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8. CONCLUSÕES

8.3 Sobre os tempos

Uma das constatações feitas nesse trabalho, que adquiriu novo significado aos olhos da autora, foi o fator tempo. Há, nesse tipo de Projeto de longo prazo, uma incidência sobre o tempo que precisa ser levado em conta, tanto por projetos semelhantes, como pelas instituições promotoras e pelos gestores responsáveis por decidir políticas públicas em educação.

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Há o tempo do Projeto. Este projeto, envolvendo processos de gestão participativa (levantamentos, planejamento, execução de projetos) havia sido planejado, inicialmente, para ter a duração de dois anos, o tempo mínimo requerido para completar um ciclo. Para isso, precisava de recursos externos que possibilitariam a contratação de uma equipe dedicada a mediar os processos participativos, de modo a formar, entremeando teoria e prática, as equipes de professores, educadores e gestores das instituições, promovendo ainda um maior protagonismo das famílias. Não havendo esse recurso, o Projeto foi viabilizado durante quatro anos, tempo longo demais para um só ciclo de diagnóstico participativo => planejamento participativo => execução dos planos de ação com avaliação por todos os envolvidos => sistematização => divulgação dos resultados a todos os segmentos => novo levantamento participativo => ... O ideal é que, em quatro anos, possam ocorrer dois ciclos, sendo o segundo ciclo percorrido de modo muito mais autônomo pelos interessados no processo, agora bem mais capazes de “mudar a cara do projeto” para realizá-lo à sua maneira.

Como todo esse ciclo é feito de modo participativo, o projeto, mesmo em sua primeira versão, é permanentemente modificado pelos participantes, como ressaltou várias vezes, em seu relato, o diretor da Associação Comunitária.

Essa contingência prejudicou principalmente a Escola, devido à alta mutabilidade de sua estrutura principal que é o corpo de professores. Assim, só uma parte deles acompanhou o processo todo. Destes, alguns se destacaram pela persistência e dedicação, pois tendo compreendido o sentido desse movimento todo, efetivamente se mostraram muito compromissados.

A Escola tem um tempo (tomado aqui no sentido de “timing”) rigidamente definido pelo ano escolar. Um trabalho com os professores, em que se proponha a eles planejar e executar seu próprio projeto de forma autônoma (como é o caso dos trabalhos da Labor de apoio pedagógico), não pode “virar o ano”, pois os alunos vão para outra

série, outro ano, eventualmente com outros professores, e o que foi iniciado num ano

não pode ser continuado no outro. Isso sem contar o risco, nada pequeno, de o próprio professor mudar de escola. Assim, há um “ciclo” próprio da Escola, o qual não pode ser

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rompido, se o trabalho com ela é de cunho participativo e envolve ação prática em sala de aula.

Pela experiência da Associação Labor, e de acordo com centenas de depoimentos de diretores, professores e técnicos de secretarias de educação que participaram de projetos promovidos com essa instituição, os professores só ganham autonomia para efetivamente planejar, levando em consideração o aluno e seu contexto, a par dos conteúdos recomendados para aquele período pelo programa escolar; e a desenvolver as atividades planejadas de um modo participativo e dialogal, depois de passar por essa experiência pelo menos duas vezes. Assim, para haver um aprendizado no sentido de apropriação crítica das referências e construção do próprio “modo de fazer”, um projeto desses precisaria ter uma duração de cerca de dois anos, sendo a primeira experiência com mais apoio de oficinas e discussões coletivas e individuais; e a segunda, com mais autonomia do educador, da escola. E mais, para criar uma “equipe de trabalho coerente e afinada” numa escola, os diretores em geral, mesmo um sem saber do outro, têm avaliado que leva pelo menos quatro anos. Esses tempos e prazos (verificados empiricamente, embora não na presente pesquisa) também mereceriam ser melhor estudados e serão retomados nas Sugestões ao final deste capítulo.

As Secretarias de Educação têm um tempo político a ser contemplado, sejam elas estaduais ou municipais. Em termos “líquidos”, esse tempo se resume a três anos, descontados os primeiros 6 meses de instalação e os últimos 6 meses de campanha eleitoral. Raras vezes se vê uma gestão que ouse apostar nas transformações necessárias, reclamadas pela sociedade, pois essas mudanças, como vimos, exigem um tempo que ultrapassa o de uma gestão, além de obrigar a mudanças estruturais que assustam. Então, vêem-se, mais comumente, medidas cosméticas, “mágicas”, tentativas de atalhos, ou ainda, uma distribuição de material, equipamentos, instalações – nada contra, ao contrário. Somente é fato sobejamente conhecido pelos professores e gestores que, em geral, os materiais ficam nas prateleiras devido à pouca familiaridade dos professores com eles. E que o melhor material para um professor é aquele do qual ele sinta mesmo falta, vá atrás, e consiga, ou mesmo participe de sua elaboração.

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Já no caso da Associação Comunitária, o tempo é outro. Em parte, os ciclos de um ano seguem a mesma lógica do ciclo das escolas, devido à formação de “turmas” de crianças ou de jovens com duração anual. No entanto, a equipe é mais permanente, há muito mais autonomia institucional. Assim, para a Associação, o fato de o Projeto ter durado quatro anos não foi tão crítico. De um lado, esse tempo longo, essa demora para chegar aos resultados, apareceu repetidas vezes na narrativa do diretor da entidade. De outro lado, no entanto, ele percebeu como valioso esse tempo no sentido de “dar o tempo” necessário para que as pessoas se apoderassem da proposta, para que se constituísse e se fortalecesse uma equipe gestora na Associação. E para se estabelecerem práticas importantes, como um Projeto Político pedagógico de fato construído por um coletivo ampliado, e compartilhado/discutido com todos; como o hábito de discutir e questionar as práticas “normais” de relação entre educandos e educadores, mesmo nas famílias; como o hábito de fazer grupos de estudos e discutir os resultados das pesquisas da PUC, ou grupos de articulação com as escolas e outras instituições do bairro.

Aqui, como na Escola, aparece, então, o tempo do aprendizado. Em todas as narrativas, mas mais especialmente na do diretor da Associação, fica claro que um aprendizado ao qual poderíamos chamar de “significativo”, porque construído como consciência – de dentro para fora – exige tempo. Porque não se trata de “aprender” no sentido de decorar, nem mesmo no sentido de entender logicamente: trata-se de construir um conhecimento, em interação com o mundo (contexto espacial e histórico, cultural e social), em parceria com os outros. Esse é um processo longo, que para ser empreendido exige uma antevisão (como tinha o diretor da Associação), ou uma disposição de caráter político (como tinha o diretor da Escola, que a chamou de “militância”) ou, ainda, uma vontade de acertar, de conseguir realizar um trabalho realmente significativo para as crianças (como pareceu ser o caso da Coordenadora Pedagógica e de vários dos educadores). É longo para cada pessoa que o empreende pelas razões já expostas, que vão além das razões institucionais, uma vez que se trata de um aprendizado vivido, desde o planejamento até a avaliação de um processo, envolvendo ideias, fundamentos, procedimentos, valores, atitudes e interação num coletivo.

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Há, ainda, o tempo exigido pelas famílias para mudar a forma de se relacionar com a instituição, para criar um laço de confiança mútuo. E isso depende um pouco da instituição, mas depende também da tradição e das experiências pregressas, tanto das famílias quanto das instituições. Como a tradição é a do não-relacionamento efetivo, o tempo provavelmente será longo também. Essa foi a percepção do diretor da Associação que afirmou ser a articulação com as famílias realizada pelas instituições um processo também lento, mas com bons reflexos nas crianças: o fruto do trabalho

vem em médio e longo prazo, mas já se percebe isso em crianças que são nossas, aqui, e que estão na escola. E nós percebemos a articulação com a família, o interesse grande por parte das instituições. Em sua narrativa ele explica ainda que quando essa

possibilidade se mostra às famílias, em especial àquelas cujas crianças frequentavam a creche da Associação, há um movimento de aproximação por parte das famílias e dos próprios jovens e crianças, buscando, além de uma aproximação, uma articulação abrangente.