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2 QUESTÕES A PENSAR SOBRE O ENSINO DE LITERATURA

2.1 O QUE NOS DIZEM OS DOCUMENTOS OFICIAIS?

2.1.4 A Base Nacional Comum para a Formação Inicial de professores

Assim como a BNCC da Educação Básica, a BNC-Formação adota as competências como orientadoras para a organização dos conteúdos curriculares a serem trabalhados nas IES e propõem as competências gerais docentes, as específicas e as habilidades que o licenciado deve ter no seu processo de formação, considerados necessários ao professor da atualidade. A competência do professor, na perspectiva do documento, ultrapassa a visão tradicional daquele que tem o domínio do saber conceitual e da capacidade transmissiva para, além desses, desenvolver o domínio relacional, a habilidade de conviver na diversidade das situações de sala de aula e estar comprometido com o seu fazer profissional. Para ilustrar tal compromisso, no seu Art. 8º sobre os fundamentos pedagógicos, Inciso II, orienta para o compromisso com metodologias inovadoras e dinâmicas formativas que propiciem aprendizagens significativas e contextualizadas, o desenvolvimento da autonomia, o exercício do trabalho coletivo e interdisciplinar, a análise dos desafios da vida cotidiana e em sociedade, buscando soluções práticas (BRASIL, 2019).

Também como competência geral docente destaca-se a competência 3: “valorizar e incentivar as diversas manifestações artísticas e culturais, tanto locais quanto mundiais e a participação em práticas diversificadas da produção artístico- cultural para que o estudante possa ampliar seu repertório cultural” (BRASIL, 2019, p. 52). Essa competência é também exigida na BNCC da Educação Básica, o que corrobora com o que a BNC-Formação afirma, no rol das competências específicas,

relativas à dimensão do conhecimento profissional, ou seja, para que os futuros docentes possam proporcionar a seus estudantes experiências de aprendizagens significativas e ativas, precisam também vivenciar tais experiências durante a sua formação (BRASIL, 2019). A essa prática o documento denomina homologia de

processos: o licenciado vivencia em sua formação os mesmos processos de

aprendizagem que ele deve desenvolver com seus alunos da Educação Básica. Esse aspecto é relevante para esta pesquisa que tem como hipótese que, se os alunos do curso de letras (licenciados para a BNC-Formação) vivenciarem práticas de leitura literária que lhes possibilitem uma experiência leitora responsiva e uma reflexão sobre seu próprio processo de letramento, estarão mais bem preparados para entender o processo de letramento de seus alunos e compreender o seu papel na formação de leitores do texto literário.

Segundo o documento, o licenciado deve incorporar as três dimensões das competências específicas sugeridas para o exercício de sua ação docente. Essas dimensões são o conhecimento profissional, a prática profissional e o engajamento profissional. O conhecimento profissional é constituído pelos saberes ou conhecimentos da área em que o licenciado irá atuar e pelos conteúdos curriculares (designados no documento como recursos intelectuais, saberes ou conhecimentos) que dão significado e sentido à prática profissional realizada em âmbito escolar, permitindo uma atuação docente autônoma. Dessa forma, o conhecimento não é mera informação; ele é adquirido na prática com a vivência dos sujeitos: tanto o conhecimento guia a prática, como a prática ressignifica o conhecimento, em um processo de reflexão-ação-reflexão, isto é, saber, agir e revisitar o saber constantemente (BRASIL, 2019, p. 44).

A prática profissional (saber fazer) constitui-se pela forma como os saberes serão trabalhados e vivenciados pelo licenciado, ou seja, é a apropriação do conhecimento pedagógico do conteúdo que será ensinado na educação básica, em situação de aulas, com foco no conhecimento e no desenvolvimento de competências, articulando os processos cognitivos e socioemocionais, como indicado na BNCC (BRASIL, 2019, p. 16). Nesse caso, a prática docente é a associação contínua entre a aprendizagem dos objetos de conhecimento (o que será ensinado) e a aprendizagem dos objetos de ensino (os procedimentos e objetivos que selecionam, organizam e avaliam os conteúdos para aprender) a qual é parte fundamental da formação e da relação permanente entre conhecimento e prática.

Nessa lógica, a prática deve estar presente desde o início da formação, consolidada nos componentes curriculares, mediante as reflexões sobre o ensino, observações na escola, estudos de caso, situações simuladas, planejamento e desenvolvimento de aulas, entre outros, de modo que contribua para a construção de saberes necessários à docência.

O engajamento profissional é considerado pelo documento como fator estruturante e fundamental para o exercício da ação docente, porque ele integra as práticas que são fundamentadas pelo conhecimento profissional, mas também são atravessadas pelos princípios e valores do sujeito. O engajamento profissional, portanto, pressupõe um compromisso moral e ético do professor consigo mesmo (desenvolvimento pessoal e profissional), com o outro (aprendizagem e pleno desenvolvimento do aluno) e o compromisso com os pares e demais atores do sistema educacional (interação com colegas, atores educacionais, comunidade e sociedade).

Essas três dimensões são fundamentais na constituição das competências profissionais dos professores, não havendo hierarquia, sobreposição ou divisão: integram-se e complementam-se na ação docente. Para o documento, “a epistemologia da prática profissional é o conjunto das ações educativas e a tomada de decisões com base no conhecimento e no engajamento profissional” (BRASIL, 2019, p. 46).

Essas práticas devem, portanto, estar presentes na formação inicial para que possam fundamentar a ação dos futuros professores. O documento já antecipa que deverá haver uma mudança considerável na estrutura didático-pedagógica do ensino superior, uma revisão da própria didática do docente formador do professor, tanto aquele que ensina os conteúdos dos componentes curriculares específicos (conteúdos que o aluno deverá ensinar quando professor da educação básica) quanto os que ministram conteúdos de educação e pedagogia. Desse modo, “o formador do futuro formador tem que ter sinergia e coerência entre aquilo que ensina e aquilo que o aluno será capaz de ensinar” (BRASIL, 2019, p. 48). E é também imprescindível que ele se aproprie das referências sobre formação como também das orientações da BNCC para a Educação Básica.

Diante dessas novidades que deverão ser incorporadas aos cursos de formação de professores, detém-se um olhar para o curso de Letras sobre como essas mudanças podem contribuir para uma formação mais voltada para os

letramentos e para a formação do leitor do texto literário. Além disso, é necessária uma avaliação sobre como as práticas de leitura literária ou o ensino de literatura ocorrem na escola, de forma a contribuir para esse letramento.

Dessa forma, faz-se uma breve apresentação sobre a importância da formação inicial de professores de Letras, na perspectiva dos letramentos e, em especial, do letramento literário para uma educação que transforme alunos leitores em sujeitos sociais críticos e responsáveis em suas práticas e atividades humanas. Para que esse fim seja alcançado, faz-se necessária uma compreensão por parte do professor em formação, mas muito mais por parte das instituições formadoras desses futuros professores sobre que competências e saberes devem ser apreendidos e também vivenciados no momento de formação.

2.2 Formação inicial do professor de língua: implicações com o