• Nenhum resultado encontrado

Percepção da realidade da Escola, da Associação e do Bairro

8. CONCLUSÕES

8.1 Percepção da realidade da Escola, da Associação e do Bairro

Ao longo das narrativas destaca-se uma visão sobre a realidade das instituições educativas participantes do Projeto, bem como de outras similares que se envolveram de algum modo, ou estão agora interagindo em função de novas iniciativas decorrentes do mesmo processo. Essa visão, tomada em 3D – isso é, de três diferentes posições, sendo uma “de dentro” e duas “de fora”, revela claramente situações que deveriam ser alvo de atenção aos formuladores de políticas públicas em educação, porque pode dar pistas para sua atuação. Nessa parte, houve mais contribuições nas narrativas dos gestores dessas instituições. A narrativa da autora fez poucas considerações próprias a respeito dessas realidades, tendo focado mais a descrição dos processos e procedimentos do Projeto de intervenção, embora tenha também destacado alguns aspectos que considerou importantes, especialmente alguns efeitos perversos vistos na Escola, causados por políticas equivocadas do sistema educacional, e com relação aos quais declara-se indignada.

Sobre a Escola do Bairro e outras escolas da região

Vários aspectos da realidade das escolas da região, em geral, e da Escola do Bairro, em particular, foram ressaltados pelos narradores.

A separação entre essas escolas e o bairro, ou a “vida lá fora” foi trazida por ambos. De um lado, o diretor da Associação compara essa barreira divisora entre essas escolas e a “realidade”, a um muro interposto pela escola (pelo sistema escolar) entre ela e a comunidade, entre ela e o aluno, ficando “o mundo da escola, lá dentro, e o mundo real

aqui fora. E, eu vejo, o muro da escola é que separa essa realidade.” Desse modo, a escola é considerada alienada e alienante, tendo seu trabalho pautado pelo irreal, pelo

teórico, ou pelo alienado.

Essa visão é, de alguma forma, compartilhada pelos gestores da escola, aqueles que buscam uma proximidade com os alunos e com seus problemas, suas vidas, e aspiram a quebrar, na escola que dirigem, esse muro. Mas mencionam vários problemas que

184

impedem essa quebra de padrão: a escola (ou seria o sistema escolar ?) não está

acostumada com o pai; os diretores não são capacitados para esse exercício (isso

mostra o quanto esse “descostume” provém de uma visão instalada no sistema escolar); o diretor se sente engessado por leis, regras, portarias que teme ser acusado de infringir (novamente o sistema...); o excesso de demandas, dificultando a dedicação àquilo que o sistema considera periférico; isso leva à falta de tempo para o planejamento (você quer planejar ações, você quer envolver pessoas; o tempo da

escola é cruel e aí há um choque); há muita resistência a mudanças (em especial esse

tipo de mudança traduzida em atitude, valores) por parte de alguns professores; a rotatividade dos professores, que exige permanente processo de formação da equipe escolar (outra política surpreendente), especialmente se houver, por parte da escola, uma proposta diferenciada; os professores que permanecem na escola e que se comprometem com as mudanças são poucos e, por isso, ficam sobrecarregados.

Diante desse quadro, pode-se supor que somente gestores bem conscientes da importância dessas mudanças, e com forte ascendência/liderança em suas equipes, seriam capazes de ousar promover tais mudanças numa escola pública, com toda a sua complexidade. Mas, nesse caso, essa força, aliada à impermanência da equipe de professores, pode levar a uma centralização. Essa gestão centralizadora é percebida pelos narradores, tanto na Escola do Bairro como na Associação. Na Escola, não foi apontada uma solução, mas na Associação o diretor fala de imediato nisso como um dos seus “sonhos”: formar uma equipe que pudesse assumir a Associação. E considera que está chegando lá, vendo isso como um efeito do Projeto. Essa tendência, de acordo com a experiência da Associação Educacional Labor, tem sido muito comum nas escolas que ousam buscar mudanças, transformações, muitas vezes conseguindo parcerias. Nelas, é frequente encontrar lideranças muito centralizadoras, pelo menos no início. Mas talvez seja uma condição necessária para superar as barreiras que o sistema educacional estabelece, somada à própria tradição autoritária de nossa sociedade. Existir essa percepção, no entanto, já é um sinal da tendência para sua superação.

185

Voltando à separação da escola com relação ao “mundo lá fora”, nas duas narrativas aparecem indicações de seu reflexo nas relações entre educadores e educandos: o professor achando que ele é o dono da verdade, que a criança não pode contestá-lo; e resistindo a sair da linha, a sair um pouco do mundinho que ele estabelece.

De acordo com o diretor da Associação, um bom começo para a mudança pretendida nas escolas, seria a aproximação, a interação com as organizações do bairro. Mas, tendo em vista a “natureza” das escolas, esse movimento teria que vir “de fora”, mesmo, pois “o engajamento na escola é diferente do engajamento no movimento

social. Com relação a isso, os gestores da Escola concordam, apontando não haver o

hábito de contar com outras instituições, buscar parcerias. Mesmo assim, a autora em sua narrativa lembra que a Escola havia convidado docentes de uma conceituada universidade pública para promoverem debates e conferências sobre as bases pedagógicas da ação educativa, visando melhorias no desempenho dos professores da Escola.

A narrativa da autora traz dados interessantes sobre como a Escola e como a Associação são vistas pelos diferentes segmentos, como resultado do L.E.R., conforme consta resumidamente nos quadros dos resultados170

. Por outro lado, constata quanto o sistema escolar prejudica as escolas com medidas que a obrigam a “nascer” novamente a cada ano, às vezes a cada semestre. Isso, além de ferir a autonomia da escola e impedir que qualquer Projeto Político Pedagógico seja respeitado ou efetivamente compartilhado pelos diferentes segmentos que a compõem, sobrecarrega os gestores, impede um planejamento real, efetivo, assentado nas experiências pregressas e num processo de permanente construção acumulativa pela reflexão compartilhada da ação educativa. Esse tema será retomado mais adiante, nas Sugestões.

Em todas as narrativas os participantes mostram perceber mudanças na Escola do Bairro e em outras escolas que, direta ou indiretamente assistiram ao processo.

170

186

Sobre a Associação e outras instituições educativas

Na fala do diretor da Associação aparecem algumas características comuns dos projetos educativos de sua instituição, com as das escolas da região: o fato de os educadores considerarem “normais” procedimentos que considera “antinaturais”, somente por força da tradição, sem crítica, seguindo normas rígidas que são impostas,

reprimem as pessoas e elas se submetem. Querendo superar esse distanciamento

educador-educando, sente dificuldades também por parte de alguns educadores e mesmo por alguns gestores da instituição com resistência a mudanças.

No entanto, percebe a Associação como tendo mais abertura para o bairro, para os estudantes e as famílias; necessitando de uma interação, uma interlocução com as escolas. É aberta para se aproximar da escola, ouvir o que a escola tem a dizer, os

professores, os gestores, as famílias. Considera como de sua responsabilidade o

movimento de aproximação das escolas. Aliás, isso poderia ser proposto como uma estratégia de viabilização dessas parcerias, mostrando o caminho de uma abertura possível das escolas às comunidades, tendo em vista a natureza das mesmas.

Porque instituições como as dele, nascidas do bairro, que têm grande compromisso com as famílias, as crianças e os jovens do bairro, poderiam fazer essa ponte, especialmente se tiverem projetos educativos, como é o caso. Aliás, sua narrativa trás à tona algumas características da Associação Comunitária, as quais evidenciam esse compromisso com a comunidade e com a educação: cita programas governamentais que conseguiram trazer para o bairro, beneficiando as famílias; e os projetos educativos pelos quais atingem 126 crianças e adolescentes, mais 60 adolescentes e

jovens de quatorze a dezessete anos. Além disso, conforme ressalta a autora em sua

narrativa, a Associação consegue uma relação muito próxima às famílias de seus educandos, cuja presença foi sempre muito significativa nas atividades promovidas no âmbito do Projeto Diálogo.

Sobre os educandos e suas famílias

A autora, em sua narrativa, mostra que a presença de pais/famílias no Grupo Diálogo foi em geral muito reduzida. Isso poderia apontar uma dificuldade das instituições, mas

187

se isso poderia ser o caso quanto à Escola, não era o caso quanto à Associação. Assim, podemos supor ser esta uma característica das famílias. E aí, podemos colocar duas questões: a primeira, seria sobre a natureza do Projeto no qual o foco eram as instituições educativas; e, não havendo uma organização própria das famílias, seria difícil que algumas delas participassem de forma sistemática dessa iniciativa, como parte do grupo gestor; a segunda, seria com relação à já mencionada tradição autoritária que tem, como contrapartida, a delegação à autoridade, a acomodação do assistencialismo, somadas à desesperança de qualquer acolhimento a suas idéias e propostas por parte das instituições, tendo em vista a falta dessa cultura no sistema educacional que todos experimentaram – seja pais ou como ex-alunos.

Por parte da Escola e das famílias de seus alunos, há pouca interação, muitas vezes de qualidade deixando muito a desejar, segundo revela o diretor da Escola. Existe também uma tradição, apontada pela autora em sua narrativa: espera-se que tenham mais interação com a escola os familiares de crianças menores, de 1ª a 4ª séries (agora do 1º ao 5º anos). Já o diretor da Associação percebe que nas escolas frequentadas pelas crianças e jovens atendidos pela Associação há uma relação de conflito com as famílias e com crianças e adolescentes em geral, especialmente com as crianças e adolescentes que criam situações “delicadas”.As dificuldades dos alunos na Escola, segundo ele, geram por sua vez uma relação de conflito com a família que

não entende. A própria família também se omite, algumas vezes, e nós percebemos que os resultados não são os melhores.

Um dos problemas que o diretor da Associação atribui aos educadores – sejam da Escola ou da própria Associação, é a relação destes com as crianças, quando não as entendem, não reconhecem suas necessidades “naturais” e impõem uma disciplina cuja origem está na tradição, e que desrespeita os educandos. Respaldados pelo senso comum, de que “é assim que se faz”, os educadores precisam aprender a dialogar com as crianças e adolescentes, levando-os mais em consideração ao planejar métodos e conteúdos. Dessa forma, superariam a norma que é o professor

falar e o educando obedecer. Aponta também que essa mesma “norma” prevalece na

188

As narrativas dos gestores da Escola e da Associação convergem claramente quanto aos avanços que resultaram do projeto na relação dos educadores com os educandos e seus familiares, com sua comunidade, em direção a uma postura mais dialogal. A Coordenadora expressa isso como uma “ressignificação” do olhar em relação às famílias e à comunidade.

O diretor da Associação ressalta que a articulação continua com a Escola do Bairro e, mais, com outras escolas da região. E que percebe muitos resultados nos educandos, nas atividades da Associação e nas escolas. Nós percebemos, na postura, o ganho

para os educandos já se mostrando de modo mais palpável, não é?”

Um elemento ressaltado na fala do diretor da Associação, com relação aos ganhos para famílias, educadores e educandos, é o fato de o processo do Projeto Diálogo ter sido também educativo, isso é, permitiu ou incentivou mudanças que ficaram, pois se constituiu de ação com reflexão, de construção da própria teoria a partir da própria prática.

Sobre o bairro

A narrativa do gestor da Associação trouxe alguns elementos sobre a realidade do bairro como parte da explicação para os projetos e atitudes da Associação. Preocupa- se com a extrema pobreza de muitas daquelas famílias, fala no grande número de famílias em situação irregular e insegura, criando uma dificuldade a mais para as crianças e jovens dessas famílias e para a sua relação com as instituições. Essa dificuldade passa muitas vezes despercebida pelos professores das escolas que ignoram a realidade vivida por seus alunos e familiares.

Sobre as relações e interações entre essas instituições

Surpreendentemente, uma mesma palavra foi usada pelos gestores da escola e pelo diretor da Associação para designar o que esperavam da interação entre as instituições

189

– Escola, Associação e Família: sonho. E esses três participantes também concordam em que essa relação Associação-Escolas-Famílias saiu muito fortalecida, constatando sua profundidade e permanência: Uma relação mais profunda, porque se mede mesmo pela disposição de continuar, das equipes.

O diretor e a coordenadora pedagógica da Escola do Bairro percebem que sonharam com uma escola aberta, com uma ligação mais direta com a comunidade, com os

alunos. E consideram um grande aprendizado saber que é possível. As parcerias com

a comunidade e com os próprios alunos foram conquistas sentidas como importantes; e, mais, descobriram que é bom trabalhar em conjunto, buscar parcerias. Trouxeram exemplos para confirmar isso: o estabelecimento de parceria com uma outra universidade e a montagem e dinamização do Grêmio Estudantil. Isso é raro, especialmente tratando-se de uma escola de ensino fundamental, com estudantes até cerca de 15 ou 16 anos.

Já o diretor da Associação dá muito destaque a esse fator, considerado como um grande sonho institucional. Assim, tomam a iniciativa e conseguem se aproximar das escolas para despertar nelas essa mesma preocupação: essa vontade de atuar integrado. Ao final, considera essa aproximação grande vitória, tendo assim realizado o

sonho inicial, que permitiu inclusive ampliar o leque das parcerias com pessoas “maravilhosas” com as quais vão conjugando esforços. Segundo esse narrador, o Projeto Diálogo fortalece e dá confiança ao grupo o qual, agora, ousa empreender – e amplia articulações, trazendo bons resultados para os projetos do bairro, para os educandos e suas famílias.

Enquanto para a Associação houve muitos ganhos com a elaboração participativa do Projeto Político Pedagógico da instituição – fortalecimento da equipe, aumento da coesão, aprofundamento das reflexões sobre o fazer educativo – na Escola essa possibilidade não foi ativada, embora tenham considerado muito interessante o processo do levantamento escolar de realidade feito com todos os segmentos, que poderia ser um dos passos iniciais para chegar ao PPP coletivo.

190

Vendo a forma como foi feito esse levantamento, percebe-se que os gestores pouco participaram, pois demandava bastante tempo e o domínio de uma série de instrumentos de coleta e sistematização. Assim, seu papel foi mais o de ajudar na organização e proporcionar as condições para isso ocorrer na escola, estimulando os professores voluntários a ajudar. Estes se apoderaram dessas “ferramentas”, tendo-as usado inclusive em sala de aula. Mas o processo não foi dominado pelos gestores que se dedicaram mais a executar os planos de ação os quais deram trabalho e bons frutos, conforme relatam em suas narrativas.

8.2 Percepção sobre as equipes de apoio ao projeto da PUC-SP e da