2.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
2.3.5 Sessões Reflexivas
Atualmente, as Sessões Reflexivas são usadas nos procedimentos de formação de professores como a tendência formativa que evidencia a reflexão crítica como elemento importante e necessário para possibilitar aproximação entre teoria e prática nos contextos de formação inicial e continuada de professores.
Essa perspectiva introduz uma concepção diferente de formação de professores em todos os níveis, pois “[...] se destaca o valor da prática como elemento de análise e reflexão do professor”. (GARCÍA, 1997, p. 53). Para mobilizar o exercício da reflexão crítica entre os professores, é preciso criar estratégias que facilitem e justifiquem a sua aplicabilidade. Essa condição está ancorada na abordagem colaborativa.
Assim, a Sessão Reflexiva é “[...] um locus que cada um dos agentes tem o papel de conduzir o outro à reflexão crítica de sua ação ao questionar e pedir esclarecimentos sobre as escolhas feitas”. (MAGALHÃES, 2002, p. 4). Corroborando essa compreensão, Pimenta (1997, p. 71) argumenta que a reflexão, via pesquisa, é o melhor meio de formar professores, ressaltando que “a reflexão sobre a prática, sua análise e interpretação constroem a teoria que retorna à prática para esclarecê-la e aperfeiçoá-la”.
Dessa forma, o exercício da reflexividade repercute e incide, necessariamente, sobre as práticas e teorias implícitas no saber/fazer do professor no contexto da sala de aula. O processo reflexivo crítico leva à tomada de consciência dos professores para repensarem a sua prática a partir das discussões acerca do processo de ensino-aprendizagem.
Assim, as Sessões Reflexivas nesta investigação foram utilizadas a partir de planejamento sistematizado, cuja finalidade foi o desenvolvimento da capacidade de o professor refletir criticamente de forma intencional e sistemática sobre os conhecimentos teóricos e a sua relação com a prática docente, para uma maior aproximação da teoria e da prática na compreensão das práticas de sala de aula, com vistas a uma possível transformação. Ainda, as Sessões Reflexivas foram propostas como espaço fundamental para a constituição de profissional crítico e reflexivo em educação, considerando que, “[...] se a teoria e a prática são algo indicotomizável, a reflexão sobre a ação ressalta a teoria, sem a qual a ação (ou a prática) não é verdadeira”. (FREIRE, 1980, p. 40).
Com base em Freire (2005) e Smyth (1992), a reflexão crítica se apoia em quatro ações descritas por eles (descrever, informar, confrontar e reconstruir), encadeadas entre si e ligadas a certos tipos de perguntas. Dessa forma, para refletir criticamente, os agentes precisam descrever suas ações em respostas à pergunta – o que fiz? Essa descrição detalhada leva os indivíduos a se distanciarem das ações desenvolvidas e a se perguntarem sobre as razões de suas escolhas.
A ação de descrever expressa a atividade prática da forma como ela se efetiva, isto é, “[...] o foco está sobre a visualização das ações que serão analisadas, ou seja, o conteúdo da descrição aborda a aula ou evento, foco do processo reflexivo”. (LIBERALI, 2008, p. 49).
Em se tratando da reflexão de observações em sala de aula, essa é desencadeada a partir da contextualização minuciosa da ocorrência da aula. Abrange alguns questionamentos, como, por exemplo, as citadas na Observação Colaborativa.
O ato de informar visa ao entendimento em busca dos princípios e significados que embasam as ações em sala de aula e dos conhecimentos que estão sendo transmitidos ou construídos na escola. Na ação de informar, devem-se explicitar, como enunciamos antes, os
motivos, os objetivos e as razões das escolhas feitas no decorrer da prática docente. Desse modo, vale considerar a abrangência do foco da análise discursiva reflexiva:
[...] não mais o microcontexto da sala de aula, o conhecimento transmitido ou construído, as atividades didáticas, questões de ensino-aprendizagem desse conteúdo e papéis de aluno e professor, mas um contexto social que relaciona a escola como agente cultural à comunidade e a sociedade mais ampla. (MAGALHÃES, 2002, p. 12).
O contexto social em que a escola está localizada permite ao professor trabalhar o conhecimento científico relacionando-o ao conhecimento cotidiano do aluno, na construção de novas formas de agir no mundo social.
O momento seguinte é o do confronto, em que se questiona – como cheguei a ser assim? Esse momento permite uma compreensão mais significativa das ações, em que são confrontados os conhecimentos construídos ao longo do processo de desenvolvimento pessoal e profissional na perspectiva de sua ressignificação. A ação de confrontar objetiva retomar os conhecimentos internalizados em contexto sócio-histórico de ação e interação sobre as teorias que sustentam a sua ação para compreender melhor o real significado do processo de ensino- aprendizagem.
Magalhães (2002) ressalta que essa etapa constitui momento crucial da reflexão crítica e é difícil de ser alcançado. Nesse caso, a reflexão deve ser orientada no sentido de estimular a não trabalhar o conteúdo apenas de forma pontual, mas relacioná-lo ao contexto escolar mais geral, fazendo uso social desse conhecimento. Essa ação provoca conflitos, pois a teoria, ao ser questionada, poderá ser mantida ou transformada.
Ao ser aplicada, conduz as partícipes a perceberem quais as teorias e ações são adotadas em sua prática docente em consequência de normas culturais e históricas que foram sendo assimiladas. “Para entender e trabalhar com o confrontar, é preciso um questionamento profundo de valores que estão na base das ações pedagógicas”. (LIBERALI, 2008, p. 69).
A busca das causas das ações realizadas, bem como as explicações teóricas que sustentam a prática pedagógica, cria as condições para que essa mesma prática seja reconstruída como alternativa para as novas ações de forma mais consistente. Implica o porquê das novas proposições.
Na reconstrução, considerada a última ação do processo de reflexão crítica, são analisadas criticamente as ações desenvolvidas como novas possibilidades de fazer,
confrontando-as com os conhecimentos teóricos elaborados de forma sistemática ou assistemática.
É no reconstruir que exercemos poder para refazer as práticas, propor outras atividades que possam tornar as ações compreensivas, fundamentadas e coerentes com os objetivos planejados e entender as necessidades dos alunos. “[...] Assim torna-se necessário um voltar- se para o contexto escolar, com ênfase na compreensão do grupo com o qual trabalhamos para que propostas de novas ações possam ser feitas [...]”. (LIBERALI, 2008, p. 81). O exercício dialético das ações supracitadas ocorre de forma completa e entrelaçada nos processos de reflexão crítica, mais precisamente nas Sessões Reflexivas.
Neste estudo, as Sessões Reflexivas nos deram a oportunidade de desenvolvermos o pensamento reflexivo acerca das práticas de sala de aula que tiveram como objeto de análise os dados construídos nas observações colaborativas, sendo operacionalizadas a partir de três momentos distintos, mas imbricados dialeticamente formando o todo, uma vez que um auxilia na construção do outro, quais sejam: a reflexão intrassubjetiva, a intersubjetiva dos pares e o intrassubjetivo dos pares.
A reflexão intrassubjetiva se constitui em uma reflexão individual de cada partícipe no que diz respeito à atividade da aula, tendo como referência as ações de descrever, informar, confrontar e reconstruir, conforme a orientação a seguir.
Sua descrição atende as características de:
Contextualização, respondendo as questões: O quê? Qual? Quando? Quem? Onde? Para quê? Como?
O seu relato é:
Claro, minucioso e isento de posicionamentos;
Complementado pelos princípios que orientam as ações, os motivos, os objetivos e as suas razões;
Fundamentado em explicações teóricas, valores culturais, explicitando as causas das ações e suas contribuições, relevância e consistência;
Estruturado de maneira que apresente alternativas de novos direcionamentos de sua prática;
Outras observações sobre a experiência relatada.
Esse momento oportuniza às partícipes, individualmente, revisitarem, compartilharem e analisarem a sua prática docente.
A intersubjetiva dos pares refere-se à reflexão feita pelas partícipes colaboradoras para a análise da ação docente, no sentido de pedir esclarecimentos, fazer questionamentos em
relação a aspectos não contemplados no relato. O objetivo é contribuir com o processo reflexivo no sentido de uma maior conscientização da prática e das possibilidades de transformá-la.
Nessa perspectiva, esse momento seguiu o roteiro abaixo: Descrever:
Qual a série da turma descrita? Quantos alunos havia na aula? Quem escolheu o tema? Qual a matéria lecionada?
Qual o conteúdo abordado na série? Qual o objetivo do conteúdo trabalhado? O que motivou a escolha do assunto? Considera o tema interessante? Por quê? Como organizou a sala de aula?
Que atividades foram desenvolvidas?
Como os alunos atuaram durante essa atividade? Como ocorreram as situações de aprendizagem? Os alunos gostam da sua matéria?
Quais as formas de participação dos alunos? Foi como planejou? Por quê? Informar:
O objetivo foi atingido? Por quê?
Quais os tipos de conhecimentos trabalhados? Por quê? Por que optou por esses conhecimentos?
Qual foi o papel do aluno nessa aula/atividades? Por quê?
Como o conhecimento foi trabalhado? Foi construído, coconstruído? Por quê? Encontrou dificuldades em trabalhar esses conhecimentos? Quais?
Encontrou dificuldades em estimular os alunos a efetivarem as situações de aprendizagem?
A que atribui essas dificuldades em sua prática? Confrontar:
Considera que a mediação desenvolvida contribui para o desenvolvimento dos alunos, ou não? Por quê?
Qual a relação entre o conhecimento e a realidade particular do contexto de ensino? Que conceitos e teorias embasam a sua prática docente?
Qual a relação entre esses conhecimentos e sua prática para a formação dos alunos? Sente alguma dificuldade para desenvolver a mediação? Quais? Por quê?
Como a aula colabora para a construção de cidadãos atuantes na sociedade na qual vivemos?
A sua forma de ensinar serviu a que interesse? Por quê? Reconstruir:
Mudaria a mediação dessa aula, ou não? Por quê?
Que relação estabelece entre sua atividade prática atual e as anteriores?
O que poderia fazer para melhorar a sua prática docente, nessa aula/atividade? Que proposta teria para atingir esse objetivo? Por quê?
A reflexão intersubjetiva refere-se à contribuição dada por cada partícipe enquanto integrante da investigação colaborativa. Esse momento do processo reflexivo permite às partícipes fazerem observações sobre as ações relatadas e contribuírem para avanços tanto teóricos quanto no campo da prática que se efetiva na sala de aula. Implica analisar, confrontar, ampliar, (des)construir e (re)construir em parte ou no todo a ação docente.
Cabe ressaltar que durante o processo esses momentos reflexivos são trabalhados de forma hierárquica, porém são dialeticamente entrelaçados. Quando estamos refletindo, ao descrevermos, também informamos, confrontamos e, às vezes, reconstruímos nossas ações. A reflexão que realizamos não é estanque, mas em movimento.
O terceiro momento, o intrassubjetivo dos pares, consiste na reflexão relativa à contribuição de cada partícipe no processo colaborativo vivenciado. Compreende as observações acerca de ações estimuladoras do processo reflexivo. Para a sua efetivação, apresentamos o roteiro que se segue.
Durante os momentos do processo de reflexão, nas ações de: Descrição:
Solicito informações complementares;
Retomo aspectos que ajudem na compreensão do que foi relatado; Evidencio contradições presentes no relato.
Informação:
Solicito evidências da relação entre as práticas e os princípios que as orientam; Complemento a discussão acrescentando outras evidências acerca dos relatos; Concordo com os argumentos apresentados, acrescentando outros;
Discordo dos argumentos, quando necessário, apresentando e esclarecendo meu ponto de vista.
Confronto:
Solicito esclarecimentos sobre a pertinência e importância do referencial teórico; Estimulo a identificação dos pressupostos teóricos e a relação com a prática; Acrescento à discussão os meus argumentos;
Discordo dos argumentos, quando necessário, fundamentando meu ponto de vista; Solicito explicações sobre as causas dos fatos descritos.
Reconstrução:
Coloco questões que auxiliam a ampliação das alternativas de mudanças na prática; Apresento algumas sugestões, evidenciando sua pertinência e importância para a
consecução dos objetivos propostos. Escuta:
Escuto os pares com atenção; Respeito a vez de falar do outro;
Contribuo para os partícipes aprenderem a escutar. Espera:
Espero minha vez para falar;
Registro minha ideia para expressá-la no momento oportuno; Contribuo para os partícipes aprenderem a esperar.
Os roteiros que utilizamos durante o processo reflexivo seguiram em parte a mesma estrutura elaborada na pesquisa Conhecendo e Construindo a Prática Pedagógica, da base de pesquisa Currículo, Saberes e Práticas Educativas, do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN, acrescentando-se apenas questões referentes à especificidade de nosso estudo e outras dos estudos de Liberali (2008).
As Sessões Reflexivas foram gravadas em MP4 e transcritas na íntegra, tendo o cuidado para que nenhum detalhe fosse suprimido. Em seguida, devolvidas às partícipes para as devidas correções/alterações antes da redação final do texto.
Foram realizadas cinco Sessões Reflexivas, duas com Alga Marinha, duas com Água Viva e uma com Estrela do Mar, na sala do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Ciências Sociais Aplicadas (NEPSA/UFRN), exceto uma que se efetivou no Colégio Salesiano Dom Bosco Natal/RN. As sessões tiveram a duração média de duas horas e meia.