especialmente mão de obra barata que desencadearam o fenômeno de relocalização” (FERREIRA; LEMOS, 2000, p. 495). Isso não significa a impossibilidade de os dois fenômenos atuarem conjuntamente, no entanto, o fator principal para a relocalização dos empreendimentos deve-se aos incentivos fiscal-financeiros concedidos pelos estados da federação, na guerra fiscal que se deu nos anos 1990. Um segundo fator refere-se à mão-de-obra barata que, nas regiões periféricas, é abundante, embora não qualificada. Para setores intensivos em mão-de-obra, basta um mínimo de qualificação.

Outros autores defendem a interpretação de que as mudanças tecnológicas, inseridas no bojo da reestruturação produtiva, tendem a reforçar o processo de reaglomeração no Sudeste brasileiro, em particular nos municípios dotados de boas condições locacionais (DINIZ, 2000). Por mais correta

que seja essa interpretação, não se pode negar a existência de um processo de desconcentração industrial nos anos 1990. Essa desconcentração dá-se pela relocalização de empreendi- mentos, frutos de novos investimentos, ou relocalização de unidades fabris, com o intuito de absorver os incentivos fiscais, ou reduzir custos com mão de obra.