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2. CENÁRIOS: CONTEXTO E HISTÓRICO DO PROJETO

2.1 A Universidade se aproxima da Associação Comunitária

Em entrevista dada à autora, Heloisa Szymanski relatou que, na década de 1980, buscando investigar sobre o tema “A família pensada e a família vivida”, começou a trabalhar com as famílias das crianças atendidas por uma organização que atuava num bairro da Brasilândia.

Partindo de temas propostos em encontros anteriores com os familiares, eram realizadas reuniões sistemáticas que, inicialmente, consistiam na devolutiva da sistematização das falas e conclusões da reunião anterior, seguidas de breves exposições intercaladas por discussões do tema.

Heloisa resolveu adotar, como forma de devolutiva, o sociodrama, uma vez que a forma escrita não fazia muito sentido para aquelas famílias. “Eu desenvolvi um

sóciodrama, para eles entenderem o que eu descobri com o trabalho. O sóciodrama é um recurso que permite uma participação e uma compreensão muito grandes. E foi

18 Ver, no Anexo 1, o resumo do Relatório do Projeto Participação e Diálogo enviado ao CNPq, em 2010,

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muito bom. Tão bom, que as pessoas quiseram continuar a fazer esses encontros lá. Então criamos esse trabalho com as famílias.”19

Tempos depois, devido a mudanças na diretoria dessa instituição, o trabalho foi interrompido. Mas outra organização da mesma localidade, a Associação Comunitária (que viria a fazer parte mais tarde do Projeto Participação e Diálogo) recebeu o grupo de pesquisa da PUC-SP, estando interessada justamente nesse tipo de atendimento para as famílias das crianças que frequentavam a Creche.

Foi então oferecido à Associação Comunitária um primeiro trabalho com as famílias da Creche, associado a uma pesquisa-intervenção participante – o projeto Relação

Família/Creche: O Desenvolvimento de uma Prática Educativa Dialógica e a Constituição da Identidade20. Sobre esse projeto foi publicado um artigo (SZYMANSKI, 2007).

O objetivo da parceria, nessa época, era o de “abrir um espaço de reflexão sobre

educação das crianças e co-construir alternativas dialógicas para a educação dos filhos”21. Com base num referencial teórico, método e foco de estudos já estabelecidos, os pesquisadores desenvolveram algumas atividades iniciais com a Associação, que

“naquele momento assumiram a forma de encontros grupais com as famílias dos moradores do bairro”22. Tais encontros, semanais, eram mobilizados pela Associação e, como anteriormente, facilitados por recursos de sociodrama, “pois tal procedimento

ensejava uma participação ativa”23.

Os pesquisadores, ao mediar os encontros, observavam as histórias e as vivências expostas, evitando interpretar o que ouviam e viam “numa busca do sentido, e não de

19 Texto extraído da entrevista mencionada.

20 Esse Projeto foi alvo de vários trabalhos de iniciação científica, dissertações de mestrado e teses de

doutoramento, conforme Anexo 2.

21 Texto extraído do artigo SZYMANSKI, H. A participação na pesquisa em psicologia e educação:

ensinamentos da experiência. VII Simpósio Nacional de Práticas Psicológicas em Instituição – CD ISBN 97885-98843 – 51 – 1. São Paulo, 2007.

22 Idem. 23 Idem.

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explicações causais.”24 E, a cada encontro, se fazia uma devolução dos dados sistematizados do encontro anterior, os quais eram apresentados e discutidos, constituindo-se em sua análise, ou compreensão dos pesquisadores a respeito deles. Estabeleceu-se, assim, um clima de respeito e confiança entre pesquisadores e famílias, permitindo que mães e pais expressassem suas dificuldades na educação dos filhos, em especial quanto a superar o paradigma autoritário e adotar atitudes dialogais. “Os momentos de reflexão oferecidos pelos encontros eram muito apreciados pelas

mulheres e considerados como raros momentos em que se podiam trocar ideias”25. Exigências da Prefeitura, com a qual a Creche Comunitária é conveniada, tornaram necessário que as educadoras buscassem obter diploma de terceiro grau e que o Projeto Político Pedagógico fosse apresentado rapidamente. Para tanto, uma pesquisadora da PUC-SP deu uma ajuda, “muito no sentido dela fazer [por eles], longe

do processo participativo, porque eles tinham uma necessidade urgentíssima. Tinham que entregar [esse documento] na semana seguinte para a Secretaria. Então, ela fez o Projeto Pedagógico praticamente sozinha, mas foi com essa base que depois foram se desenvolvendo os outros.”26

Outros aportes foram feitos por meio de projetos de alunos, os quais faziam “a

observação dos professores e o registro do comportamento das crianças da creche”27, o que era posteriormente matéria de processos formativos nas “Paradas” – assim chamado o dia por mês reservado para reunir todos os educadores e funcionários, visando planejar e avaliar as atividades, bem como trabalhar a formação dos educadores da Associação Comunitária.

24 Idem. Aqui o artigo está se referindo aos pressupostos da fundamentação teórica da pesquisa, de

base fenomenológica. Esses fundamentos estão explicados, de forma sucinta, no capítulo sobre a metodologia empregada na presente tese, que segue a mesma linha teórica.

25 Cf artigo citado acima.

26 Fala de Heloísa Szymanski na entrevista mencionada. 27 Cf artigo citado acima.

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Então, “havia uma troca em que eles reconheciam tanto que precisávamos de sua

colaboração para levar adiante nossas obrigações acadêmicas, como viam em nossa atuação uma retribuição pelo que estavam oferecendo.” 28

Constatou-seque os encontros com as famílias significavam, para os participantes, “uma situação de escuta que raramente lhes era dada”.29

Durante uma década de encontros sistemáticos (1995 a 2004), a equipe de pesquisa se consolidou e obteve, finalmente, o pleno reconhecimento de seu compromisso com as questões relacionadas a educação e família. Os pesquisadores perceberam que esse longo tempo foi necessário, ao constatar que esta população tem sido alvo da manipulação “por „políticos‟ inescrupulosos e/ou por pesquisadores ávidos por „coletar dados‟ para suas publicações e teses. Por outro lado, elas também se acautelam, definem seu período de prova, antes da admissão dos „estrangeiros‟.”

“Isso nos faz pensar na importância de se ter um compromisso social com a população

com quem se constrói a parceria, e o tempo necessário para o estabelecimento de uma relação de confiança.”30 A constituição dessa parceria foi, assim, considerada como um processo de aprendizagem lento para ambas as partes. Do lado da Universidade, havia uma relativa transitoriedade na equipe, uma vez que alunos de graduação e pós- graduação passavam de dois a quatro anos no grupo, enquanto duravam suas pesquisas. Somente a orientadora manteve-se permanente na equipe, ao longo desses dez anos iniciais. Mas os grupos iam sendo mudados aos poucos, com maior tempo de permanência por parte de alguns pesquisadores cujas pesquisas se estendiam por vários anos, enquanto outros entravam e saíam do grupo, mantendo-se dessa forma a coerência e continuidade da ação.

Do lado da Associação Comunitária houve também algumas mudanças no conjunto de educadores e gestores, e bem mais mudanças nas famílias que frequentavam os

28 Idem. 29 Idem. 30 Idem.

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encontros, tanto por que sua disponibilidade e interesse variavam, quanto pelo fato de seus filhos saírem da Creche após alguns anos.

Em meados de 2004, uma nova perspectiva de parcerias se ofereceu: a mesma educadora, que havia apresentado a PUC à Associação Comunitária, tornara-se professora de uma escola da vizinhança, a Escola do Bairro31. Como o novo diretor dessa escola – um professor de Ensino Médio muito dedicado e apreciado por seus alunos – estivesse à busca de ajuda, para conseguir trabalhar de modo consistente com a comunidade e as famílias dos estudantes, apresentou-o à Associação Comunitária e à PUC-SP, sugerindo um trabalho conjunto.

A equipe da Universidade achou a ideia interessante e buscou um outro parceiro, com o qual já trabalhara em pesquisa-intervenção anterior: a Associação Educacional Labor32 que, justamente, desejava pesquisar uma forma de atuação que proporcionasse a integração entre escola, organização social educativa e famílias da comunidade.

Assim nasceu no âmbito da PUC-SP, em seu Departamento de Psicologia da Educação33, o Projeto Participação e Diálogo, para o qual foram garantidos os componentes de pesquisa, apoio às atividades e acompanhamento permanente por parte da Universidade, com a colaboração da Labor.

2.2 Porque a Associação Educacional Labor procurou a parceria da