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2. CENÁRIOS: CONTEXTO E HISTÓRICO DO PROJETO

2.3 A Brasilândia

Nascida na zona norte da cidade de São Paulo, de alguns sítios, de chácaras de cana de açúcar e de uma olaria transformada em loteamento, a Brasilândia, que se estende hoje por uma área de 21,15 km2, recebeu um grande fluxo de migrantes do nordeste nas décadas de 50 e 60, além de famílias vindas do interior do estado, em busca de oportunidades de trabalho. A ocupação desordenada por meio de loteamentos “clandestinos” se iniciou nessa época, como uma solução para muitas famílias expulsas do centro da cidade, onde os cortiços e outros tipos de moradias precárias foram destruídos, numa renovação por ocasião da comemoração do IV Centenário de São Paulo. Embora sem contar com qualquer infraestrutura, os terrenos eram adquiridos com grandes facilidades de pagamento, inclusive com doação de tijolos para estimular a construção das casas.

Essa forma de ocupação foi se estendendo pelos sopés da serra e, na década de 80, a região foi palco de grupos de sem tetos que se organizaram para obter o reconhecimento a propriedade de áreas ocupadas. Um desses grupos organizados conseguiu, após muita luta, esse reconhecimento e sua organização acabou se tornando a Associação Comunitária que participou do Projeto Diálogo. O atual presidente dessa Associação, um jovem egresso do Nordeste à época das lutas pela

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terra e pela moradia, é uma liderança que ajudou muito nesse processo, tendo conquistado grande respeito e a confiança das pessoas participantes do movimento do qual foi um dos maiores mobilizadores.

Segundo dados36 fornecidos pela Sub-Prefeitura da região, o Distrito da Brasilândia, que tinha, em 1996, uma população de pouco mais de 226 mil habitantes, crescendo a uma taxa de cerca de 2,3% ao ano, chegou, em 2008, a pouco mais de 276 mil habitantes, porém com um crescimento menor: cerca de 1,5% ao ano. Mesmo assim, ainda cresce num ritmo mais acelerado que o da cidade como um todo, a qual, em 2010, chegou a 12.244 mil habitantes, crescendo numa taxa inferior a 0, 78% ao ano. Embora na década de 1990, tenha sido considerado o bairro mais violento de São Paulo, esse triste recorde foi superado. Mesmo assim, os indicadores de qualidade de vida são dos piores da cidade. Em 2008, a renda média dos moradores do Distrito da Brasiândia era de R$ 269,25; seu IDH (0,769). o menor dentre os bairros da região noroeste, que já tem, em média, um dos menores IDHs da cidade. Segundo pesquisa do Data Folha37 publicada em 2008, “os moradores da região noroeste reclamam da falta de escolas públicas e particulares, das poucas opções de transportes coletivos, da ausência de áreas de lazer e de locais para praticar esportes. Dizem que o asfalto das ruas é ruim (...) assim como a quantidade de hospitais públicos e particulares. (...) Somam-se ainda aos problemas a falta de atividades culturais, (...) e a ausência de ações para jovens e idosos.” Por outro lado, a mesma pesquisa mostrou que a região tinha, em 2008, um alto índice de pessoas com casa própria (73%), bem superior à média na cidade, de 67,3% naquele ano. Possivelmente, segundo a urbanista Marta Grostein, coordenadora do Lume (Laboratório de Urbanismo da Metrópole) da FAUUSP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo), devido ao mesmo processo de invasões e lutas pela moradia como as que deram origem à Associação Comunitária.

36 Portal da Prefeitura - http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/Regionais/108400/Default.aspx - acessado

pela última vez em fevereiro de 2011.

37 Pesquisa publicada no Caderno Especial do Jornal Folha de São Paulo de 14 de Setembro de 2008,

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A cineasta Tata do Amaral, da série de TV “Antônia”, que se passa na Brasilândia, definiu essa tendência da seguinte forma: “O que mais me chamou a atenção foram as lajes. Em constante transformação e construção, as casas (...) vão se sobrepondo ao longo dos anos e da vida econômica de seus moradores. Cada dinheiro que entra, um pacote de tijolo que se compra.”38

Já uma colega de pós-graduação da PUC, que colaborou com o Projeto Diálogo, descreveu da seguinte forma seu impacto ao chegar ao local pela primeira vez: “ruas estreitas, algumas sem asfalto; prédios com apartamentos da Companhia Metropolitana de Habitação (COHAB) e da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU); pequenas casas de tijolos e barracões de madeira, distribuídos em planícies e morros, que se encontravam com o verde da serra; em alguns trechos, o esgoto a céu aberto”.

Com relação à área da Educação, em 2011 a Sub-Prefeitura registra 63.403 alunos matriculados em sua rede de ensino formada por 72 escolas de educação infantil (CEIs) e 37 escolas de ensino fundamental (EMEFs). Para atender ao público infantil, conta ainda com 69 creches conveniadas, parcialmente mantidas por instituições particulares beneficentes, que recebem, complementarmente, subsídios da Prefeitura (até 70% dos custos diretos). Uma delas é, justamente, a Creche Comunitária estudada, mantida pela Associação Comunitária.

O nível de formação dos professores da região – conforme se pode constatar pelo quadro a seguir - também revela, de certa forma que, em geral, os professores mais bem formados e com mais alta “pontuação” na hora da escolha de local de trabalho, dão preferência a escolas de outras localidades.

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Título obtido pelos educadores da rede municipal Ensino Médio/Normal Licenciatura Curta Licenciatura Plena Educação Especial 0 0 18 Educação Infantil 162 3 1234 Ensino Fundamental I 52 6 797 Ensino Fundamental II 0 35 1050

Fonte: Sub-Prefeitura de Frequesia e Brasilândia (consulta ao site em Fevereiro/2011).

Assim, em 2011, há ainda 58 professores (7,3%) sem curso de graduação, dando aulas no Ensino Fundamental I; e 35 com licenciatura curta, lecionando no Fundamental II. A Escola do Bairro, porém, se destaca na região, sendo muito bem considerada pelos alunos, pais e professores. Especialmente a partir da entrada de uma nova equipe de gestão, no início do Projeto Diálogo, muito empenhada em conseguir melhorias na qualidade do ensino, nas instalações e na relação com a comunidade. Uma das professoras, inclusive, nos relatou ter mudado da Vila Mariana - bairro considerado “bom” e central - para a Brasilândia, pois sua casa ficava muito longe e não queria, de modo, nenhum mudar de escola.

Um destaque que merece atenção é a importância da música e da dança no Bairro. De fato, a Brasilândia foi cantada por sambistas da região, como Germano Mathias, em “Samba da Periferia”, ou por Elzo Augusto, em seu CD “Talento de Bamba”. Na região também nasceram escolas de samba famosas, como Unidos do Peruche, Império de Casa Verde e Mocidade Alegre. Pena o sistema formal de ensino desconsiderar as artes, em especial a música e a dança, como temas da cultura a serem desenvolvidos nas escolas com a maior seriedade – não fossem essas algumas das maiores contribuições brasileiras para a cultura universal. As iniciativas nesse sentido, levadas pela Escola do Bairro, com grande sucesso e mobilização dos jovens, ficam na dependência da oferta de programas esporádicos e ou da boa vontade de alguns professores, pois não se constituem em política assumida pela Secretaria de Educação. Ao contrário, as escolas em geral perdem-se no roldão das novas

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exigências, da remoção de grande parte dos professores e das dificuldades criadas a cada ano, acabando por ceifar esse tipo de iniciativa.

É nesse contexto que se desenvolve a experiência narrada e analisada na presente tese, buscando o seu significado para alguns dos educadores mais profundamente envolvidos com ela.