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Observação, análise e reflexão sobre a prática pedagógica.

Supervisão visa

4.3. Estratégias de Supervisão Pedagógica na Avaliação do Desempenho

4.3.1. Observação, análise e reflexão sobre a prática pedagógica.

Rodrigues e Peralta (2008) sinalizam a correlação positiva, que alguma investigação tem identificado, entre a qualidade da atividade docente e os resultados dos alunos. Também a OCDE (2013b) frisa, no seu relatório Teachers for the 21st century: Using

evaluation to improve teaching, que a qualidade dos professores influencia o sucesso

académico dos alunos e que os resultados obtidos pelos alunos são o critério essencial para o sucesso de um sistema de ensino.

Estando em alta a constatação de que a qualidade docente influencia os resultados dos alunos, uma abordagem rigorosa da avaliação do desempenho docente terá de incluir a observação de aulas, pois é neste espaço primordial, palco por excelência do professor, que a ação docente se concretiza (CCAP, 2011b; Matthews, Klaver, Lannert, Conluain & Ventura, 2009; OCDE, 2009a, 2013b). Como salientam Amelsvoort et al. (2009):

a avaliação do desempenho do professor, tanto para o desenvolvimento como para progressão na carreira, deveria ser rigorosamente fundamentada pela observação de aulas, visto que é na sala de aula que são aplicadas e exercidas as dimensões chave do desempenho docente. (p. 6)

Parece-nos, assim, oportuno proceder a uma breve clarificação do conceito de observação e de observação de aulas.

Uma definição bastante completa do conceito de observação é a apresentada por De Ketele (1980). Para este autor “observar é um processo que inclui a atenção voluntária e a inteligência, orientado por um objetivo terminal ou organizador e dirigido sobre o objeto para dele recolher informações” (p. 27). Além disso, como refere Gonçalves (2002) “trata-se de um processo e não de um mecanismo simples de impressão como a fotografia…” e “se soubermos observar saberemos compreender; se soubermos compreender saberemos intervir e se soubermos intervir saberemos melhorar” (p. 229). Mas, o sentido atribuído à observação tem mudado ao longo dos tempos. Na vigência do paradigma positivista, observar significava recolher dados, através de instrumentos

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estruturados e teoricamente controlados, de uma forma neutra e distanciada, sendo apenas considerado o visível, ou seja, o que pode ser observado do exterior e em exterioridade. O aparecimento do paradigma qualitativo e o desenvolvimento das ciências sociais vieram alterar aquele entendimento. A observação passou a integrar o próprio observador, concebido como o primeiro e último instrumento de observação (Rodrigues, 1997). No quadro das metodologias qualitativas a observação não se circunscreve ao visível, como refere Rodrigues (1997),

trata-se de um olhar implicado, participante e não do olhar distante e frio da observação sistemática. Acredita na possibilidade de tornar visível aquilo que é invisível, mediante um esforço descritivo de centração no aqui e agora, e de vaivém entre o diretamente observável e o induzível. (p. 130) Para compreender o fenómeno através desta observação é necessário que o investigador ancore nas significações que os atores no terreno atribuem às suas ações ou às ações dos outros. As significações procuradas pela pesquisa não são diretamente observáveis. Correspondem a traduções que o investigador faz, com base no que ele pode apreender das palavras do sujeito buscando o sentido pesquisado. Para aceder ao pensamento dos sujeitos o investigador recorre fundamentalmente à entrevista semidiretiva, de natureza fenomenológica ou etnográfica, sendo a tradução das palavras desses sujeitos suportada na análise de conteúdo (Bardin, 2009; Ghiglione & Matalon, 2001; Rodrigues, 1997; Wragg, 1984).

Passando para o fenómeno educativo, também este comporta muitos aspetos cuja visibilidade não é direta. As crenças, os valores, as expetativas, os interesses, as intenções, as interpretações, os significados atribuídos pelos sujeitos, são tão reais como um comportamento e dão fundamento a este (Rodrigues, 1997).

A observação situa-se para além da perceção, organiza e torna conscientes as sensações. Em contexto educativo:

El ato de observación es un processo intelectual. Para mostrar la importancia cada vez mayor que tiene la inteligencia en la percepción, y por lo mismo en la observación, Piaget (1967) subraya el seguinte hecho: al comparar el peso de dos sobres de formatos diferentes, tenemos tendencia a subestimar el más pequeño. (Postic & De Ketele, 1988, p. 19)

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É neste campo de ação que o modelo de caracterização de situações educativas apresentado por Estrela (1992) se pode incluir. No âmbito deste modelo, a observação da realidade educativa é-nos proposta a partir de três importantes fases de recolha de dados, através de uma vasta diversidade de métodos e técnicas de observação (da observação naturalista à sistemática e à participante, do teste sociométrico a técnicas projetivas, da entrevista fenomenológica ao questionário…) e de uma multiplicação dos níveis de abordagem do real (do mundo objetivo dos comportamentos ao mundo pessoal e invisível dos sujeitos). A seguir às fases de recolha vem o outro grande momento do desenvolvimento deste modelo que consiste na análise dos dados.

A primeira fase de recolha (que se pode desenrolar simultaneamente com outras fases de recolha ou até de análise) procura, com base na aglomeração de elementos, desenhar a “macroperspetiva” contextual do campo a estudar. A segunda fase consiste na apreensão das manifestações observáveis do sujeito, concebido como sujeito em situação, procurando observar as ações dos sujeitos envolvidos e privilegiando as suas intenções, representações, significados, o que constitui a terceira fase da recolha de dados. A análise é entendida como uma operação de levantamento progressivo do oculto e do subjacente. Na análise o autor, utilizando a técnica da redução fenomenológica dos dados, vai sobrepondo os “planos de significado e de intenção dos sujeitos intervenientes”, contextualizando-os, de forma a fazer emergir sínteses interpretativas, caracterizações das situações estudadas (Estrela, 1976, p. 23, citado por Rodrigues, 1997).

Tendo em conta um objeto de observação específico, que é a aula, Gonçalves (2010) salienta que

observar uma aula se traduz na competência de exercício de um processo com a função de analisar para avaliar, de forma formativa e/ou classificativa, um processo/produto (a aula observada) que é resultado do “jogo” de atores (observador, professor e alunos) condicionados por um conjunto de circunstâncias psicológicas, ecológicas e infraecológicas. (p. 62)

O processo de observação, em particular o processo de observação de aulas, é complexo e subjetivo. Para ser eficaz é importante, por um lado, ter presente que as vivências que cada observador transporta, bem como as condições sociais marcadas por fatores diversos, como fatores históricos, culturais e económicos, determinam o modo como

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observa a realidade. A realidade, como objeto, é assim única para cada um. É, também, necessário ter em conta que a infraecologia em que o processo de observação de aulas se desenvolve é um ambiente onde se cruzam três tipos de relações interativas e condicionantes da natureza e da qualidade dos comportamentos/ações apresentados/as na sala de aula: as relações observador/professor; observador/alunos; e professor/alunos, com todas as experiências vividas por cada um destes atores. Por outro lado, o processo de observação de aulas implica ter um profundo conhecimento do objeto de avaliação para em consequência definir os instrumentos de registo, de modo a não fazer juízos/avaliações que possam vir a ter consequências injustas. Por conseguinte, o processo de observação de aulas tem de ser planeado de uma forma adequada, passando por várias etapas e procedimentos, tendo em conta a justiça, a equidade e o contexto (Gonçalves, 2010).

Retomamos aqui o modelo de supervisão clínica, pois como acentuam Vieira e Moreira (2011) “não é possível falarmos em observação de aulas como estratégia de supervisão e desenvolvimento profissional sem nos referirmos ao modelo de supervisão clínica” (p. 28).

As autoras certificam que o modelo de supervisão clínica é “aquele que, no contexto da avaliação de desempenho, pode apoiar a observação de aulas e a reconstrução das práticas dos professores” (p. 29).

De acordo com as mesmas autoras, a observação de aulas deverá cumprir vários princípios, nomeadamente:

• As funções prospetiva e retrospetiva do ciclo de observação devem garantir processos de descrição, interpretação, confronto e reconstrução de práticas, reforçando as dimensões colaborativa, experimental e investigativa da regulação dos processos de ensino e aprendizagem. • A observação é fortemente condicionada por fatores do observador

(experiência prévia, expetativas, teorias práticas do ensino e da supervisão…), importando formar os professores na observação a fim de garantir o seu envolvimento crítico nos encontros prévios e posteriores às aulas observadas.

• Os objetivos e formas de observação devem ser negociados com o professor observado, de modo a garantir a sua transparência e relevância; o modo como se observa não é independente do objeto da observação, ou seja, o segundo deve determinar, pelo menos parcialmente, os parâmetros

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de observação mobilizados, o que releva as dimensões didática e focalizada da observação.

• O caráter situacional da observação obriga o observador ao conhecimento dos contextos como condição de compreensão do que observa, da negociação de perspetivas e da relevância do seu papel no desenvolvimento profissional do professor.

• O ciclo de observação deve ser objeto de regulação, sobretudo pela avaliação participada da sua eficácia no desenvolvimento profissional do professor.

• A observação não é uma estratégia de avaliação do professor, mas sim de regulação colaborativa de práticas, devendo motivar a construção de uma visão intersubjetiva das metas e processos da educação escolar. (pp. 30- 31)

Estes princípios apontam para a participação do professor supervisionado no que se refere à definição de objetivos, enfoques, estratégias e instrumentos de observação, devendo também a recolha e análise da informação ser colaborativas, de forma a potenciar a dimensão dialógica e formativa da observação, que assegurem a legitimidade de uma avaliação colocada, prioritariamente, ao serviço do desenvolvimento profissional do professor e de uma regulação democrática do trabalho docente, visando a melhoria e a reconstrução das práticas dos professores (Moreira, 2011; Vieira & Moreira, 2011).

No entanto, o professor não tem sido preparado para se auto-observar e, menos ainda, para ser alvo da observação dos seus pares ou de investigadores externos, sendo a sala de aula muitas vezes percebida como um local privado, onde só o professor e os seus alunos entram (Rodrigues, 1997). Amelsvoort et al. (2009) acrescentam que “nas escolas não há uma cultura de observação de aulas nem uma tradição de avaliação por pares, nem de prestação de feedback do trabalho realizado nem tão pouco de partilha de boas práticas” (p. 1).