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A avaliação do desempenho docente e a garantia da qualidade do ensino.

4.ª geração da avaliação

2. Finalidades da Avaliação do Desempenho Docente: Melhoria e/ou Controlo

2.2. Necessidade de Prestar Contas do Ensino e seus Resultados

2.2.1. A avaliação do desempenho docente e a garantia da qualidade do ensino.

A avaliação do desempenho docente e das organizações escolares é hoje uma necessidade inquestionável que emerge das políticas de descentração e descentralização, seguidas por diversos estados, e da pressão no sentido da melhoria da qualidade da educação e da exigência da prestação de contas do ensino e seus resultados. Desde então, não só a avaliação do desempenho docente e das escolas, como também a qualidade da educação, a qualidade docente e a qualidade do ensino são temas de crescente preocupação em muitos sistemas educativos, constituindo objetivos nucleares das reformas educativas a nível nacional e internacional, apesar de a preocupação pela qualidade, na educação como em outros sectores de atividade, existir desde sempre (Barroso, 1997; Darling-Hammond & Falk, 1997; Fialho, 2009; Garrido & Fuentes, 2008; Langer, 2002).

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A qualidade constitui, aliás, um dos temas mais recorrentes na evolução do próprio pensamento filosófico. Do ponto de vista filosófico a qualidade é, em sentido lato, tudo o que determina qualquer sujeito, seja substancialmente (qualidade substancial), seja acidentalmente (qualidade acidental). Esta distinção encontra-se também no campo semântico sendo possível encontrar neste vocábulo duas categorias de sentido: na primeira, de tipo descritivo, a qualidade é um atributo (sentido particular) ou uma essência determinante (sentido geral); na segunda, de tipo normativo, a qualidade exprime um valor relativo, um “grau de excelência” e é utilizada na formulação de juízos não quantificados (Barroso, 1997).

Este breve desvio pelos sentidos do vocábulo “qualidade” é importante para evidenciar que é difícil explicar a noção de qualidade e a forma como se poderá alcançar a qualidade da educação, dos docentes ou do ensino, pois trata-se de um vocábulo que pode significar coisas diferentes, quer na mesma época, quer ao longo da história, dependendo do enfoque, dos pressupostos e dos resultados que lhe estão subjacentes (Barroso, 1997; Estrela, 2015a; Flores et al., 2010; Goodwin, 2010).

Aquilo que é, por exemplo, uma boa ou má escola, tem variado no tempo, e a História da Educação está repleta de sucessivas críticas de pedagogos, políticos, ensaístas, à qualidade do ensino, defendida, ou praticada, por outros (Barroso, 1997).

Como salienta, a este propósito, Berrio (1988):

A busca da qualidade, não é uma questão só de agora, das gentes da nossa geração que estão no poder (poder económico, político, ideológico ou moral). (…) O que sucede, agora, como já sucedera na história mais remota, é que cada grupo no poder teve um conceito determinado da qualidade. Uma ideia distinta do que era uma educação de qualidade. E quando os conceitos não coincidiram formularam-se sempre, em privado ou público, diferentes juízos sobre a qualidade educativa dos outros. (p. 44)

O acentuar da crise financeira, social e axiológica que, sobretudo a partir da década de 70 tem vindo a afetar as sociedades industrializadas, a influência dos modelos economicistas na conceção do ensino e das instituições escolares, a necessidade de racionalizar e rentabilizar os custos cada vez mais elevados dos sistemas educativos, a pressão dos fatores económicos numa sociedade cada vez mais instável e competitiva, bem como o peso dos problemas sociais daí resultantes, terão levado a que, um pouco por todo o mundo, a problemática da qualidade, se tenha tornado num dos temas

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centrais dos discursos dos governantes e dos educadores (Barroso, 1997; Estrela, 2015a).

Mas, falar de qualidade implica saber o que se entende por qualidade, pois o modo como se entende esse conceito condiciona a forma de avaliar a sua concretização no terreno. Para avaliar a qualidade é necessário que se tenha um conjunto de instrumentos e um referente, ou seja, só se pode avaliar a qualidade se for definido um referencial que permita explicitar indicadores de qualidade. No entanto, no campo educativo, devido à complexidade inerente aos fenómenos educativos, torna-se particularmente difícil encontrar referenciais que sejam consensuais, pois tal como os fenómenos educativos também os referenciais são complexos e multidimensionais, se os remetermos para tomadas de posição de caráter filosófico, epistemológico, científico e técnico (Estrela, 2015a).

A definição do conceito de qualidade educativa não é uma tarefa fácil e consensual. Trata-se de um problema complexo, pois a qualidade de um sistema tem de ser entendida de forma dinâmica, exigindo aproximações e reformulações sucessivas, não se compadecendo com definições simples e reducionistas (Barroso, 1997; Estrela, 2015a; Goldrick, 2002).

Autores como, por exemplo, Darling-Hammond (2007) tentam esclarecer os conceitos de qualidade docente e de qualidade do ensino, mostrando a complexidade inerente à definição de tais conceitos. Esta autora considera que os dois conceitos, embora estejam relacionados, não têm o mesmo significado, como a seguir se explicita.

A qualidade docente refere-se ao conjunto de traços pessoais, destrezas, disposições comportamentais e perspetivas que o professor traz para o ensino. Com base numa investigação sobre eficácia docente, a autora identificou um conjunto de qualidades que caracterizam um bom professor, nomeadamente a capacidade de comunicação, o domínio do conhecimento do conteúdo e do conhecimento pedagógico do conteúdo, a compreensão dos alunos e da sua aprendizagem e desenvolvimento. Identificou, ainda, outras qualidades do professor que podem contribuir para que os alunos obtenham sucesso, tais como a disponibilidade para apoiar e estimular a aprendizagem dos alunos, a capacidade para ensinar de modo justo e imparcial, para adaptar o ensino às

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características e necessidades dos alunos de modo a que os mesmos obtenham bons resultados e, paralelamente, continuar a aprender ao longo da carreira.

A qualidade do ensino surge, em parte, associada à qualidade do professor (conhecimentos, destrezas, competências e disposições do professor) mas é também fortemente influenciada pelas condições em que este se realiza e pela natureza do contexto em que se insere. Para desenvolver um ensino de qualidade devem os políticos e os responsáveis educativos ter em consideração não só as qualidades dos professores, mas também a forma como se podem desenvolver contextos de ensino que lhes permitam efetivar boas práticas. Como salienta Darling-Hammond (2007) “muitas das condições do ensino estão fora do controle dos professores e dependem dos sistemas político e administrativo em que eles trabalham” (p. 5).

Se um professor não tiver determinadas condições, nomeadamente se não possuir recursos materiais e equipamentos essenciais, uma razoável dimensão das turmas, oportunidades de trabalho colaborativo, entre outras, a qualidade do ensino pode ser menor, mesmo sendo elevada a qualidade do professor. Um professor pode não conseguir proporcionar um ensino de qualidade num determinado contexto se houver um desfasamento entre os seus conhecimentos, destrezas e competências e as exigências desse contexto. Por exemplo, um professor pode ser capaz de ensinar alunos do ensino secundário e pode não ser capaz de ensinar alunos do ensino básico; pode estar preparado para ensinar alunos que não tenham dificuldades e não ser capaz de ensinar alunos com dificuldades (Darling-Hammond, 2007).

Neste sentido, Flores et al. (2010) salientam que,

a questão da qualidade constitui, assim, um construto complexo, multifacetado e pessoal que reflete determinadas visões da aprendizagem e do papel do professor e do aluno (e de outros agentes educativos) e que depende do contexto específico onde professor e aluno interagem. Embora existam tentativas para definir padrões objetivos gerais de referência para avaliar a qualidade dos professores, a sua dimensão subjetiva não pode ser ignorada e esta tem implicações na (re)definição do profissionalismo docente. (p. 21)

Avaliar é, como já atrás salientámos, outro conceito controverso e difícil de definir, em relação ao qual existem perspetivas muito diversas e até mesmo contraditórias, o que torna ainda mais polémico o conceito de qualidade. Para avaliar a qualidade em

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educação o que podemos fazer? Podemos observar as práticas dos professores e compará-las com outras ou com propostas do que é ser um bom professor (outra situação que encerra dúvidas e equívocos)? Para avaliar/comparar a qualidade em educação e a qualidade docente são vários os instrumentos e processos a que podemos recorrer, nomeadamente: a prática pedagógica; a capacidade de comunicação; a criatividade; a relação pedagógica com os alunos; os métodos/meios/recursos pedagógico-didáticos utilizados. Mas, como vamos fazer essa avaliação? O mesmo professor pode ter êxito numa turma e não ter numa outra, ainda que se dedique às duas turmas com o mesmo empenho e apesar de se pautar pelas características pessoais da comunicação, da criatividade, da empatia, entre outras. Quer isto dizer que o professor foi um bom professor numa turma e não o foi noutra? O êxito do professor não depende apenas das capacidades que consegue mobilizar, mas também do contexto em que se insere. O desempenho do professor depende de muitos fatores, nomeadamente das características sócio-económicas e culturais dos alunos, dos meios disponíveis e utilizados, das condições físicas da escola ou da natureza do meio envolvente. Comportamentos, motivações, expetativas e aprendizagens são influenciados pelo capital social e cultural diferenciado inerente a cada aluno, pois a linguagem, assumida como uma arma e um pilar em que assenta toda a apropriação do conhecimento, tornar- se-á sempre uma mais-valia para aquele que consegue intervir em qualquer registo social de acordo com a sua competência linguística e pelas suas características económicas, bem como pelas condições da escola ou pela natureza do ambiente. Afinal, um aluno tem mais ou menos sucesso consoante se identifica mais ou menos com os interesses e as características de um professor, tais como a semelhança das linguagens utilizadas pelo professor e por ele e os seus pais, a forma de se vestir, entre outros. Abordar o conceito de qualidade em educação é complexo porque são vários os fatores, de natureza subjetiva e, por isso, difíceis de avaliar, que condicionam os processos individuais e sociais, como é o caso da aprendizagem (Estrela, 2015a; Flores et al., 2010; Garrido & Fuentes, 2008; Santos, 2002).

Apesar de a qualidade ser difícil de conceber, de definir, de operacionalizar e de avaliar (Estrela, 2015a), muitos estudos evidenciam o papel determinante da qualidade docente para a melhoria da qualidade do ensino e para o sucesso das aprendizagens e dos resultados escolares dos alunos (Goldrick, 2002).

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Neste sentido, os normativos vigentes (Decreto-Lei n.º 41/2012, de 21 de fevereiro e Decreto-Regulamentar n.º 26/2012, de 21 de fevereiro) pretendem fazer da avaliação do desempenho docente, uma oportunidade ao serviço do desenvolvimento profissional dos docentes, visando a melhoria da sua prática pedagógica, a melhoria do ensino, a melhoria dos resultados escolares dos alunos e em sentido lato, a melhoria da qualidade do serviço público da educação (como já antes referimos no Ponto 2.1.1.), mas visa também a prestação de contas sobre os resultados obtidos na lógica da accountability (responsabilização) e de construção do serviço de qualidade das escolas.

2.2.2. A avaliação do desempenho docente e o conceito de bom