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Em busca do significado de profissionalidade

4.1 OS SIGNIFICADOS CONCEITUAIS DE PROFESSOR

4.1.3 Em busca do significado de profissionalidade

As contradições surgidas no interior da forma de organização social feudal geraram as condições de sua própria transformação, dentre elas, o ressurgimento das cidades, passando a se constituírem centros comerciais nos quais a troca passou a ser mediada pelo dinheiro.

E, assim, as cidades se transformaram em centros de comércio, onde os produtores trocavam seus produtos. Surgiu então uma profunda

transformação: o que até ontem era apenas uma fortaleza, começava agora

a ser um mercado. Os habitantes, chamados burgueses, acabaram se

fundindo em uma classe predisposta a vida pacífica e urbana, bem distinta da vida guerreira e rural, que era apanágio da nobreza. (PONCE, 1981, p. 97, grifo do autor).

As transformações ocorridas na economia e nas relações sociais se fizeram sentir também na educação. Não mais bastavam as escolas dos monastérios, eram necessárias as escolas das catedrais. “O ensino passou, assim, das mãos dos monges, para as do clero secular” (PONCE, 1981, p. 98) – e deste para os mestres-livres e para a universidade, pela emergência das corporações de arte e ofício instituídas pela burguesia urbana.

Esses acontecimentos provocaram mudanças tanto no conteúdo do ensino como na situação jurídica e social dos professores. No dizer de Manacorda (1989, p. 173-174, grifo do autor), “[...] estes mestres formam uma verdadeira corporação e arte idênticas às outras

corporações de arte e ofício e sem ligação os collegia doctorum ou as universitates dos Studia generalia [...]”.

Surge então diversidade de mestres:

Mestres autônomos, mestres com proscholus, mestres associados em „cooperativas‟, mestres capitalistas que assalariam outro mestre, mestres pagos por corporações, mestres pagos pelas comunas: nesta variedade de relações jurídicas, estamos perante a escola de uma sociedade mercantil que, quase totalmente livre da ingerência da Igreja e do império, vende sua ciência, renova-se e revoluciona os métodos de ensino. (MANACORDA, 1989, p. 174, grifo do autor).

Organizados em guildas (associações) e corporações, passam a constituir as antigas universidades, mantidas pelos ricos comerciantes e artesãos que enviavam os seus descendentes na busca de instrução e status.

Paralelamente ao avanço da burguesia que triunfava nas universidades, a pequena burguesia passou a exigir escolas primárias custeadas administrativamente pelas cidades, com o intuito de controlar as mantidas pela igreja.

Mesmo o município custeando o salário dos professores, não desobrigava o pagamento pelos alunos do ensino que lhes era proporcionado. “De fato, o aprendiz, além do rendimento progressivo do seu trabalho, devia pagar pelos ensinamentos que recebia”. (MANACORDA, 1989, p. 163).

As escolas pertencentes aos municípios, apesar do progresso alcançado em relação às monásticas, por terem inserido a substituição do latim pelos idiomas nacionais e dado importância ao ensino da aritmética e da geografia, mesmo que tivessem conseguido espaço no ensino ministrado pela igreja, ainda não eram tidas como populares.

Segundo Manacorda (1989), situação semelhante ocorre no Renascimento: a proclamada educação popular continua a existir no molde anterior, apenas com uma pequena diferença, qual seja, os indivíduos devem ver na educação uma forma de subir na sua classe. Para galgar a esse posto, surge o pedagogo, um homem douto, capaz de ensinar os filhos da burguesia a brilharem na sua corte. “Apesar do intenso movimento educativo que caracterizou o Renascimento, em nenhuma oportunidade surgiu a mais tímida tentativa de educação popular”. (PONCE, 1981, p. 109).

Dessa forma, a educação se caracterizava entre o dizer e o fazer, marcada essencialmente pela advertência, em que cabia ao mestre falar e ensinar e ao discípulo obedecer, silenciar e escutar. Nessas condições, é evidente dizer que o significado atribuído

ao mestre (professor) é de poder, por meio do qual exercia o seu ensino de forma “livre”, dirigindo a classe de aprendizes para dizer como eles deveriam fazer para aprenderm a falar e escrever as palavras. Era um tipo de ensino mútuo, controlado pelo mestre, com o auxílio de um instrutor.

Assim, Manacorda (1989, p. 259) afirma: “O mestre está na extremidade da sala sentado sobre uma cadeira alta. Supervisiona toda a escola, e especialmente os monitores. Vigia as divisões quanto à instrução, examina uma ou duas vezes por semana cada classe, assiste as repetições dirigidas pelos monitores”.

Esse mestre-professor controlava a classe impondo ordem, obediência. Os conteúdos ensinados por ele privilegiavam o exercício da memória, da erudição, exercícios repetitivos, constituindo-se um ensino moralista, com forte influência religiosa.

Conforme Tardif e Lessard (2008, p. 63, grifo dos autores):

O mestre é o centro da atividade na classe. Ele é o sol do sistema pedagógico: as ações dos alunos giram em torno dele, que impõe o ritmo dos exercícios, das repetições, das tarefas, dos movimentos, etc. Em resumo, é o mestre que assume o programa principal ou dominante da ação na classe.

Com efeito, o século XV muda as formas de gestão da atividade escolar com a ampliação do programa de ensino, o que significa um avanço na diversificação estrutural da classe docente.

Nesse contexto de mudanças e transformações em que os interesses se voltam para os negócios e para a investigação, devendo-se, por intermédio da razão, assimilar conhecimentos em vez de recebê-los, o professor passa a ser considerado transmissor desses conhecimentos, sendo “[...] portador de um saber laicizado, ao qual consagra inteiramente a existência e cuja produção/transmissão constitui a finalidade da actividade educativa”. (FERNANDES, 1998, p. 13).

Segundo Ponce (1981), os professores eram considerados os mais bem preparados para dirigir o ensino que atendesse às exigências e aos interesses da organização social que começava a se instituir.

Pressionada pelas exigências econômicas e sociais da época, a burguesia viu-se forçada a mudar a organização social e os meios de produção, passando da cooperação simples à manufatura e, posteriormente, à grande indústria.

Depois de tantos séculos de sujeição feudal, a burguesia afirmava os direitos do indivíduo como premissa necessária para a satisfação dos seus

interesses. Liberdade absoluta para contratar, comerciar, crer, viajar e pensar. Nunca como então se falou tanto em „humanidade‟, „cultura‟, „razão‟ e „luzes‟. E é justo reconhecermos que a burguesia comandou o assalto ao mundo feudal e à monarquia absoluta com tal denodo, com tanto brilho e com um entusiasmo tão contagioso, que, por um momento, a burguesia

assumiu diante da nobreza o papel de defensora dos direitos gerais da sociedade. (PONCE, 1981, p. 130, grifo do autor).

Desse modo, a burguesia torna-se classe dominante, assumindo-se como representante de toda a sociedade. Como esclarece Marx, para uma classe assumir tal papel, é necessário “[...] que determinada classe seja do escândalo público, a personificação do obstáculo geral a encarnação de um crime notório de tal maneira que ao emancipá-los dessa classe se realize a emancipação de todos”. (MARX apud PONCE, 1981, p. 131, grifo do autor).

Para as camadas sociais da época (burgueses, artesões, camponeses), a nobreza era a encarnação dessa classe. Nos meados do século XIX, como classe dominante, a burguesia exigia uma preparação maior dos mestres em relação à educação dos seus filhos que pudesse atender aos seus interesses de classe – em essência, uma educação diferenciada segundo a nova ordem social.

Segundo Fernandes (1998), a segunda metade do século XIX trouxe para o cenário educativo várias experiências associativas, vindo, sobretudo, marcar a presença dos professores na defesa dos interesses dessa camada social. Essas experiências favoreceram a composição de uma categoria profissional, no sentido de um corpo técnico dotado de saber especializado.

Entretanto, o autor ressalta que, no quadro do sindicalismo docente, ocorreu o incremento da escola popular, gratuita e obrigatória. O professor se torna o sacerdote de uma nova ordem política para propagar um sistema de crenças e valores baseado no livre- pensamento. O exercício da profissão ainda associado ao paradigma do professor missionário que sacrificava ou abandonava suas ambições legítimas, preferindo em troca um destino profissional reputado e transcendente – modelo profissional de autoanulação –, foi recusado pelo desenvolvimento do sindicalismo docente. Esse fato culminou na proposição da “[...] formação de um saber profissional que singularizaria o professor [...]”. (FERNANDES, 1998, p. 12).

Assim, no século XIX, os professores lutam por fazer valer a sua significação social e profissional, já assegurada pelo Estado, agora mais do que nunca, pelo fato de assumir a responsabilidade pela ascensão social dos indivíduos caracterizada pela expansão e

surgimento da instrução como algo superior dentro de uma escala social, bem como pelo desenvolvimento de técnicas e instrumentos pedagógicos em melhoria da educação das diversas camadas da população.

Diante disso, a imagem de professor que foi sendo construída denota a importância da função docente ao expressar o caráter especializado da ação educativa como sendo um trabalho da mais alta relevância social, ressalta Nóvoa (1999). Os professores começam a lutar pela sua profissionalização reivindicando a criação de uma instituição de formação. Levando em consideração o processo de profissionalização e reivindicação inscrito nas lutas corporativistas dos séculos XIX e XX, o mesmo autor ressalta que “[...] há uma consciência mais exacta da necessidade de incrementar práticas de cooperação inter-pares que deem corpo a uma nova profissionalidade docente”. (NÓVOA, 1995, p. 32).

Dessa maneira, a segunda metade desse século, principalmente em países da Europa, é considerada tensa para os professores devido à ambiguidade circunscrita em seu estatuto. A imagem fixada é a de um indivíduo entre várias situações: nem é burguês, nem é povo; não é intelectual, mas deve possuir um arsenal de conhecimentos para ensinar; apesar de não exercer o seu trabalho com independência, é útil que usufrua de alguma autonomia. O aparecimento das primeiras associações de professores no seio das escolas normais corresponde a um momento importante para que a profissionalização docente fosse disseminada, uma vez que os professores estavam mais conscientes de seus interesses como grupo profissional. (NÓVOA, 1999).

Manifestamente, no princípio, o século XX é marcado pela crença na potencialidade da escola e seus professores como protagonistas principais de um modelo escolar que leva o progresso ao conjunto da sociedade.

Conforme Nóvoa (1999), nesse século, há destaque para a década de 1980 como uma das mais importantes para os professores, pois, além de marcar uma virada na pesquisa educacional em todo o mundo, traz esses profissionais para o centro das investigações e dos debates acadêmicos gestados no meio da comunidade científica. Foi também uma década considerada muito difícil em termos de afirmação social, porque os professores assistiram à degradação das condições de trabalhos, e os conflitos salariais tornaram-se frequentes e visíveis, marcando, sobretudo, a crise vivenciada pela categoria profissional nesse período.

No final desse século e início do século XXI, ocorre mudança na significação de professor. Vislumbra-se a constituição do ser professor como profissional capaz de refletir sobre a sua prática e interpretá-la para compreender a realidade social frente à complexidade educativa, com garantias de êxitos, em face das incertezas, incompletudes e dilemas existentes

nos contextos institucionais e sociais. Pelo que sabemos, “[...] um professor não pode, apenas, „fazer seu trabalho‟, mas que deve engajar-se e investir a si mesmo no que é como pessoa nesse trabalho”. (TARDIF; LESSARD, 2008, p. 268, grifo do autor).

Nessa direção, é como afirma Lima (2008, p. 137):

O professor que antes não sentia necessidade de refletir sobre si mesmo – sobre seu saber, seu fazer e seu saber-fazer – agora precisa não só dessa reflexão, mas dessa reflexão no espaço do coletivo. O professor que saía da formação inicial “pronto” para exercer a sua função agora precisa cada vez mais do conhecimento. Conhecimento sobre seu trabalho, sobre o trabalho escolar e sobre si mesmo.

Nesse século, assistimos a uma virada no significado de professor. Esse passa a ser o profissional que “[...] participa na produção de saberes com métodos e estratégias sistematizadas, utilizando a pesquisa como mecanismo de aprendizagem”. (RAMALHO, NUÑEZ; GAUTHIER, 2004, p. 28). Zayas (1992 apud RAMALHO; NUÑEZ; GAUTHIER, 2004, p. 101-102) reforça esse entendimento ao traçar a seguinte consideração:

[...] esse profissional deve caracterizar-se por possuir uma formação básica e sólida de seu objeto de trabalho, de tal maneira que lhe permita trabalhar, de forma ativa, independente, criativa e crítica as situações-problemas de caráter geral (nos quais se expressam as singularidades numa dinâmica dialética) de sua profissão, além de, certamente, possuir um conjunto de competências complexas garantidas nas diferentes etapas de seu desenvolvimento profissional.

Encampando essa discussão, Imbernón (2006, p. 21, grifo do autor) registra a seguinte conceituação sobre o professor profissional:

[...] um agente dinâmico cultural, social e curricular, capaz de tomar

decisões educativas, éticas e morais, de desenvolver o currículo em um contexto determinado e de elaborar projetos e materiais curriculares com a colaboração dos colegas, situando o processo em um contexto específico

controlado pelo próprio coletivo.

Altet (2001, p. 25), referindo-se ao significado atual de professor, argumenta:

Definimos o professor profissional como uma pessoa autônoma, dotada de competências específicas e especializadas que repousam sobre uma base de

conhecimentos racionais, reconhecidos, oriundos da ciência, legitimados pela Universidade, ou de conhecimentos explicitados, oriundos da prática.

Uma outra definição sobre o professor profissional assim se delineia segundo o entendimento de Batista Neto (2006, p. 6):

[...] um profissional cuja atuação é complexa, capaz de realizar a leitura da realidade social, ter domínio conceitual e instrumental de sua área de conhecimento, atuar de forma ética, crítica, criativa, com autonomia intelectual, respeitando a pluralidade inerente aos ambientes profissionais e buscando desenvolver uma atitude propositiva na busca de soluções em seu campo de atuação, enfim, trabalhar de maneira integrada e colaborativa em equipe multidisciplinar.

Therrien (2006, p. 301) considera que o professor pode ser visto como profissional do saber, porque sendo sujeito hermenêutico vivencia o desafio de produzir sentidos: “Mediador de saberes, pois sua prática requer reflexividade, transformação e criticidade”. Para ele, o sentido hermenêutico quer significar a intencionalidade do trabalho do professor como intérprete do contexto de aprendizagem para a construção de sentidos e significados.

Silva (2005), referindo-se ao professor, seus saberes e suas crenças, elenca as alternativas sobre o que é ser professor, como se constrói para ser o profissional que é e como ele estrutura o trabalho docente.

Nessa investida, o professor como ser social, como pessoa, como construtor de cultura, de saberes, age e recebe as ações da sociedade, ao mesmo tempo em que constrói, é construído por ela. Por isso, a concepção que tem de professor se aproxima de Giroux (1994 apud SILVA, 2005, p. 32) ao caracterizar o profissional intelectual:

[...] ele é capaz de refletir sobre seu trabalho e capaz de transcender a alienação; não o vemos como um mero executor de tarefas. Para nós, o professor atua como sujeito, nas suas formulações de objetivos e em suas estratégias de trabalho. Ele pode algumas vezes estar equivocado nessas suas formulações, por falta de espaço reflexivo e não porque não é capaz de construir conhecimentos acerca delas. Se esse espaço lhe for garantido, ele terá oportunidade de detectar contradições, analisar e buscar caminhos.

Giroux (1997, p. 162), assim considerando, reitera sua concepção de professores como intelectuais, o que necessariamente nos induz a “[...] começar a repensar e reformar as tradições e condições que têm impedido que os professores assumam todo o seu potencial como estudiosos e profissionais ativos e reflexivos”.

A figura do intelectual crítico como descrito por Ghedin (2002, p. 140, grifo do autor) apresenta-se como alguém comprometido com a participação ativa e o propósito de desvelamento, ou mesmo de desentranhamento da “[...] origem histórica e social do que se apresenta a nós como „natural‟, por conseguir captar e mostrar os processos pelos quais a prática de ensino atrapalha-se em pretensões, relações e experiências de duvidoso valor educativo”.

Desse modo, o significado atribuído ao professor apresenta conotações diversificadas, contudo há elementos comuns entre as significações atribuídas pelos diversos autores que nos possibilitam elaborar um enunciado do que seja professor. Nessa perspectiva, conceituamos o professor como um profissional intelectual, crítico e reflexivo, detentor de conhecimentos gerais e específicos e mediador do processo de ensino-aprendizagem no contexto da educação escolar.

Considerando que o professor se faz pela docência, passaremos a discorrer sobre esta e seus significados.