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Do professor como mestre ao professor profissional

4.1 OS SIGNIFICADOS CONCEITUAIS DE PROFESSOR

4.1.2 Do professor como mestre ao professor profissional

À medida que a sociedade se torna mais complexa e se divide em classes sociais, a partir da divisão social do trabalho, o conceito de educação como função espontânea da sociedade vai se modificando, assim como o processo educativo. Agora pairam não mais interesses únicos de um grupo em colaboração, mas interesses distintos de uma classe em que o trabalho do homem adquire certo valor. Desse momento em diante, os fins educativos não comungam das ideias implícitas no corpo total da comunidade.

Como nos diz Ponce (1981, p. 26, grifo do autor),

[...] com o desaparecimento dos interesses comuns a todos os membros iguais de um grupo e a sua substituição por interesses distintos, pouco a pouco antagônicos, o processo educativo, que até então era único, sofreu uma partição: a desigualdade econômica entre os „organizadores‟ – cada vez mais exploradores – e os „executores‟ – cada vez mais explorados –

trouxe, necessariamente, a desigualdade das educações respectivas.

Com essa nova estrutura social, o conhecimento entre as classes sociais passou a ser fonte de domínio. Como consequência desse processo, existiam dois tipos de saber acentuando o profundo dualismo das sociedades divididas em classes sociais antagônicas.

Nessa base, os homens que fazem parte da classe dominante são possuidores de grandes propriedades de terras, de escravos e guerreiros. Com essas características, ocorre

cada vez mais o empobrecimento das massas, que não têm direito sequer de rebelar-se, mas, sim, de aceitar a sua condição de dominados.

No dizer de Cambi (1999), a educação mudou radicalmente. O modelo centrado na tradição mediado pela imitação ainda permanece, no entanto vai gradativamente perdendo sua hegemonia, redefinindo-se como processo de transmissão de saberes, e não só de prática.

Nesse âmbito, aparecem as cerimônias de iniciação, as quais constituem o primeiro esboço de um saber educativo diferenciado a ser ensinado pelos sacerdotes aos jovens, representando o que posteriormente viria a ser a escola a serviço de uma classe. Para cumprir os rituais propostos nessas cerimônias, cada classe submetia os seus jovens ao saber das tradições religiosas, dos mitos, os quais realizavam provas duras e coercitivas. É importante observar que já não existe mais uma educação espontânea, pura, integral, mas sim violenta e sistemática à base da submissão.

Cabe ressaltar que nesse movimento surge o Estado como instituição que defenderia o interesse da classe dominante de ter o direito para explorar e dominar as outras classes e camadas de classe.

Semelhante ângulo de análise torna-se imprescindível para a compreensão da educação na antiguidade. Os fins educativos são específicos para cada classe social. No caso da classe dominante, referiam-se a inculcar ideias, valores, para assegurar o seu domínio sobre os dominados, de forma que esses aceitassem as desigualdades como imposição da natureza das coisas. A educação configurava-se, assim, um processo de aculturação contra qualquer movimento que fosse contrário à classe dominante.

Nessa nova forma de organização social, surge a necessidade de um local específico para educar formalmente as novas gerações, e começa a se constituir a figura do professor numa dupla perspectiva. Por um lado, tinha-se o mestre de vida e de pensamento (sacerdotes e filósofos), dependendo da forma como a sociedade estava estruturada. Eles, à base do amor à sabedoria, nada exigiam em pagamento. Existia também um grupo de discípulos que escutava o mestre para encontrar dentro de si um saber ignorado até o desenvolvimento da sua consciência provocada pelo seu mestre. Por outro lado, tinha-se o docente (sofistas, escribas, mestre-escola), considerado um profissional preocupado com sua reputação e com o saber que ele domina, transmitindo-o na praça pública ou junto dos cambistas nos jogos olímpicos por um preço estipulado (Grécia), nas escolas (Roma) e no palácio (Egito). (FERNANDES, 1998; MANACORDA, 1989).

Percebemos que nas sociedades antigas desenvolveram-se duas concepções antagônicas de professor. A primeira considerava o professor um mestre dedicado ao

conhecimento, sendo este a única recompensa que buscava: “[...] Existe um bem que se transmite sem perdê-lo [...] sumo bem que „como espelho um a outro entrega‟ [...]”. (MANACORDA, 1989, p. 47, grifo do autor).

O papel do professor consistia em desbloquear o acesso ao saber, e para isso usava a sua competência profissional no domínio sobre o ensinar. O mestre-professor, nessas condições, não é visto apenas como um intelectual devido à qualificação alcançada, mas um intelectual de vocação, para quem o conhecimento é o foco principal. (HIRSCHHORN apud FERNANDES, 1998).

A segunda diz respeito à ideia do professor como profissional, cujo trabalho é historicamente servil e posteriormente de interesse público. “Mas, embora ensinem em escolas abertas ao público, são educadores privados e não funcionários estatais [...]”. (MANACORDA, 1989, p. 48).

Todavia, como afirma Ponce (1981, p. 67): “[...] o ofício de professor, da mesma forma como qualquer outro em que se ganhava um salário, era profundamente desprezado”. Isso se deve ao fato de que nas sociedades antigas qualquer forma de trabalho era considerada desprezível pela classe dominante.

De um modo geral, o professor nesse período da antiguidade pode ser conceituado como intelectual, mestre, mago, que sabe e que não necessita de formação específica ou de pesquisa, pois já são suficientes o seu carisma e suas competências retóricas para ensinar; o professor magíster ou mago é o que predomina. (ALTET, 2001).

Sendo assim, a figura do professor magíster, apesar de ter raízes no tempo antigo, ainda continua viva no imaginário dos professores da atualidade, sendo uma opção em aberto que cruza a profissão docente. O modelo magíster, por centralizar o foco na valoração do saber e do conhecimento, transforma a aprendizagem na recepção de um saber instituído.

As transformações que se produziram nas sociedades antigas conduziram ao surgimento de uma nova organização social cuja base de sustentação deixa de ser o trabalho escravo, passando a se manter pela produção servil. As classes sociais se ampliam, surgindo camadas sociais até então inexistentes.

Cambi (1999, p. 155-156, grifo do autor) esclarece:

A sociedade feudal é, portanto, uma sociedade fixa, com escassa mobilidade social e pouca reciprocidade; é uma sociedade de ordens, em que os homens se acham estavelmente colocados e têm um papel social bem determinado. No vértice estão os bellatores (os guerreiros) e os oratores (os cléricos), embaixo estão os laboratores (camponeses, artesãos, ou seja, o povo), mas

cada ordem tem direitos precisos e deveres que, sobretudo embaixo, são bastante impositivos e caracterizam a condição dos laboratores como de servidão (os „servos da gleba‟ eram, de fato, os camponeses, colocados no degrau mais baixo da sociedade feudal).

A classe social dominante compunha-se da nobreza e do clero, assumindo esta última camada social a hegemonia da educação. A esse respeito, é como explicita Manacorda (1989, p. 111):

No que concerne particularmente ao campo da instrução, verificam-se dois processos paralelos: o gradual desaparecimento da escola clássica e a formação da escola cristã, na sua dupla forma de escola episcopal (do clero secular) nas cidades, e de escola cenobítica (do clero regular) nos campos. Mas, não obstante as exceções, o nível cultural é muito baixo quer entre os bárbaros, quer entre os homens da Igreja, quer entre os representantes do império.

Contudo, a finalidade das escolas destinadas às massas campesinas não tinha como princípio a instrução, e sim a pregação.

Ponce (1981, p. 93) diz: “Preocupados unicamente em aumentar as suas riquezas pela violência e pelo saque, os senhores feudais desprezavam a instrução e a cultura. Ainda que, muitas vezes, soubesse ler, o nobre considerava o escrever como uma coisa de mulheres”.

Pelas discussões empreendidas, constatatamos que nas sociedades medievais o componente religioso permeia os modelos educativos, as práticas de formação e a organização das instituições. “Práticas e modelos para o povo, práticas e modelos para as classes altas, uma vez que é típico também da idade média o dualismo social [...]”. (CAMBI, 1999, p. 146).

É ainda Cambi (1999, p. 146, grifo do autor) quem nos informa:

Também a escola, como nós a conhecemos, é um produto da Idade Média. A sua estrutura ligada à presença de um professor que ensina a muitos alunos de diversas procedências e que deve responder pela sua atividade à Igreja ou a outro poder (seja ele local ou não); as suas práticas ligadas à lectio e aos

auctores, à discussão, ao exercício, ao comentário, à arguição etc.; as suas

práxis disciplinares (prêmios e castigos) e avaliativas vêm daquela época e da organização dos estudos nas escolas monásticas e nas catedrais e sobretudo nas universidades. Vêm de lá também alguns conteúdos da escola moderna e até mesmo contemporânea: o papel do latim; o ensino gramatical e retórico da língua; a imagem da filosofia, como lógica e metafísica.

Embora a igreja exercesse uma função hegemônica, desenvolveu-se o costume de venda da autorização de ensinar, particularmente na Europa, a denominada licentia docendi;

como consequência, surgiu o hábito de o licenciado cobrar o ensino, em contradição com o discurso religioso de que a ciência é dom de Deus e não pode ser vendida. (MANACORDA, 1989).

Nesse contexto, desenvolve-se a concepção do professor como sacerdócio. “Estamos diante do „monopólio eclesiástico da educação‟ e da difusão do modelo cristão, como ideal e como retículo de instituições educativas [...]”. (CAMBI, 1999, p. 158, grifo do autor).

Como podemos observar, o significado de professor tem se modificado ao longo da história, e mais recentemente é retomada a significação de profissão. “O professorado constitui-se em profissão graças à intervenção e ao enquadramento do Estado, que substituiu a Igreja como entidade de tutela de ensino”. (NÓVOA, 1997, p. 15).

Como esclarece Ponce (1981, p. 115), “[...] durante a Idade Média, a obra de qualquer docente só poderia ser secundária e acidental, qualquer coisa como a tarefa de um guia que coopera com Deus”.