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5 CAMINHOS ANALÍTICOS DO LETRAMENTO LITERÁRIO NA

5.1 TRAÇANDO OS CAMINHOS TRILHADOS

5.2.1 Allan, um leitor “mediano”

Allan tem apenas lembranças de leituras feitas no Ensino Fundamental – anos iniciais – e na adolescência, bem como de leituras feitas fora do ambiente escolar. Enfatiza a importância da leitura literária para o desenvolvimento da criticidade dos alunos, mas não parece aprovar a leitura dos clássicos como a escola propõe. Mostra em todo o memorial e nos diários de bordo que ser professor não faz parte de seus objetivos, apesar de querer concluir o curso de Letras:

“Eu sou um leitor preguiçoso. As leituras que tive sempre foram corridas e sem muitas análises sobre os temas que os livros me apresentaram. Os livros tinham temáticas diversas como: romance, investigação policial, horror, suspense, curiosidades sobre o universo, crimes”.

“Avalio-me como um leitor mediano. O leitor competente sempre está buscando obras para ler e se preocupando em entender o principal objetivo da obra. Ele sempre interpreta o contexto histórico, social e psicológico do livro, trazendo os questionamentos de vida que o narrador nos propõe para a realidade. Todas as leituras que fiz são marcantes para mim de alguma maneira”.

“Eu leio para me tornar cada vez mais crítico sobre assuntos que sempre me permeia. Leio também por prazer, prazer de ler romances e contos de horror” (AvD, 2018, grifo nosso).

Nas sequências enunciativas acima, em que Allan se avalia como leitor, seu discurso caracteriza-se por ser interativo teórico-misto (BRONCKART, 1999). Apresenta-se com voz de autor, enfatizando a sua responsabilidade enunciativa sobre o seu perfil de leitor. Mesmo quando apresenta um discurso teórico para definir o leitor competente, introduz-se nesse discurso, utilizando-se do eu coletivo (nos) para implicar-se. Considera-se, entretanto, um “leitor mediano”, possivelmente pensando na relação entre o leitor preguiçoso, como se define inicialmente, e o leitor crítico do mundo que quer ser. O emprego da modalização “sempre”, por duas vezes, assegura a ideia de que julga importante a frequência do/no ato de ler. Tanto caracteriza o leitor preguiçoso que diz ser como é apresentada como marca que esse ato imprime no sujeito: a competência leitora. Finaliza seu texto com uma proposição de que a literatura proporciona, além do prazer de ler (romances e contos de horror), o conhecimento de mundo que leva o leitor a se questionar sobre a sua realidade.

5.2.1.1 Analisando o percurso de letramento literário de Allan

Allan apresenta em suas produções textuais uma reflexão sobre sua condição de leitor, numa avaliação gradativa: inicia, na avaliação diagnóstica, dizendo que é um leitor preguiçoso, mas que lê, mesmo não se aprofundando na produção de sentidos sobre o lido; depois se avalia como leitor mediano, ao refletir sobre o leitor competente, como aquele que sempre está buscando e interpretando o contexto socio-histórico das obras, para entender a visão de mundo do narrador e a realidade em que vive. E é como leitor competente e responsivo que ele procede, quando apresenta, no memorial de leitura, sua compreensão leitora das crônicas e dos contos lidos: “o conto me fez lembrar da vida” (Memo, 2018). Afirma que lê para se formar, tornar-se mais crítico, mas também por prazer. É leitor de uma diversidade de gêneros do domínio literário e de outras esferas do conhecimento, mas tem preferências por gêneros e autores, quando seu objetivo é ler por prazer, e se considera um leitor ativo, principalmente fora da escola. Seu letramento ocorre praticamente sem mediação de uma agência naturalizada como agência de letramento (família, escola), mas a partir de práticas de multiletramentos com

booktubers – profissionais da literatura que fazem e postam vídeos com dicas,

resenhas e comentários sobre obras literárias – e através de wattpad – plataforma que conecta pessoas interessadas em leitura, para compartilhar livros e comentários. Observa-se, nesse processo de busca por leituras, a partir de seus gostos e interesses, indícios de atorialidade.

Em suas primeiras produções textuais (AvD e MEMO, 2018), traz, com frequência, questionamentos sobre os métodos (para ele equivocados) que a escola usa para práticas de leitura e de escrita. Também julga equivocado o ensino de literatura com a “obrigação” de ler os clássicos, bem como o seu conceito: “ouvi falar

que literatura só existe em livros clássicos”, defendendo, portanto (no final da

disciplina), um conceito mais amplo de literatura que contemple textos não canônicos: “há necessidade de apresentar aos alunos textos que englobem tudo o que os rodeiam. Letrar um aluno não é só apresentar ‘conceitos’ de um determinado texto, é inseri-lo em diversos contextos de discussão”. (Avaliação final da disciplina Prática ATL, 2018). Concebe, assim, o conceito de letramento literário na perspectiva ideológica e dos multiletramentos (STREET, 2013).

Concebe, também, as funções estética e social da literatura: “acredito que

literatura é tudo aquilo que nos faz pensar no mundo em que vivemos; é arte de por no papel as suas indignações e apreciações de algo” (Memo, 2018, grifo nosso). Além disso, vê na linguagem literária uma singularidade que lhe é inerente, mesmo quando ela está presente em outro meio: “um filme, por exemplo, não terá a mesma

literaridade (sic) de um livro; o filme é apenas uma adaptação, uma interpretação feita pelo roteirista. Diante disso, o professor de língua portuguesa deve-se ater às necessidades dos alunos em relação ao conhecimento prévio deles”. (Avaliação final

da disciplina Prática ATL, 2018).

Podemos ver que Allan ingressa no curso de Letras como alguém que faz da leitura literária um meio para interagir consigo mesmo e com os outros em suas práticas sociais. No entanto parece haver um descompasso entre a concepção de letramento literário para sua vida pessoal (na perspectiva do modelo ideológico) e o letramento literário que a escola promove (segundo o modelo autônomo), ou seja, como leitor de diversos textos literários, em suportes e linguagens diversificadas, não compreende como poderá atuar como professor de literatura, priorizando os textos canônicos. Sua busca por essas respostas será recorrente em toda a sua produção. Ora ele se projeta como “um profissional que sempre procurará novos

métodos de ensino para seus alunos” e como “um profissional excelente pós- formação” (AvD, 2018) e depois afirma, no primeiro diário de bordo: “não me vejo como um professor de literatura, mas sinto que estarei a uns anos preparadíssimo para inovar essas práticas voltadas para a literatura” (DB, 2018). E depois, no final

da última disciplina, retoma a discussão de ser ou não ser professor, ressaltando o dilema vivido por ele: “praticar a teoria é mais difícil do que teorizar a prática [...] o

aluno de qualquer licenciatura só pode afirmar que quer ser professor depois de passar por uma dessas práticas”. (DB, 2019). Allan mostra-se promissor na

perspectiva de ressignificar o ensino da literatura na educação básica, ao pensar em “inovar essas práticas voltadas para a literatura”, ou seja, em adotar o modelo ideológico de letramento literário, como sugerem a BNCC (BRASIL, 2017) e Zappone (2008), entre outros.