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5. MÉTODO

5.2 Pesquisa-intervenção participante

5.2.1 Significado da participação na pesquisa-intervenção

Diante da escolha pela abordagem fenomenológica, conforme explicitado acima, e diante da concepção de educação como processo dialogal e participativo, a escolha do método para a presente pesquisa recaiu sobre a forma de pesquisa intervenção

participante.

Há, aqui, dois aspectos a considerar: de um lado, o caráter da intervenção, que se constituiu no próprio desenvolvimento do Projeto Participação e Diálogo - um processo amplo de pesquisa intervenção participativa, de caráter longitudinal, o qual comportou, em seu âmbito, vários processos mais circunscritos de investigação e intervenção. E, de outro lado, o recorte da pesquisa que aqui se apresenta, cujas atividades, descritas no item 5.3, consistiram basicamente na coleta das narrativas e na sua análise, sob a luz de referências teóricas e discussões procedidas ao longo da intervenção, com colegas, orientadora e outros pesquisadores do tema.

113 BICUDO, M.A.V., 2005. Op. cit. p 23. 114 Idem, p 24.

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Pedro Demo mostra, a definição mais comum de pesquisa participante que é a de uma “atividade integrada que combina a investigação social, trabalho educacional e

ação”115, lembrando que “há que ser pesquisa, de acordo com as exigências da comunidade acadêmica (...)”; mas, sendo intervenção, “tem-se que possibilitar uma

parceria com a comunidade.”116 Para esse fazer junto à comunidade ser uma parceria de fato, sem que as pessoas sejam usadas como “massa de manobra”, Demo propõe quatro condições, todas elas verificadas no tipo de intervenção proporcionada pelo Projeto Participação e Diálogo, conforme poderá ser constatado pelas narrativas: (a) a associação ser legítima, historicamente constituída; (b) realizar-se com chefes representativos; (c) contar com membros participativos; e (d) ser autossustentável117. Outra condição igualmente verificada é proposta por Freire118: a horizontalidade entre pesquisador e pesquisado. Embora em posições diferentes, havia “igualdade de valor” e cada um dos entrevistados tinha condições semelhantes entre si e com relação à pesquisadora, tanto em seus conhecimentos sobre o fato narrado, quanto em sua contribuição para a execução do Projeto e reflexão sobre o mesmo.

Tanto ao longo do Projeto Diálogo quanto durante os procedimentos da presente pesquisa, estabeleceu-se um clima de respeito e confiança entre pesquisadores e pesquisados, os quais foram e estão sendo chamados a contribuir para a reflexão sobre o fenômeno estudado, para a construção desse conhecimento. Essa é outra característica importante de uma pesquisa intervenção participativa.

Participação, segundo Gohn (2001)119, é a “luta por melhores condições de vida e pelos

benefícios da civilização”. Já, segundo Freire, conforme vimos em capítulo anterior dessa tese, a participação pode ser entendida como uma condição e, ao mesmo

115 DEMO, 2004. p 94. In: SZYMANSKI, H. A participação na pesquisa em psicologia da educação:

ensinamentos da experiência. VII Simpósio Nacional de Práticas Psicológicas em Instituição. ISBN 978- 85-98843-51-1. São Paulo,2007. p 2.

116 Idem, ibidem. 117 Idem, ibidem.

118 FREIRE, 1987. In SZYMANSKI, H. 2007. Op. Cit. p 3.

119 GOHN, M.G. Conselhos gestores e participação sociopolítica. São Paulo: Cortez Ed., 2001. In:

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tempo, como um imperativo da forma dialógica de conhecimento do outro, mediado pelo mundo.

Assim, vemos em ambos os casos, participação definida tanto pelo objeto da ação, como ação de uma determinada qualidade, como forma de ação. Ou seja, pode-se definir participação como uma forma especial de prática, enquanto prática participativa. Porém, participação não é apenas “o ato ou efeito de participar, envolve dimensões e

relações que necessitam ser analisadas, percebidas, para que seu emprego tenha congruência com os objetivos e resultados esperados pela educação (...)”120

Práticas ou processos participativos têm sido o alvo de muita produção, especialmente a partir da última década do século XX. Muitos autores têm contribuído para uma reflexão sobre o que seria, o que caracteriza e como se faz um processo participativo. Dentre estes, o sociólogo Robert Chambers tem sido um dos mais citados. Segundo Alberto Bracagioli121, ele “provavelmente é um dos autores mais citados dentro deste campo”.

Em seus trabalhos, Chambers tem buscado compilar a extensa produção, tanto de práticas quanto de teorias produzidas nesse sentido, e apresentou, em 2010, uma síntese que pode trazer aportes significativos para a presente pesquisa.

A seguir, cito algumas definições norteadoras sobre métodos e metodologias participativas que inspiraram os procedimentos da intervenção no Projeto Participação e Diálogo, e ainda trouxeram aportes para a análise que se empreende neste estudo. De acordo com Chambers, portanto, método participativo seria “um tipo específico de

atividade, em geral facilitada (mediada), geralmente executada de modo interativo por um grupo de pessoas. Muitas vezes envolve elementos tangíveis e processos de

120 BRACAGIOLI, Alberto120. Metodologias participativas e educação ambiental: Encontros e

desencontros entre a naturalização do ser humano e a humanização da natureza. Programa

Participativo, Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranças & Associação Participe. Mimeo, 2008. p 11.

121 Alberto Bracagioli é Engenheiro Agrônomo, MSc em Sociologia, Diretor da INFINDHA - Instituto de

Formação Integral Desenvolvimento Humano e Ambiental pelo qual organiza cursos de formação de mediadores em processos participativos.

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visualização.”122 Já uma metodologia participativa (MP) consistiria numa “combinação de abordagens e métodos por meio dos quais pessoas atuam de forma interativa. Essa atuação pode ser um diagnóstico, análise, planejamento, execução, aprendizado, transformação, monitoramento, avaliação ou outras atividades. Muitas MP‟s (...) combinam alguns ou muitos métodos.”123

Em sua obra “Paradigms, Poverty and Adaptive Pluralism”, Chambers propõe a prevalência, atualmente, do que chama de paradigma Neo-Newtoniano, pelo qual há duas formas de ver o mundo: o mundo das coisas e o mundo das pessoas. As Ciências Naturais (para as coisas) e as Ciências Humanas (para as pessoas). Cada qual seria um ponto de vista para descrever fenômenos e, dependendo do mesmo, uma visão ou outra seria adequada. Fenômenos mais complexos, no entanto, envolvendo coisas e pessoas simultaneamente, poderiam ser vistos por ambos – seria uma visão binária. Uma e outra. Uma contrastando com a outra.

O autor se propõe a evitar “contrastes binários que polarizam, exageram, distanciam e

até caricaturizam. Eles podem parecer e ser, de fato, simplistas.”124 Mas vê neles um valor heurístico, pois permitem perceber características, detalhes e relações naquilo que se estuda.

Examinando a evolução da prática dos processos com pessoas em condições de exclusão e vulnerabilidade, três temas chamaram a atenção de Chambers: pluralismo, participação e transformação. Pluralismo, devido à rápida proliferação das metodologias participativas e à sua capacidade de empoderar e de gerar diversidade – fatores necessários ao desenvolvimento das pessoas. Participação, por estar implícita nas metodologias envolvidas nessa prática. E transformação, manifesta na necessidade de explorar e adaptar mudanças aceleradas, especialmente em locais de pobreza, nos quais as pessoas podem ser reconhecidas como agentes de mudança. Essas são as condições para gerar criatividade: invenção e improvisação de MP‟s.

122 CHAMBERS, R. Paradigms, Poverty and Adaptive Pluralism. Working Papers, Vol. 2010, No. 344.

IDS Institute of Development Studies, Bringhton, 2010. p 7. Tradução da própria autora.

123 Idem p 7-8. 124 Idem p 8.

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Situa, então, nas práticas participativas, especialmente nas voltadas para pessoas em estado de vulnerabilidade, um novo paradigma, o qual chama de prática no pluralismo

transformador, em contraste com o que chama de prática neo-Newtoniana, nomes nos

quais a palavra prática é inserida para enfatizar métodos, processos, procedimentos, papéis e comportamentos.

Os contrastes entre os dois paradigmas podem ser vistos no quadro a seguir:

Quadro 1125 - Características paradigmáticas da prática neo-Newtoniana (voltada para coisas) e do pluralismo transformador (voltado para pessoas)

PONTO DE PARTIDA –

REFERÊNCIA COISAS (neo-newtoniano)

PESSOAS (pluralismo transformador)

Forma Proposta prévia Processo

Palavra-chave Planejamento Participação Metas / objetivos Pré-estabelecidos, fechados Evoluem, abertos Tomada de decisão Centralizada Descentralizada Pressupostos analíticos Reducionistas Sistêmicos, holísticos Métodos, regras Padronizados, universais Diversificados, locais Tecnologia Pacote fechado (menu da casa) Cesta variada (a la carte) Interação dos profissionais com

pessoas locais Instrução “motivadora” Apoio, empoderamento Visão sobre as pessoas locais Beneficiários Parceiros, atores Impulso Empurrão, pelos suprimentos Puxão, pelas demandas Resultados Uniformes, de infraestrutura Capacidades

Planejamento e ação De cima para baixo De baixo para cima

Fonte: Chambers (1997: 37)

Chambers comenta que a explicação e a justificativa deste quadro poderiam gerar um livro inteiro e convoca o leitor a trazer contribuições, críticas.

Para explicar melhor os elementos fundamentais que compõem cada uma dessas abordagens, Chambers usa duas figuras, que apresentamos a seguir. Trago-as aqui, da mesma forma que o quadro acima, por serem bastante inspiradoras e provocativas, podendo ser útil para o leitor interessado nos temas discutidos nesta tese. Mas, assim como ao quadro, não as comento, pois isso demandaria muito espaço/tempo, além de desviar o foco deste trabalho. O leitor que se sentir provocado, poderá recorrer à obra original126.

125 Idem, p 12.

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Figura 1127 - Elementos num paradigma de prática neo-Newtoniana

127 Idem, p 46. universalidade previsibilidade linear ordem equilíbrio estabilidade certeza impessoal unidirecional impessoal hierárquico ORIENTAÇÕES E PREDISPOSIÇÕES MENTAIS especialização CONCEITOS E PRESSUPOSTOS ONTOLÓGICOS VALORES E PRINCÍPIOS RELAÇÕES MÉTODOS PROCEDIMENTOS PROCESSOS PAPÉIS E COMPORTA- MENTOS conformidade clareza medida precisão rigor estatístico supervisão auditoria controle de qualidade vigilância conformidade obediência regras abrangentes para regular manuais rotinas sequenciais boas práticas menus pré- estabelecidos questionários tabelas formulários

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Figura 2128 - Elementos num paradigma de prática no pluralismo transformador

128 Idem, p 47. diversidade imprevisibilidade não-linear complexidade beira do caos desvelamento dinamismo incerteza pessoal recíproco Lateral e 360o democrático ORIENTAÇÕES E PREDISPOSIÇÕES MENTAIS versatilidade CONCEITOS E PRESSUPOSTOS ONTOLÓGICOS VALORES E PRINCÍPIOS RELAÇÕES MÉTODOS PROCEDIMENTOS PROCESSOS PAPÉIS E COMPORTA- MENTOS criatividade ambiguidade relevância triangulação rigor na complexidade supervisão auditoria controle de qualidade vigilância conformidade, obediência regras parcimoniosas para apoiar repertórios mudanças interativas Práticas sob medida Menus à la carte metodologias participativas, combinações, TIC’s, WEB 2.0

91 5.2.2 Narrativa enquanto método

O educador, assim como o psicólogo, trabalha em campo, junto a pessoas; e, ao teorizar a partir de uma ação contextualizada, “contribui para mudança social, na medida em que suas reflexões são compartilhadas e debatidas com atores sociais que vivem as relações acerca das quais pensam os protagonistas da ciência”129. Passar da experiência à pesquisa é um movimento que “implica num fazer e refletir em ação,

criando significados e apontando sentido.”130 Implica, também, em se colocar não só como expectador da vida, mas na condição de quem participa dela, revelando e construindo conhecimento.

Como já foi dito, o ato de pesquisar se inicia com a colocação da questão, constituindo- se numa forma de tentar compreender alguma situação que se apresenta ao pesquisador, em si mesma, com algo de enigmático. Cada questão se desdobra em vários aspectos e pode gerar diferentes modos de pesquisa. Assim entendido, um trabalho de pesquisa em termos fenomenológicos é sempre autoral. “Ele é tecido a

partir da experiência do pesquisador, cujo cenário é a condição de ser-no-mundo-com- os-outros. Todo o trabalho de pesquisa, desde o polimento da questão, (...) elaboração da metodologia, trabalho de campo, análise, até a escrita final do que vai sendo desvelado, é uma experiência propriamente dita.”131

Na perspectiva fenomenológica, “pode-se compreender metodologia como a

construção de um caminho possível para a realização de um estudo, não cabendo a definição ou aplicação de um método padronizado ou pré-configurado”132. A melhor forma de se criar esse caminho dependerá do recorte do tema, do contexto, sempre tendo como objetivo ampliar a compreensão – nos sentidos de entendimento, abarcamento, acolhimento – de um fenômeno em seus aspectos próprios e específicos. E o método seria, assim, “um modo de pensar para encontrar uma franja

129 MORATO, H.T.P. Pesquisa interventiva e cartográfica na prática psicológica em instituições. VII

Simpósio Nacional de Práticas Psicológicas em Instituição. CD ISBN 97885 98843-51-1. São Paulo, 2007. p 1.

130 Idem, ibidem. 131 Idem, p 3. 132 Idem, p 4.

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do real e não um modo de pensar por raciocínio, cálculo ou categorização de conteúdo

para achar o real em si”133, podendo assumir diferentes formatos, incluir diferentes procedimentos, conforme o caso, desde que seja adequado ao alcance do objetivo e possibilite uma abordagem da questão e de seus desdobramentos.

Uma das formas de se pesquisar sobre práticas educacionais, a partir da experiência de profissionais envolvidos numa intervenção, considerada como fonte de conhecimento, consiste em partir dos relatos desses profissionais. E uma das formas mais interessantes de relato é a da narrativa.

No caso da pesquisa aqui apresentada, optou-se por trabalhar por meio da livre narrativa, em que os narradores relatam a experiência conforme ela ocorre à sua memória. Nesse caso, destacam-se como estrutura de fundo; de um lado, uma vivência comum aos três narradores (o Projeto, Participação e Diálogo) e, de outro lado, o universo institucional e profissional de cada um, contexto bem diferente em cada caso, embora com aspectos comuns. A análise das narrativas deve revelar, para além do que foi dito pelo olhar de quem viveu a experiência em contextos diversos, os significados que uma experiência compartilhada teve para cada narrador, enquanto pessoa, enquanto educador e enquanto parte de um coletivo institucional. E, do conjunto das três narrativas, foi construída, pelo autor, uma narrativa das narrativas, a qual incluiu a análise de cada uma e a composição das três. Partiu-se do pressuposto de que novos significados, novos aspectos do percebido, poderiam ser revelados ou ressaltados nesse movimento.

“A metodologia de relatos orais se sintoniza com uma concepção de narrativa baseada

nas reflexões de Walter Benjamin. Em seu texto „O Narrador‟ (1985), Benjamin faz uma articulação entre narrativa e experiência através da análise da figura do narrador. Destacando o caráter artesanal da narrativa enquanto forma de comunicação, chama a atenção para a ambiguidade que sustenta a elaboração da experiência e que acontece a partir de dois polos: o aventurar-se e sair pelo mundo, ou seja, o viajante, condição que possibilita uma singularização, e o conhecer sua própria história, no próprio lugar

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em que está, ou seja, o sedentário, condição que possibilita atualizar o passado e construir o sentimento de pertença coletiva.”134

Uma narrativa pode ser vista tanto como uma forma de apresentar uma experiência – algo vivido sobre o qual se elaborou –, quanto um momento de elaboração, de comunicação da experiência. Segundo Henriette Morato (2007), a narrativa pode assumir diferentes formatos: depoimentos, relatos, histórias de vida, que seriam “nada

mais que atos de uma narrativa que não se deixam aprisionar por conteúdos, mas sim, podem se revelar por e através deles.”135 Essa forma de proceder, por meio de narrativas, se configura como um processo de intervenção que oferece oportunidade de reflexão sobre o fazer.

No caso das narrativas aqui consideradas, provoca-se um olhar e uma reflexão sobre o significado da experiência por parte dos sujeitos, não só enquanto pessoas, mas também em sua visão como profissionais e como parte de suas instituições, especialmente devido ao fato de que a fala dos narradores, sendo eles atores sociais responsáveis por instituições, pode ser considerada como fala da instituição (que é diferente da “fala institucional”), no sentido de explicitação de uma visão do significado para o ente institucional que fala por meio de seus responsáveis. Há, aqui, um diferencial importante entre cada narrador, na medida em que cada um responde em nível diferenciado pelas instituições a que pertence, as quais geraram a oportunidade de sua inserção na experiência narrada. Cada um tem um acesso diferente, em termos de nível decisório e de possibilidade de se considerar “representante” dessa instituição. Assim, cada um tem um nível diferente no identificar-se com a instituição. Esses aspectos devem ser levados em consideração no método de análise das narrativas. Tendo isso em vista, seria importante ressaltar ainda que, dado o caráter de pesquisa intervenção deste trabalho, ela precisa contemplar “esse sujeito/agente e seu conflito

diante de pressões inevitáveis e próprias de sua humanidade e de negócios entre

134 Idem, p 8-9. 135 Idem, p 9.

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homens, (...) dando “atenção ao sofrimento do sujeito social situado conflitivamente em suas formas de organização (...), em sua práxis política.”136

5.3 Procedimentos: descrição das atividades de intervenção e de