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3.1 QUEM SOMOS NÓS

3.1.2 A busca pelo equilíbrio vital

Alga Marinha

Eu tenho 45 anos, casada, professora de Língua Portuguesa na rede pública estadual e municipal de Natal /RN. O relato abaixo tem como objetivo apresentar meu processo de formação profissional e experiências vividas ao longo dos anos que marcaram e contribuíram para a profissão que hoje exerço.

Minha formação profissional (formal) começou nos anos de 1979 a 1981, quando iniciei o curso secundário de Habilitação de Magistério para 1º Grau (com habilitação para ser professora de Ensino de 1º Grau de 1ª a 4ª série), conferido pelo Colégio Nossa Senhora do Carmo, em Parintins – Amazonas. Era uma escola católica, dirigida por irmãs da congregação Filhas da Caridade, com professores da rede estadual de ensino. Depois, em 1982 fiz um acréscimo com a Habilitação para o Magistério, para ensinar alunos da 5ª e 6ª séries do 1º Grau na área de Letras (Língua Portuguesa, Inglesa e Educação Artística), conferido pelo Colégio Batista de Parintins (AM), uma escola particular, dirigida pela Igreja Batista da cidade.

É importante salientar por que fiz habilitação para o magistério. Primeiramente porque na época não havia nenhuma universidade na cidade, apenas dois cursos de Ensino de Segundo Graus. No Colégio do Carmo se optaria por Magistério ou por Contabilidade. Na Escola Batista também só havia o Magistério. Somente alguns anos mais tarde é que chegou o Científico. Se quisesse fazer um curso diferente, teria que viajar para Manaus ou Belém, que eram as capitais mais próximas. Ou tentar uma vaga na Escola Técnica Federal de Manaus.

Em segundo lugar, meu pai era empregado de fazenda de gado, com pequenos recursos para me manter na capital. Além do mais, eu tinha uma relação difícil com os cálculos. Porém, observando a habilidade de liderança que tinha nos estudos de primeiro grau, pois sempre era líder de classe, assumia aulas quando o professor pedia para tomar conta da classe, etc., não vi outro caminho, senão ingressar no Magistério.

Por outro lado, minha cidade pobre do jeito que era, sem fábricas, sem indústrias, sem produção, sem perspectiva para o futuro. Aliás, o aluno tinha os seguintes caminhos: estudar para ser técnico em contabilidade do comércio da cidade, fazer magistério e tentar uma vaga nos concursos públicos, ser comerciário, ou se ligar à igreja e trabalhar em algum órgão dela, casar e ser dona de casa, morar no interior e passar a ser agricultor ou tomar conta dos terrenos dos ricos, ou se quisesse fazer uma faculdade, viajar para Manaus, morar na casa do estudante ou casa de parentes, enfrentar as adversidades de uma cidade de pedra e continuar o estudos.

E o que fiz? Terminei os estudos já citados. Consegui um emprego na entidade ligada à igreja, chamada Movimento de Educação de Base – MEB, entre os anos de 1982 a 1985. Essa entidade foi espaço de aprendizagem de grande valor para minha formação profissional. Lá, pude conhecer as ideias de nosso querido Paulo Freire. Pude fazer cursos de conjuntura nacional, encontros com pessoas de outros estados ligados ao MEB (Pará, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Brasília). Tive experiências com as comunidades ribeirinhas. Foram anos de muita riqueza na formação intelectual e cultural e na tomada de consciência crítica diante da problemática brasileira.

Mas conheci minha alma gêmea e com 22 anos casei, tive a primeira filha e não pude viajar para Manaus para tentar uma faculdade. Fiz concurso público para professor de Língua Portuguesa na rede do Estado do Amazonas e comecei a lecionar.

Para continuar minha formação é preciso falar de como vim parar no Rio Grande do Norte: meu marido era (e é ainda) bancário do Banco do Brasil, era também na época professor de contabilidade do Colégio do Carmo. Além do mais, éramos militantes de partido de esquerda.

Quando Collor assumiu o governo, disse que iria acabar com os “marajás” do Banco do Brasil. Mas, na verdade, perseguiu todos os que eram militantes do PT, PCdoB e PDT, que foram um a um sendo transferidos. A proposta era “pedir transferência para qualquer lugar do Brasil, ou pedir as contas”. Ficamos com a primeira opção, mas com uma ressalva: se tivermos que ir, iremos para um

lugar onde possamos estudar, crescer culturalmente e onde nossos filhos pudessem ter mais oportunidades do que aquelas que, pelas circunstâncias em que viviam nossos pais, nós não pudemos tê-las quando adolescentes. Então, optamos por Natal, devido aos comentários positivos a respeito da cidade.

No ano de 1991, chegamos a Natal, sentindo-nos exilados em nosso próprio país. Os primeiros anos foram de muitas saudades. Mas buscamos continuar a formação.

Eu e meu marido tentamos várias vezes a Universidade Federal, mas devido às nossas bases serem fraquíssimas em Matemática, Física e Química, e até Biologia, não logramos êxito. Tínhamos boas notas nas demais matérias, mas não conseguíamos passar no ponto de corte nas referidas disciplinas. Então, para não perder tempo, fomos para a faculdade particular.

No ano de 1997, fui graduada em Licenciatura em Letras – Português, Inglês e respectivas Literaturas pela Universidade Potiguar – UNP, Natal/RN, tendo recebido o certificado de Láurea da turma concluinte, com média 9,24. Isso foi um motivo de alegria interior, porque eu me esforçava muito. Por outro lado, eu vinha do interior de uma região considerada fraca em relação ao ensino formal universitário. Além do mais, eu lecionava pela manhã, à tarde e estudava à noite. Além disso, ainda tinha que cuidar dos meus três filhos pequenos e enfrentar muitas dificuldades financeiras (sempre as enfrentamos, mesmo tendo vários empregos).

No curso de Letras, sempre me dediquei. Lia bastante, amanhecia fazendo trabalhos, tentava captar o máximo. Conheci professores que me incentivaram, que valorizaram o esforço que eu fazia e aqueles que também passavam sem deixar marcas. Tive oportunidades de fazer seminários, fazer cursos, participar de encontros, congressos, estágios.

Entre os anos de 1993 a 1996 fiz um curso de Inglês, mas ficou incompleto. Depois, fiz no CCAB/Natal RN, entre os anos de 1996 a 2000, o curso completo de Inglês.

Este ano de 2008, mais especificamente no mês de julho, concluo uma especialização em Formação Docente para o Ensino Superior pela FACEX – Faculdade de Ciências Cultura e Extensão do Rio Grande do Norte.

Na realidade, comecei essa especialização em 2003 e não pude dar conta para concluí-la na época porque eu coordenava uma escola privada pela manhã, lecionava na rede municipal à tarde e na rede estadual à noite. Negociava com a escola os dias de ir para a aula. No final, não aguentei. Tive que trancar o curso. Ano passado, pedi para sair da escola particular. Organizei meu horário e estou em fase de conclusão do curso, após cinco anos.

Considero o curso bom, pois nos dá uma visão de que estudos são necessários para exercermos uma função de professor de nível superior. Contudo, penso que falta mais. Todavia, não posso deixar de relatar a oportunidade de ter conhecido professores competentes que nos oportunizaram maior conhecimento: como professora Carmozi, Aiene, Rita Diana, Helena Mabel, que, em 2003, me mostrou um pouco do que seria a tão sonhada Universidade Federal, quando tentei mestrado, sendo aprovada na prova escrita, embora sem lograr êxito no projeto, e a querida professora Salonilde, exemplo de simplicidade, de sabedoria e competência que me deu oportunidade para fazer parte de uma base de pesquisa na Universidade Federal.

Acho que este ano o meu caminho foi retomado de forma mais madura com a entrada na base de pesquisa. Estou muito contente com esse estudo. Penso poder colaborar, compartilhar, me empenhar e com tudo isso aprender e encontrar também uma direção na minha formação intelectual e profissional.

Vale salientar que todo o percurso vivido por mim contribuiu para minha atuação como profissional da educação.

Penso que a minha experiência no processo de ensinar e aprender começou muito antes de eu ingressar no curso do Magistério, pois quando tinha 12 anos, logo após a minha primeira comunhão, fui convidada para ser catequista de crianças entre 7 e 10 anos. Eram alunos que recebiam as primeiras orientações sobre os ensinamentos da Igreja Católica.

Quando fiquei adolescente fui coordenar um grupo de 20 jovens da paróquia da Catedral de minha cidade; continuava com a catequese e passei a ministrar curso de batismo para pais e padrinhos que almejavam batizar suas crianças. Além de acompanhar retiros de jovens, dando palestras e orientações religiosas.

Com 17 anos, tive que assumir a coordenação geral da pastoral jovem da Catedral. Aproximadamente 300 jovens pertenciam a essa Paróquia, divididos em vários grupos menores. Os

encontrões – como eram chamados – ficavam sob a minha responsabilidade para coordenar e administrar junto a uma equipe de outros jovens. Fiz esse trabalho por vários anos.

Lembro-me que entre 1979 e 1981, com 16, 17 anos prestei serviços no PRÓ-GENTE, órgão ligado à FEBEM, dando reforço de Português, Matemática e cidadania para adolescentes.

Depois, entre 1982 e 1985, trabalhei no Movimento de Educação de Base – MEB – Parintins (AM), como assistente Educacional, na função de supervisora, junto às comunidades rurais, dando cursos, palestras, assessorando encontros comunitários e outras atividades que envolvessem educação, comunidades de base, saúde, cidadania, religiosidade, valores morais, etc. Nessa época fazia programa radiofônico na Rádio Alvorada de Parintins, como forma de orientar as comunidades ribeirinhas.

Nos estudos secundários, muitas experiências foram importantes, pois foi aí que tive oportunidade de entrar em contato com escola e aluno na função de professora estagiária. Dentro de mim e no meu agir eu já demonstrava aptidão para professor. Às vezes, eu assumia a classe para os professores. Sempre liderava atividades e mantinha a classe organizada, pois ser líder de classe durante vários anos de estudo deu base para a minha formação profissional. No Ensino de 2º Grau fui um ano presidente do grêmio estudantil.

No terceiro ano do segundo grau estagiei no Colégio Nossa Senhora do Carmo, dando aula de Inglês, Português e Ensino Religioso para alunos da 5ª série. Depois fiquei dando aula de Religião e substituí uma professora de Inglês por alguns meses.

Quando fiz o Adicional de Letras, no Colégio Batista de Parintins, eu pude ter experiências como estagiária, com alunos das outras séries (5ª a 8ª séries). Nunca tive problemas com domínio de classe e sempre me saía bem no domínio do conteúdo. As relações com os alunos também eram boas.

Após concluir os estudos secundários, fiz concurso público e fui aprovada para exercer o cargo de professor de Língua Portuguesa, Inglesa e Educação Artística para alunos de 5ª e 6ª séries na rede pública estadual. Penso que os estudos realizados durante o ensino secundário foram importantes demais para a minha formação.

No curso de Letras muitas ações ajudaram na minha atuação profissional, tais como: fazer exposições orais na sala, em seminários; dar embasamento para o estudo da língua, incentivo de muitos professores, oportunidade de estágio. Conhecer teóricos da educação, da linguagem. Por outro lado, por ser uma universidade particular, sempre lidei com a dificuldade em relação à questão financeira. Ter que reivindicar desconto, bolsa, etc. Não ter dinheiro para comprar livro, não poder participar de um determinado congresso por causa do financeiro.

A falta de tempo para estudo também foi um fator que sempre me preocupou no Ensino Superior. Nem sempre podia estudar como gostaria. E penso que continua sendo assim até agora. Fazemos nossos estudos sempre às pressas, tendo que sacrificar outros afazeres, o lazer, a família, se quisermos conseguir alguma coisa.

Na especialização, como já citei, o tempo, as dificuldades financeiras são os maiores fatores que dificultam a atuação profissional porque vontade não falta em mim para ser o profissional competente. Sempre estou lendo, estudando, revendo minha prática e minhas bases para poder atuar de modo eficaz e eficiente.

Tenho consciência de que aprender a aprender, aprender a ser e aprender a conviver, como escreve Delors (2003), são bases para o profissional e o estudante. Se não tivermos consciência de que isso precisa acontecer constantemente no processo de nossa formação e, acima de tudo, se não a executarmos, o ensinar e o aprender ficam vagos e difíceis.

Como já citei anteriormente, a conjuntura de minha cidade e as aptidões que desenvolvi desde criança me levaram a tornar-me professora.

 Ensinar e aprender;

 Facilidade de me expressar oralmente e por escrito;

 Ter habilidade para liderar, orientar, ensinar, organizar e estimular situações de aprendizagem;  Paciência para ensinar alguma coisa a alguém;

 Necessidade da minha cidade;

 Retribuição à escola o que dela aprendi;

 Ter segurança, estabilidade financeira e profissional;

 Gostar de trabalhar com atividade que envolva a língua, a linguagem e a literatura;  Ter como gerenciar e dirigir a minha própria vida profissional e financeira;

 Contribuir com a melhoria na sociedade a que pertenço.

A imagem que tenho de mim mesma: penso que sou uma professora muito especial. Sou dedicada, responsável, consciente do meu papel na escola e na sociedade. Tento fazer o melhor possível e me preocupo quando o aluno não está aprendendo, ou quando está faltando aula.

Sou autodidata. Estudo sempre o conteúdo para ministrar a aula. Além do mais, me preocupo com minha formação, sempre que posso faço algum curso, estou lendo periódicos, livros que possam dar embasamento teórico e facilitar a minha prática.

Procuro diversificar os recursos, ajudar na autoestima do aluno, nas orientações para as boas maneiras, na consciência quanto aos valores morais e à ética. Não admito que os alunos tenham comportamentos inadequados na sala de aula, procuro manter a ordem, a disciplina.

Procuro, na sala de aula, deixar claro nosso objetivo. Os meus e os dos alunos. Se tivermos isso claro, a relação entre aluno e professor transcorre de forma tranquila. Deixo claro que a base de tudo é respeito que se tem um para com o outro.

Por outro lado, sempre que possível tento manter bom relacionamento com os colegas, com a equipe técnica e direção. Embora nem sempre concorde com algumas posturas. Tento ser discreta, cuidadosa na relação com o colega, pois não me sinto bem em entrar em desacordo com alguém.

Ensinar algo a alguém é aprender com esse alguém. A vida de professor é uma eterna troca, partilha. Quem o faz direito tem a ganhar como pessoa e como profissional. Não me permito ver como professor relapso, mesmo ganhando um salário injusto. Através do meu ato de ensinar e aprender com aluno não permito que alguém possa dizer que não fiz meu trabalho dignamente.

Por fim, me vejo como profissional da educação que constantemente reflete sua prática e a transforma sempre que necessário para haver melhor aprendizagem, pois além do conteúdo de ensino preestabelecido nos currículos, há necessidade de o professor possuir um conjunto de saberes que abrangem o mundo, a didática, os temas transversais, a formação, a troca de experiências com os colegas, os conhecimentos científicos, as informações da atualidade, etc.

Sinto-me responsável pelo todo da escola. Não espero que alguém venha me dizer para fazer algo a fim de resolver os problemas, mas se percebo, já procuro soluções e ajo de forma a melhorar. Isso porque me sentiria mal se alguém viesse dizer que meu trabalho está a desejar.

Eu ainda gostaria de ser professora. Existe uma realização intersubjetiva e intrassubjetiva. A minha realização depende da realização e do aprendizado do outro. Mas não gostaria mais de ser professora de alunos do Ensino Fundamental, gostaria de experimentar o Ensino Superior. Isso forçaria maior aprofundamento. Eu teria que me debruçar mais sobre o ensino, a pesquisa, a extensão. Exigiria de mim mais habilidade e competência profissional. Acrescentaria mais experiência à minha prática pedagógica, já que passei por quase todos os níveis de Ensino.

Por outro lado, tenho uma vontade, ainda que distante, de ser pedagoga. Penso que tenho bastante habilidade para isso. Tenho experiência de sete anos de coordenação escolar e percebi durante esse tempo que essa seria outra atividade em que me sairia bem.

Mais distante ainda, poderia ser psicóloga. Dentro de cada professor existe um ouvidor, um conselheiro, um conhecedor de comportamento humano e alguém que tenta solucionar problemas de ordens comportamentais, emocionais, com fins de melhorar a atuação na sociedade. E assim eu me vejo. Todavia, teria que fazer vestibular. E aí me sinto despreparada para enfrentar Matemática, Física e Química e concorrer com os mais jovens que vêm de cursos isolados.

E se um dia nada disso der mais certo, quem sabe ser uma promotora de eventos sociais e culturais, pois durante os anos de coordenadora, organizei e animei festas, missas, formaturas, aniversários, cursos, etc.