• Nenhum resultado encontrado

4.ª geração da avaliação

3. Modelos de Avaliação do Desempenho Docente

A problemática da avaliação do desempenho docente está diretamente relacionada e dependente do modelo ou modelos que lhe estão subjacentes. Partindo deste princípio, consideramos pertinente começar por tentar esclarecer o que são “modelos” ou, de um modo mais específico, o que são “modelos de avaliação”.

Capítulo 1

62

Ao consultar o Dicionário Houaiss, da Língua Portuguesa, editado em 2003, o termo modelo surge na página 5559, com uma vasta diversidade de significados, conforme a área a que se refere.

Os modelos são “representações de aspetos de uma teoria, que ajudam a compreender e a construir a teoria, não podendo, por isso, utilizar-se o termo modelo como sinónimo de teoria” (Simões, 2002, p. 31).

Os modelos têm três caraterísticas fundamentais: a abstração, a polissemia e a regulamentação.

a) A abstração

- os “modelos” são definidos, de um modo geral, como construções

abstratas, sem conteúdo normativo explícito. b) A polissemia

- os “modelos” adquirem um significado diferente conforme, por exemplo, o campo epistemológico em que nos situamos: no caso das ciências da natureza, o “modelo” é uma representação reduzida da realidade no sentido de um “modelo matemático”, isto é, é um modelo- produto; nas ciências humanas, modelo é sinónimo de “esquema” no sentido de resumo de um discurso; nas ciências da educação, a palavra modelo surge como uma construção figurada da própria realidade. c) A regulamentação

- os “modelos” funcionam como uma “norma”, subjacente à qual estão sempre opções axiológicas, políticas e epistemológicas. Neste sentido, nenhum “modelo” será neutro; pelo contrário, transporta uma visão do mundo que se propõe concretizar e dar forma. (Machado, 2009, p. 51) No que se refere aos modelos de avaliação, podemos considerá-los como “uma conceção, uma perspetiva ou um método de fazer avaliação” (Scriven, 1981, p. 34). Os diferentes modelos de avaliação constituem-se como respostas às intenções que presidem à avaliação, o que Hadji (1994) chama de “intenções dominantes” (p. 149). São os propósitos previamente definidos que vão determinar tanto o objeto de avaliação como o modelo a utilizar (Simões, 2002).

Segundo Martins (2013),

um modelo de avaliação constrói-se em consonância com uma teoria, uma linha de pensamento previamente estabelecida, ou seja, de acordo com uma multiplicidade de critérios que derivam dessa mesma teoria ou que

Capítulo 1

63

simplesmente lhes são adicionados em função das exigências daqueles que “encomendam” e pretendem implementar o modelo. (pp. 64-65)

Relativamente aos modelos de avaliação do desempenho docente, não sendo nosso propósito enumerar ou explicar todos os preconizados na literatura, apresentam-se de seguida, aqueles que consideramos pertinentes para a construção do quadro de referência desta investigação.

Day (2012) apresenta-nos dois modelos de avaliação do desempenho de professores, que relacionam o tipo de avaliação realizado com as conceções que subjazem ao ensino: o modelo de processo e o modelo de produto.

• O modelo de processo focaliza-se no processo de trabalho dos professores, com o objetivo de originar ideias que os professores possam utilizar para aperfeiçoar o seu desempenho. Este modelo de avaliação reforça a cultura profissional dos docentes, procura estimular uma aprendizagem eficaz por parte dos mesmos, bem como o seu desenvolvimento profissional e tende à mudança, à melhoria sistemática, à excelência.

• O modelo de produto centra-se no resultado do trabalho do professor, com o objetivo de criar uma base de informações, global e atualizada, sobre o desempenho do professor, para uso das autoridades educativas locais e dos órgãos administrativos. Esta base de informações será utilizada para atingir os objetivos da avaliação, nomeadamente a melhoria dos padrões profissionais através de diversas recomendações, tais como a promoção, o aperfeiçoamento ou a formação. Este modelo espelha a cultura administrativa dos responsáveis governamentais ou das autoridades educativas.

Day (2012) é um fervoroso defensor do modelo de processo e explicita da seguinte forma a sua noção de modelo centrado no processo, com um cariz eminentemente formativo:

Os sistemas de avaliação devem reforçar as capacidades dos professores para uma ação responsável e autónoma. Uma das formas de o conseguir é optar por um modelo de processo, em vez de um modelo de produto, como estratégia central da avaliação dos professores. (pp. 99-100)

Capítulo 1

64

Esta forma de avaliação é mais consentânea com a autonomia, com a reflexão, com a formação e aprendizagem permanente dos professores que esperam esquemas de avaliação simples, evolutivos e dinâmicos, apoiados em documentação simples, assistidos por formação e informação adequada e construídos numa perspetiva organizacional, sem gerar qualquer tipo de atrito no corpo docente. O professor tem de estar recetivo à mudança visando o seu aperfeiçoamento profissional. Todavia, em muitos países o que prevalece é o modelo de produto, o que acaba por ser compreensível, tendo em conta um mundo, em avançada fase de globalização, em que a competição é a palavra de ordem, pautando-se a educação e a formação dos alunos e também dos professores pelos resultados que conseguem obter em concorrência com os outros (Day, 2012).

Estes dois modelos de avaliação do desempenho de professores, e as conceções de ensino que lhes são intrínsecas, podem ocorrer individualmente ou podem coexistir num mesmo sistema de ensino, sem que daí resulte confronto ou prejuízo para o funcionamento do mesmo.

Shinkfield (1995) defende que um modelo de avaliação do desempenho docente deve partir dos seguintes princípios:

1. A avaliação deve, para além de uma prestação de contas, fazer também parte do processo educativo interno inerente a cada escola.

2. A implementação do desenvolvimento profissional apenas é possível no âmbito de uma perspetiva construtivista.

3. A existência de uma relação de respeito mútuo entre avaliados e avaliadores. 4. Para implementar um plano de avaliação de professores é necessário, a priori,

existirem consensos entre os vários intervenientes sobre a missão da escola bem como sobre a divisão de tarefas.

5. A autoavaliação dos professores tem um papel preponderante no processo. O modelo de Shinkfield, apesar de ser um modelo com propósitos eminentemente formativos quer no aperfeiçoamento das competências dos professores quer numa relação de confiança entre os professores e os diretores, apresenta alguns propósitos

Capítulo 1

65

sumativos orientados para a constatação de competências mínimas e deveres dos professores, que indiciam a responsabilidade profissional dos mesmos.

Baseando-se tendencialmente nas dimensões que orientam o ato avaliativo, Garrido e Fuentes (2008) e Sanches (2008), apontam quatro modelos do desempenho de professores com diferentes enfoques:

1. Centrado no perfil do professor. Neste modelo a avaliação do desempenho docente é feita com base num perfil previamente definido, tomando em consideração o que se julga ser um professor ideal, o qual corresponde, em regra, a um professor inexistente, a algo alegórico, difícil de conseguir através da formação disponibilizada, sendo débil a relação entre as caraterísticas definidas no perfil e os resultados escolares dos alunos.

2. Centrado nos resultados escolares. Com este modelo procura-se avaliar o desempenho docente a partir das aprendizagens e dos resultados alcançados pelos alunos; uma das críticas que lhe é apontada prende-se com o facto de descurar outros fatores com impacto na qualidade das aprendizagens ao transformar o professor em responsável absoluto pelo sucesso dos seus alunos. 3. Centrado no comportamento do professor na sala de aula. Este modelo constitui uma integração dos dois primeiros modelos. Pressupõe que a avaliação do desempenho se realize através da identificação dos comportamentos do professor relacionados com os resultados escolares dos alunos, como, por exemplo, a sua capacidade para criar na aula um ambiente favorável à realização das aprendizagens pelos alunos. A crítica a este modelo refere-se aos aspetos negativos consequentes da subjetividade do avaliador, o que o levaria a recompensar ou a prejudicar o avaliado por razões alheias à eficácia do professor.

4. Modelo da prática reflexiva. Este modelo enfatiza uma avaliação de caráter formativo, visando a melhoria da prática do professor através de uma reflexão

na ação, sobre a ação e sobre a reflexão-na-ação (Schӧn, 1992) para apurar os

êxitos, os fracassos ou os aspetos que é necessário alterar na ação docente. Este modelo visa, por um lado, promover o desenvolvimento profissional dos

Capítulo 1

66

professores e, por outro, efetivar o controlo necessário à tomada de decisões sobre afastamentos ou promoções na carreira docente.

No seu estudo sobre avaliação do desempenho e carreira profissional docente em 50 países da América e da Europa, Torrecilla (2006) identificou cinco modelos de avaliação do desempenho docente: autoavaliação, casuístico, desenvolvimento profissional, incremento salarial e subida de escalão com incremento salarial. No primeiro caso, privilegia-se a autoavaliação do professor, articulando-a com a avaliação da escola, como é o caso do modelo da Finlândia; o modelo seguinte realiza a avaliação de desempenho docente apenas em situações esporádicas, como em situações para obtenção de uma licença de estudo ou para a candidatura a cargos de direção, como acontece em Espanha; o modelo centrado no desenvolvimento profissional utiliza a avaliação como fator de desenvolvimento profissional, mas sem qualquer influência na vida profissional do professor, tal como acontece na Califórnia; o quarto modelo utiliza a avaliação como fator de incremento salarial, o que ocorre no Chile e na Roménia; por fim, o modelo centrado na subida de escalão com incremento salarial orienta a avaliação para a subida de escalão, pratica-se na Colômbia e no Reino Unido.

Em seguida apresenta-se um quadro-síntese destes tipos de modelos de avaliação do desempenho docente.

Quadro 4

Quadro-síntese de Modelos de Avaliação do Desempenho (Baseado em Sanches, 2008, p. 174)

Modelo Caraterísticas

Autoavaliação

• Não há avaliação externa dos professores.

• A avaliação de desempenho está integrada na avaliação de escola e é sistemática.

• Ênfase na autoavaliação (da escola e do professor).

• O estado fomenta uma cultura de avaliação, propondo modelos e recursos que a escola, no uso da sua autonomia, escolhe.

Casuístico

• A avaliação ocorre apenas em circunstâncias especiais (acreditação de candidatos a cargos de gestão).

• A avaliação é realizada por entidade externa.

Desenvolvimento profissional

• Articulação da avaliação de desempenho com os progressos dos alunos a partir da fixação de standards.

• A avaliação é realizada por entidade externa.

• A avaliação é anual e inclui sugestões de melhoria e eventualmente um plano de formação profissional.

Capítulo 1

67

Incremento salarial

• A avaliação é externa e periódica.

• Os melhores resultados da avaliação determinam percentagens variadas de aumento de vencimento.

Subida de escalão com incremento salarial

• A avaliação é externa e sistemática.

• Os resultados da avaliação determinam decisões como permanência no escalão, subida de escalão, afastamento do serviço e um plano de desenvolvimento profissional como base da avaliação do ano seguinte.

Como se pode constatar, os critérios subjacentes à identificação destes cinco modelos estão relacionados com o tipo de avaliador (interno ou externo à escola), a periodicidade da avaliação, o papel do estado ou da escola, os efeitos da avaliação do desempenho e a relação desta com o desenvolvimento profissional do professor.

Outros autores, como Amelsvoort et al. (2009) e Stronge (2010), focando diferentes modalidades de avaliação, apresentam uma outra classificação dos modelos de avaliação do desempenho docente: o modelo accountability (responsabilização) orientado para a prestação de contas, o modelo de desenvolvimento profissional, orientado como o próprio nome indica para o desenvolvimento profissional e o modelo misto, orientado para a prestação de contas e para o desenvolvimento profissional. O modelo accountability é um modelo orientado sobretudo para uma avaliação sumativa, tendo como finalidade recolher informação e evidências para uma lógica de prestação de contas. Nesse sentido, visa medir os desempenhos dos avaliados servindo a pontuação obtida para os posicionar numa escala de avaliação. O avaliador deverá ser um professor sénior, ou seja, com experiência profissional superior à do avaliado. Neste modelo de avaliação do desempenho docente o avaliador assume a postura de examinador e observador, tendo como procedimentos de avaliação: a entrevista prévia, a recolha de informação e a entrevista final. Numa primeira etapa da avaliação, avaliador e avaliado devem reunir-se e negociar os domínios em que irá incidir a avaliação, tendo em conta o serviço distribuído ao avaliado. Em seguida, o avaliador recolhe informação acerca do desempenho do avaliado, o que pressupõe um acompanhamento do mesmo, e compara os indicadores de desempenho deste com os definidos pela escola. No final do processo, avaliador e avaliado devem reunir-se de novo para discutir os resultados da avaliação e para que seja dado ao avaliado feedback

Capítulo 1

68

sobre o seu desempenho, devendo ser apresentados os aspetos positivos do desempenho e, se for caso disso, indicados os aspetos em que é necessário melhorar.

O modelo de desenvolvimento profissional é um modelo orientado para uma avaliação formativa, sendo concretizado através da recolha e produção de informação, visando produzir juízos de valor no sentido de contribuir para o desenvolvimento profissional dos professores. O avaliador assume uma postura de parceiro e colaborador, podendo também ele aprender a partir da experiência do avaliado. Os procedimentos de avaliação são os mesmos do modelo de accountability, contudo, o resultado da avaliação é descritivo, não sendo valorizada a componente quantitativa do resultado, mas sim a qualitativa. De acordo com uma avaliação do desempenho de professores para o desenvolvimento profissional deveria assegurar ao professor supervisionado feedback sobre o seu desempenho, bem como o seu contributo para a escola, resultando numa avaliação estritamente qualitativa e na elaboração de um plano de desenvolvimento profissional, que passaria a integrar os registos profissionais do professor (Amelsvoort

et al., 2009).

O modelo misto é um modelo orientado para uma avaliação quer formativa quer sumativa e tem como propósito, através da informação obtida, produzir juízos de valor que possibilitem o desenvolvimento profissional e também a prestação de contas. O modelo misto é um modelo que procura, por um lado, privilegiar a qualidade do desempenho do professor e, por outro, garantir que são asseguradas as necessidades de desenvolvimento profissional do docente, ao longo da sua carreira (Stronge, 2010). Este autor defende, na avaliação do desempenho docente, uma profícua combinação entre o desenvolvimento profissional e a prestação de contas, salientando que a articulação entre estes dois propósitos pode ser facilitada por um “feedback significativo, assim como apoios e recursos adequados” (p. 28). O mesmo autor refere que os três elementos-chave de um sistema da avaliação do desempenho de professores de qualidade são: a comunicação, o comprometimento organizacional e a colaboração. Estes elementos essenciais “apoiam a criação de sinergias, que podem elevar a avaliação a um diálogo significativo sobre a qualidade do ensino” (p. 31). Amelsvoort et

al. (2009) acrescentam que “os resultados da avaliação para a progressão na carreira

Capítulo 1

69

professor e fornecer um feedback útil para a melhoria dos processos de avaliação para o desenvolvimento” (p. 4).

Tendo em conta as características dos modelos supracitadas, e ao efetuarmos uma leitura diacrónica dos modelos de avaliação do desempenho docente, verificamos que existe uma especificidade em cada um deles no que se refere ao objeto, ao momento, aos atores e aos instrumentos, os quais estão relacionados com a atividade da própria avaliação e com os propósitos relativos à prática social (Hadji, 1994).

A referenciação histórica permite asseverar a coexistência de modelos de avaliação do desempenho docente profusamente relacionados com as transformações económicas, políticas e sociais, com efeito nas práticas avaliativas. Como refere Machado (2008) “a avaliação tende a situar-se crescentemente no âmago do paradoxo das políticas educativas atuais: responder à pressão da perfomatividade, dos resultados, da competitividade, da meritocracia, mas sendo, igualmente, um instrumento de regulação equitativa” (p. 187).

Na nossa perspetiva, a avaliação do desempenho docente deve não só incentivar e estimular o desenvolvimento profissional dos professores, potenciando e credibilizando as suas competências científicas, pedagógicas e profissionais através de processos sistemáticos e deliberados de regulação, com vista a melhorar o ensino e as aprendizagens dos alunos, mas também possibilitar a recolha de informações e evidências que permitam a tomada de decisões para a gestão de recursos humanos.