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6. NARRATIVAS

6.2 Narrativa do diretor da Associação Comunitária

Para mim, e para o pessoal que participou desde o começo daquela primeira reunião na PUC, era um sonho alto articular essa aproximação com a escola, com a universidade, com as famílias, com o bairro. Desde o começo, já vinha propondo isso. Foi uma alegria estar participando com todo esse pessoal, lá no começo.

Depois, todo esse processo da construção que foi sendo feita, foi dando mais animação para nós, porque começamos a perceber que era real, não é? Não era só um sonho não, era um sonho que se tornou realidade.

E aí todas as conversas, todas as etapas do Projeto foram confirmando aquilo que nós acreditamos que é: a aproximação mesmo com a família, com as instituições que trabalham com as famílias, com o bairro. E perceber que a educação, o desenvolvimento humano, se dá de forma integrada. Não tem como a gente

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compartimentar. E isso nós fomos verificando na prática. Desde que cheguei aqui, em 1991, eu sonhava com isso.

O primeiro desafio – e eu acreditava que era o mais difícil de todos, apesar da situação de miséria que eu vivia no meio dessa população – o maior desafio era formar um grupo que pudesse ter representatividade, ser, de fato, legítimo. E uma parte forte do meu trabalho aqui foi justamente tentar fazer com que esse grupo fosse se fortalecendo ao longo do tempo. E com o apoio da PUC, da Labor, das escolas, ficou claro que isso é possível, não é?

Foi ficando claro que isso era possível e foi ganhando corpo. E foi ganhando uma composição real e quando a gente ia na escola ou na formação, percebia que isso ia se materializando, porque também se percebia na prática o reflexo desse trabalho.

Os resultados começavam a aparecer. Pessoas aqui da Associação Comunitária, que não tinham essa visão como eu, iam aos poucos tentando. E no percurso, iam se engajando. Educadores.

Aqui na Associação, mesmo, foi bem visível, isso. Levou tempo, mas pessoas que trabalham comigo havia muito tempo, perceberem e entenderem o que era esse Projeto e a importância desse trabalho. Alguns só deixaram isso claro, por exemplo, no trabalho de elaboração do PPP, já quase na fase final do Projeto. Mas perceberam. Porque como o percurso é longo, as pessoas não conseguiam ver com essa clareza que eu tinha.

E, na escola, nós ficamos satisfeitos, porque despertamos nos gestores das escolas, e nos educadores também, essa mesma preocupação: essa vontade de atuar integrado, de ver que o ser humano se desenvolve de forma integral.

Não dá para compartimentar - a vida do bairro e a vida da escola separadas. Isso que eu acredito muito: que a gente possa aproximar mais o trabalho do bairro, o movimento social, as articulações da população local, com a atuação da escola. Muitas vezes, a escola fica separada desse processo, e aí é o mundo da escola, lá dentro, e o mundo real, aqui fora. E, eu vejo, o muro da escola é que separa essa realidade.

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Então, a contribuição é muito grande. E hoje, olhando assim um pouquinho mais distante de hoje, nós continuamos a articulação com a escola e vemos que muito resultado a gente já percebe nos educandos mesmo, no nosso Projeto, nas escolas. Nós percebemos, na postura, o ganho para os educandos já se mostrando de modo mais palpável, não é?

Você sabe que o fruto do trabalho vem em médio e longo prazo, mas já percebe isso em crianças, que são nossas, aqui, e que estão na escola. E nós percebemos a articulação com a família, o interesse grande por parte das instituições.

Com relação à escola, eu trabalhei bastante tempo em escola [como professor]. E eu não acredito na escola do jeito tradicional. Saí de dentro da escola porque eu não vislumbrava um caminho [de mudança a partir] de dentro da escola. Por isso, acreditava – e acredito ainda – que, de fora para dentro da escola, eu conseguiria melhores resultados. E o Projeto Diálogo contribui muito para isso.

Porque eu tenho uma comunidade aberta, aqui, como Associação, como educadores, e tudo mais. E é aberta para se aproximar da escola, ouvir o que a escola tem a dizer, os professores, os gestores, as famílias e também dar a nossa contribuição. E nós percebemos que isso é muito valioso hoje. Mas vejo também que há muito resistência, não é? De boa parte do corpo docente; e de boa parte, às vezes, dos gestores.

Não, ainda não é o ideal. Não acredito que tenhamos conseguido o ideal, mas já avançamos bastante. Nós percebemos que vários frutos já foram sendo colhidos, aí, nesse percurso. O engajamento na escola é diferente do engajamento no movimento social. Isso aí é a realidade, é da natureza mesmo [de cada instituição]. Mas essa aproximação é muito produtiva. E, hoje, com os projetos novos que nós temos aqui nessa gestão, isso se tornou ainda mais vital para nós!

Estamos trabalhando com uma garotada de seis a quatorze anos: 126 crianças e adolescentes, mais 60 adolescentes e jovens de quatorze a dezessete anos, no Centro para Formação de Crianças e Adolescentes, com formação profissional.

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E nós sentimos que, sem a aproximação com a escola, não vamos a lugar nenhum. Porque essa garotada fica quatro, cinco horas lá, [todos os dias], em conflito ou em paz com a escola e, a maioria das vezes, nós percebemos uma relação de conflito com a escola.

E também uma relação de conflito com a família, porque a família não entende. Às vezes, [a família] se ausenta por várias razões e nós percebemos que os resultados não são os melhores. Então, não tem outro caminho que não seja procurar a escola, procurar a família e atuar junto, não é?

Nós temos acompanhado alguns casos mais delicados, digamos, entre nós aqui: crianças, adolescentes que já foram expulsos da escola... Em três escolas. Garotos com treze anos! Se nós não nos aproximarmos deles, da família e da escola, como vamos conseguir um trabalho razoável com esses garotos?

A base do Projeto Diálogo está muito forte entre nós. E, nas escolas que nós trabalhamos – a Escola do Bairro e a Nova Escola do Bairro, mais recente – tem também essa possibilidade muito forte. Nós estamos aproveitando essa experiência, agora.

Isso é tema de uma discussão. que estamos fazendo para nos aproximar das demais escolas aqui, em nosso entorno, que é a Antiga Escola, a Outra Escola e a Escola

Estadual, aqui próximo. Porque o nosso público está lá. E nós percebemos uma

abertura dos gestores das escolas. Todas elas, quando foram procuradas, quiseram fazer trabalho com a Associação, com o bairro, com a comunidade. E nós temos essa experiência agora, muito rica.

Mas o desafio é muito grande. A gente até estava conversando com alguns educadores e o pessoal aqui da Associação, pois estamos mais animados, mais afoitos, querendo ir para duas, três escolas ao mesmo tempo.

E eu venho dizendo: “Olha, vamos devagar, vamos ganhar mais a musculatura, porque

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E, então, nós percebemos que essa experiência é uma experiência bem sucedida, que as escolas estão procurando. Estão procurando entender como funciona aqui o bairro – e as lutas aqui são muitas.

Esse ano, nós estamos, só no Bairro B, com 5.066 famílias em situação irregular quanto ao parcelamento do solo e quanto às casas construídas. Conseguimos, junto ao governo Federal, Estadual e o Municipal, um programa de urbanização.

Depois, temos aqui o Jardim I e II, com 6.000 famílias, também numa situação delicadíssima quanto às habitações e à segurança, entre outros problemas. E aqui, o nosso bairro, em que estamos trabalhando com 12.000 famílias. E percebemos como é a dificuldade dessas crianças, desses adolescentes, principalmente na relação com as instituições que eles frequentam: as escolas, as associações, as instituições de educação, etc.

E o Projeto Diálogo veio nessa direção mesmo, para consolidar a nossa visão, não é? Eu já pensava assim, e tinha dificuldades na Associação, envolvendo a formação [dos educadores]. Eu sabia disso. Queria que houvesse uma discussão, para que as pessoas entendessem melhor como seriam essas possibilidades novas, o eixo central mesmo do Projeto Diálogo. E essa contribuição do Projeto foi para consolidar o trabalho na Associação, dessa perspectiva humanista e, eu diria, ao mesmo tempo naturalista. Sim, humanista e naturalista.

Eu tenho um jeito de ver em que a grande dificuldade é harmonizar as relações humanas, mas que essas relações estejam também em harmonia com as relações da natureza. Eu acredito que muitas das relações humanas, às vezes consideradas “normais”, estão em conflito com a natureza [das pessoas]. Por exemplo, principalmente as seitas religiosas, algumas delas desumanizam a pessoa. Agridem a natureza dela, enquanto ser humano. E por isso eu acredito que tem que haver harmonização nas relações humanas, uma humanização; mas essa humanização deve ser o mais próxima possível das leis da natureza.

Por exemplo, ficar cinco horas sentado numa cadeira, não é uma regra favorável à lei da natureza. Nós podemos até colocar quarenta, trinta, vinte crianças sentadas cinco

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horas numa cadeira, quietinhas, e as crianças podem ficar ali bem comportadas, obedientes. Mas é uma agressão à natureza dessas crianças. É nesse sentido que eu falo: como fazer a pessoa ser não só obediente, mas viver como um ser mesmo pleno, que se manifeste, que critique, que não aceite aquilo que agride o bom senso.

Então esse movimento, ao mesmo tempo de humanização e de harmonia com a natureza, para mim se dá em dois momentos: com o processo de entender a pessoa como parte de uma sociedade – a socialização; mas também ao se entender o processo natural das coisas. E nem sempre nós conseguimos aqui atender às necessidades naturais, mas nos aproximamos disso ao máximo, para que haja o máximo de harmonia nesse sentido.

E novamente, como já afirmei, vejo que o Projeto Diálogo veio para consolidar essa visão e a gente perceber que nem sempre o “normal” é correto, é natural. Tem muitas normas que estão estabelecidas, mas não trazem a felicidade ao ser humano. Às vezes, as pessoas estão acomodadas seguindo normas rígidas que são impostas, reprimem as pessoas e elas se submetem. Então acaba sendo sua submissão e não o seu desenvolvimento. E aqui, o Projeto Diálogo contribuiu muito para que a nossa equipe da Associação Comunitária tivesse essa clareza. Que não é porque é considerado normal que nós devemos aceitar como razoável!

Tem posturas que são “normais”, mas que nós temos que discordar delas. Não é

normal o professor acreditar que ele é o dono da verdade, que a criança não pode

contestá-lo. O normal é a criança e o adolescente poderem contestar o seu professor em certas ocasiões. Como um professor contestar e fazer essa discussão.

Mas a norma na escola não é essa. A norma é o professor falar e o educando obedecer. E assim, também, prevalece na família. Mas é uma cultura que, concluímos, não é a melhor.

Então, todo esse percurso, desde as primeiras conversas – a aproximação com as escolas, com a família, com os gestores, com os educandos, com o bairro, com a comunidade – fez parte da formação que foi ocorrendo, os grupos de reflexão que nós tivemos nesse processo todo. E todo esse percurso, eu diria... continua até o dia de

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hoje, porque nós temos encontros ainda na escola, e isso é muito importante: é quando nós percebemos os frutos da formação da equipe, na busca de solução para os conflitos que aparecem.

Foi um presente para nós. “Do céu”, digamos assim, entre aspas. Porque precisava. Nós precisamos muito dessa experiência de conhecer, de refletir, e também de aproximação. Por isso nós ganhamos muito e passou a ser um diferencial no nosso trabalho.

O tempo todo nós recorremos a essas reflexões, a esse material e mesmo à contribuição das pesquisas que foram feitas. Destaco aqui a pesquisa de [cita o nome de duas pesquisadoras e um pesquisador]. E até nós temos um grupo de estudo aqui entre nós, justamente de retomar essas pesquisas, o que fazemos, como as pessoas levantaram essas informações, para que nós possamos aproveitar no planejamento de nossos coordenadores e na relação com a escola. Hoje mesmo, tem um grupo quinzenal na escola, como parte de um Projeto com jovens.

Nessa aproximação nossa com a escola, fazemos uma análise, uma reflexão com a nossa equipe em relação à escola, e vice versa. Então, está praticamente seguro que nós vamos permanecer nessa aproximação. Uma relação mais profunda, porque se mede mesmo pela disposição de continuar, das equipes. E foi o Projeto Diálogo que contribuiu pra que isso se tornasse realidade, não é?

Desde a fase de sensibilização até a formação dos grupos, das comissões, depois as assembleias para cada segmento das instituições: essa é a maneira que nós acreditamos mesmo que se deve fazer, para que as decisões cheguem de forma mais adequada. E todas essas fases que ocorreram, elas contribuíram muito! Inclusive as entrevistas reflexivas...

Eu me lembro bem que, nas nossas assembleias, elegemos prioridades. Conseguimos avançar em algumas, nas principais prioridades. Conquistamos isso. Então, essa forma de construir a participação efetiva de todos os segmentos é muito bacana. Muito bom. E nós aprendemos como fazer isso.

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Não é fácil. Fazer é um desafio constante, por isso a gente retoma, eu retomo o tempo inteiro com o pessoal essa forma de fazer a participação acontecer.

A representação, por exemplo. Hoje mesmo, nós estamos discutindo muito essa questão da representação do educando, de educadores. Trazendo o pessoal para o Conselho da Associação. Dando voz às pessoas. E todos, todos querem falar: desde a educação infantil até a formação profissional. E os pais. Aprendemos bem a fazer isso, com o Projeto Diálogo. Foi muito bom.

Os grupos de reflexão também, o coletivo, os gestores, as pessoas interessadas que participaram. A discussão do nosso PPP, relacionando isso com a nossa prática também, ficou muito forte para nós.

E a formação que houve também pela Labor, não é? Foi um curso muito bom também, que as pessoas aprenderam a elaborar projeto. O Pequeno Projeto, nós utilizamos muito, em tantos projetos nossos! É Pequeno Projeto Pedagógico159, não é?

Aprendemos a fazer. Então, todas as etapas aí foram importantes... Por isso que o Projeto demorava!

As pessoas, aqui da Associação, que queriam o resultado imediato, não percebiam (e eles precisavam perceber) que o Projeto era para três anos, quatro anos. E cada etapa tinha uma complexidade e uma riqueza própria. E então, algumas pessoas que queriam resultado mais rápido, uma formação rápida ali, mais ou menos uma receita pronta, no começo se decepcionaram.

Depois, no percurso, nós percebemos que aí, sim, as pessoas entenderem aquilo a que eu me referia anteriormente. Então essa formação, essa participação e essa articulação que se deu em todo esse período, foi fundamental para nós. Ficou claro, para nós: foi uma proposta de trabalho que ia se construindo lentamente, passo a passo.

159 Aqui ele se refere ao chamado Pequeno Projeto Didático descrito no Fascículo 5 da Proposta

Pedagógica Labor. Sobre esses fascículos, ver Nota 12, no Capítulo 1. Acesso aos fascículos pelo site

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Difícil? Claro! Como caminhar: a proposta vai se desenvolvendo passo a passo.

E uma outra grande vitória, que eu acho muito positivo, são as parcerias, não é? Pessoas que vão se juntando a nós nesse percurso. São pessoas maravilhosas, elas têm uma energia que vai conjugando nesse trabalho, e isso tem sido muito rico, muito valioso. Desde as pessoas que participaram mais diretamente do Projeto, como aquelas que foram chegando ao perceber esse trabalho.

Ainda hoje, mesmo, há pessoas que percebem esse trabalho conosco e aí começam a procurar saber como chegamos até aqui, quais foram as bases, com quem nós contamos, e vão se juntando. Outros já olham e já vão embora, porque percebem que não é o campo de atuação deles. Mas está claro isso para nós, e quando as pessoas somam conosco é porque entendem rapidamente que têm algo em comum. Uma energia comum.

Entrevistadora

– “Se fosse ter um Projeto desse tipo, em outros lugares como este, você recomendaria

alguma coisa para mudar, para avançar? Do teu ponto de vista, teria alguma coisa que você recomendaria?”

Eu, particularmente, gostei tanto desse trabalho que fica difícil até recomendar, porque nós fomos acertando no percurso, não é? A gente foi a cada encontro; e fazia nossas avaliações; e ia ajustando, construindo: [o Projeto] deu muito espaço para a gente fazer juntos.

E nós fomos acertando o rumo do trabalho de forma coletiva, mesmo. Então, eu não vejo uma maneira melhor de fazer. Eu, sinceramente, não vejo. Porque é uma abertura. Houve uma abertura muito grande para se construir. E as sugestões, as críticas ali, sempre foram muito bem acolhidas. E esse é um aspecto muito positivo desse trabalho. Eu recomendo.

Para mim, ficou muito claro que tem instituições que se aproximam e falam: “- Opa, isso não. Isso aqui não é para mim!” Porque não têm abertura para o enfrentamento

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pessoas no mesmo nível. E isso acaba fazendo as pessoas ou aderirem ou recusarem. Devido à clareza, não é? Clareza de como as pessoas são fortes!

Assim, eu recomendo que seja feito dessa maneira. Porque há muita abertura para se entender e não há uma pressa para se fazer, leva o tempo que for necessário. O próprio jeito de fazer as Assembleias, as reuniões com a comunidade, com os representantes do segmento... Houve tempo mesmo, sabe? Para planejar e para se fazer - o que normalmente não acontece.

Foi muito bacana.

6.3 Narrativa do diretor e da coordenadora pedagógica da Escola do