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5 CAMINHOS ANALÍTICOS DO LETRAMENTO LITERÁRIO NA

5.3 AVALIANDO O LETRAMENTO LITERÁRIO

5.3.2 O compromisso do professor de Letras na formação do aluno

Os alunos do curso de Letras também foram questionados sobre o compromisso do professor na formação do aluno leitor, e qual a expectativa sobre a sua responsabilidade nessa formação como futuro profissional. Novamente temos as respostas dadas por eles na avaliação diagnóstica (AvD, 2018) e no memorial de leitura (Memo, 2018) para analisarmos a possibilidade de uma re(configuração) dos saberes sobre a futura profissão.

Como vimos na seção anterior, Allan afirma que, assim como a escola, o compromisso principal do professor de Língua Portuguesa é “instruir o aluno em

suas leituras, atiçar a sua curiosidade em relação à leitura e especialmente mostrar a importância da leitura em nossas vidas” (AvD, 2018). Ao falar sobre esse

compromisso, ele usa um discurso interativo teórico misto, pois, embora a responsabilidade enunciativa seja dada à voz de expositor – inferível pelo uso dos verbos em terceira pessoa –, ele traz como marca de sua implicação o advérbio “especialmente”, caracterizando uma modalização apreciativa e o pronome possessivo “nossas”, que garantem o seu posicionamento ativo ao reconhecer a importância da leitura na vida do homem. Isso é confirmado no item da avaliação em que ele deve responder sobre sua expectativa, enquanto futuro professor mediador dessa formação do leitor:

“Vejo-me como um aprendiz de conhecimento, isto é, um profissional que sempre procurará novos métodos de ensino para seus alunos. Nesse momento, vejo-me incapacitado de formar um cidadão crítico e participante de práticas sociais, pois ainda estou engatinhando na universidade. Apesar disso, vejo um profissional excelente pós-formação em mim” (AvD, 2018).

“[...] não consigo me imaginar como professor de literatura, pois o que eu passarei para meus alunos? A preguiça e a falta de coragem para ler livros clássicos que são considerados ‘obrigados’ para qualquer processo de formação enquanto leitor” (Memo, 2018).

Allan responde a essa questão com um discurso interativo em que, mesmo usando verbos no presente – situando sua condição de aluno-professor, ainda incipiente, para atuar como mediador de leitores –, projeta sua atuação para o futuro de sua formação como um profissional sempre em formação, na busca de novos saberes e novas metodologias para formar cidadãos “críticos e participantes de práticas sociais”, a partir da leitura. No entanto, ao produzir o seu memorial, admite não construir, nessa projeção, o seu lugar como professor de literatura, se a escola “obriga” a leitura dos clássicos como prioridade para a formação do leitor de textos literários. Nesse último excerto, Allan também recorre ao discurso interativo, assumindo a posição de autor empírico, mas traz uma voz social, explicitada pelo uso das aspas, cuja responsabilidade pode ser atribuída à escola que proporciona o letramento literário, a partir do modelo autônomo. E, nesse movimento dialógico, Allan que traz, em sua experiência leitora, o contato com uma diversidade de textos literários, lidos fora dos muros da escola, posiciona-se em discordância a essa voz

social (COSSON, 2014b; ZAPPONE, 2008; STREET, 2013). Vale ressaltar que esse posicionamento é recorrente em toda a escrita de Allan (como já vimos nas seções anteriores).

Dalton também apresenta sua opinião sobre o papel do professor na formação de leitores e o faz a partir de um discurso teórico: “o professor tem o

compromisso de ensinar as técnicas de leituras, como interpretar e compreender textos da melhor maneira, além de levar textos para os alunos lerem e discutir [...] com os alunos em seguida. Ou seja, ‘criticar’ o texto” (AvD, 2018). E projeta sua

atuação docente:

“Me vejo como um profissional capaz de compreender diversos tipos de leitores e com opiniões diferentes. Saber respeitar as diferentes ideias de alunos levando em consideração todos os meios influenciadores, as origens dos mesmos. Esclarecer dúvidas e reforçar informações como complemento das ideias dos alunos” (AvD, 2018).

“[...] espero recuperar aos poucos o que foi perdido atrás e ser um profissional letrado e que estimule os alunos a lerem bastante e ficarem bem informados para toda a vida” (Memo, 2018).

Nessa projeção, Dalton assume, com sua voz de autor, a responsabilidade do que diz, a partir de um discurso interativo, implicando-se na fala, com o uso de verbos na primeira pessoa. O emprego do metaverbo “vejo” sugere uma operação mental feita por ele para tentar construir uma compreensão sobre sua atuação, enquanto docente na formação de leitores do texto literário, e faz uma avaliação dessa atuação usando modalizações apreciativas, traduzidas pelo emprego enfático de pronomes (“diversos tipos de leitores”, “todos os meios”, “toda a vida”), adjetivo (“diferentes”) e advérbios (“aos poucos”, “bastante” e “bem”) para reforçar a ideia do respeito à diversidade de leitores, de opiniões, de ideias e das diferenças individuais que o professor deve ter para com os alunos. Além disso, conclui com uma modalização pragmática (espero recuperar), assumindo o compromisso de se tornar um profissional que possa conseguir superar as lacunas, em seu processo de letramento, para proporcionar o mesmo a seus alunos.

É importante notarmos que se, na avaliação de seu letramento literário, atribui às instâncias promotoras desse letramento – como a família e a escola – a responsabilidade de sua condição de não leitor literário, quando Dalton faz uma reflexão sobre seu futuro, como mediador de práticas de leitura literária, é possível

vermos índices de atorialidade. Primeiro quando, na avaliação diagnóstica, apresenta como função do professor, enquanto entidade, mediar as práticas de leitura literária das quais ele não participou na Educação Básica: ler com os alunos, mostrar-lhes estratégias de leitura, entre outras; depois, quando projeta essa função para ser exercida por ele – após a sua formação. Tanto na avaliação diagnóstica quanto no memorial, toma para si a responsabilidade de tentar suprir as lacunas que os alunos possam trazer dando-lhes, portanto, o que lhe fez falta e diferença para seu letramento literário: valorização das individualidades e das diferenças dos/entre os alunos e promoção de suas práticas de leitura literária, na perspectiva do letramento ideológico (STREET, 2013).

Clarice, por sua vez, apresenta ponto de vista semelhante aos colegas, afirmando que o papel da escola “é incentivar para que o hábito de ler seja frequente

na vida da criança, para fazê-la refletir e abrir sua mente a novas possibilidades”

(Memo, 2018). Ela o faz a partir do discurso teórico, sem se implicar na fala. Entretanto, ao avaliar seu futuro trabalho docente, emprega um discurso interativo teórico misto, implicando-se e assumindo a responsabilidade da enunciação como autora empírica: “me vejo com uma grande e linda responsabilidade nas mãos, pois

o fato de participar da construção do indivíduo como leitor é algo gratificante” (AvD,

2018). Sua avaliação foca na responsabilidade de contribuir com a formação do leitor, e, para dar esse foco, lança mão da modalização apreciativa, através dos adjetivos “grande”, “linda” e “gratificante”.

Marina não faz referência ao seu futuro profissional em nenhum dos instrumentos aqui selecionados para análise. E, por ela, iniciaremos a próxima seção.