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De um braço partido, nasce um novo organismo

3.1 QUEM SOMOS NÓS

3.1.1 De um braço partido, nasce um novo organismo

Estrela do Mar

Minha mãe teve pouco acesso à escola, mas sempre desejou ser professora, então quando eu nasci ela transferiu para mim esse desejo, quando eu fui pela primeira vez à escola fiquei encantada com aquela professora com o batom bem vermelho, lendo belos contos de fada para uma classe em total silêncio, todos viajando por aquele mundo encantado; tínhamos medo de piscar os olhos e perder o encantamento daquele momento. Então, entendi o desejo da minha mãe. E desde essa época que alimentei esse sonho.

Eu morava em Macau interior do RN. Vim para Natal cursar o Ensino Médio científico, pois quem fazia o científico tinha mais possibilidade de ingressar na UFRN.

Iniciei o curso de Pedagogia na UFRN em 1978. Nessa época, o país passava pela efervescência dos movimentos sociais e em especial o movimento universitário, pois se iniciava o processo de abertura política e a volta da democracia, consequentemente a eleição para o Diretório Central dos Estudantes.

Discuti e participei da formação da chapa Aroeira, que tinha como presidente Moisés Domingos, da eleição do DCE, como também da formação do Diretório Acadêmico de Pedagogia e da formação do Partido dos Trabalhadores.

Em sala de aula, recebi influência de alguns professores (Eva, Otávio e Basília) recém- chegados do mestrado trazendo novas concepções de ensino-aprendizagem, inserindo no currículo reflexões sobre o posicionamento sociopolítico do pedagogo e o seu papel na sociedade; mostrando que não existe neutralidade nos conteúdos nem na prática pedagógica. Era realmente um período contraditório, pois, ao término da aula de Eva, que era numa linha progressista, entrava o professor Guará, que era um militar reacionário que defendia a ditadura militar.

Nesse contexto tomei decisão em favor dos menos favorecidos; estudar ainda era a grande possibilidade de ascensão social para as camadas de baixa renda. Daí a grande importância do orientador educacional na reflexão dos problemas sociais, conscientizando os alunos sobre problemas brasileiros e buscando soluções para as questões políticas do nosso país. Ser estudante universitário nessa época era pertencer à elite cultural de um país, porém tínhamos o dever de transformar esta sociedade, éramos responsáveis por uma sociedade mais justa e igualitária. Estudante que não se envolvesse em política era alienado, reacionário e muitas vezes discriminado.

Durante a minha participação no D.A. de Pedagogia viajei para Bahia na delegação do Rio Grande do Norte para receber Paulo Freire que voltava do exílio para o Brasil com direito de expor suas ideias sem repressão. Lembro-me que no curso de Pedagogia não se falava de Paulo Freire, pois era proibido pela ditadura militar, e eu consegui comprar um exemplar da Pedagogia do Oprimido para discutir com os colegas e entender os motivos que levaram ao exílio, e quanto mais lia mais descobria o prazer de ser educadora e quanto eu podia contribuir na minha profissão para as transformações sociais. A cada momento, eu tinha mais certeza da importância que era ser professora nesta sociedade.

Neste contexto, ingressei numa escola particular religiosa para trabalhar como alfabetizadora, sendo o meu primeiro emprego, era uma turma de 25 alunos numa faixa etária entre cinco e seis anos. Sem que ninguém da Escola tomasse conhecimento, eu usava a cartilha o Sonho de Talita (obrigatória) para que os alunos fizessem as atividades de casa e na sala de aula desenvolvia com minha pouca leitura o método proposto por Paulo Freire. Em seis meses, todos os alunos leram textos. Foi um sucesso.

Outra experiência valiosa como aluna foi a minha participação no Projeto Rondon, que proporcionava ao aluno universitário o exercício da experiência profissional em outro estado do Brasil, momento em que pude exercer o papel do pedagogo na sociedade, preparando curso de capacitação

em Alfabetização para professores do interior de Minas Gerais, ministrando palestra sobre a Educação do Excepcional e muitas outras palavras.

A cada uma destas experiências eu percebia minha evolução e o meu crescimento profissional, todas as minhas vivências acrescentaram e contribuíram para minha vida profissional.

O curso de Pedagogia era dividido em Fundamentos da Educação, Ensino Profissionalizante e Formação Complementar. O Ensino Profissionalizante era dividido em Administração Escolar, Supervisão Escolar e Orientação Educacional. O aluno no 5º período teria que fazer sua opção. Eu optei por Orientação Educacional e passei a fazer parte da ASSOERN – Associação dos Orientadores Educacionais como socioaspirante e após minha formatura me tornei sócia e membro da referida associação. Ser parte da diretoria foi um fato marcante na minha vida, pois me fez compreender a importância da reflexão crítica sobre a prática pedagógica, pois acredito que é pensando na prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar, reavaliar e replanejar as novas ações pedagógicas.

A minha primeira experiência pedagógica como orientadora educacional foi na Escola Estadual Winston Churchil como serviço prestado. Neste período, o orientador educacional dava aula de orientação profissional ou de assuntos do interesse do aluno, foi muito difícil, pois o diretor da escola era um militar e impedia que os orientadores fizessem atividades que extrapolassem a sala de aula, como: murais, entrevistas, seminários, exposições... ou qualquer expressão que levasse à organização de grupo. E eu ficava muito frustrada, porém aprendi a ser cautelosa e acabava fazendo tudo que queria. Quando era chamada a atenção, justificava a importância do trabalho e enfocava que não sabia desta proibição.

Com seis meses meu contrato encerrou, então arranjei outro contrato. Agora fui trabalhar no Instituto Kennedy como professora da escola de magistério, era tudo que eu queria, pois já tinha experiência no Projeto Rondon e adorava trabalhar com professores. Aqui eu aprendi muito, pois a escola era muita tradicional, e eu tinha tido uma formação, digamos assim, progressista. Também havia um conflito de geração entre os professores, consequentemente as ações pedagógicas divergiam bastante. Os professores novos eram maioria e estavam ingressando no quadro de professores do Rio Grande do Norte. Constantemente, havia reuniões para tratar da postura dos professores do Kennedy, pois professor não podia ter bom relacionamento com aluno nem participar de discussões com alunos sobre didática e prática democrática. O professor tem que ser autoritário, pois o aluno não sabe lidar com a liberdade.

No ano seguinte, 1984, soube que a Escola Estadual Berilo Wanderley tinha aberto o curso de magistério, então me transferi para esta escola que me encontro até hoje.

Nesta escola, pude me realizar profissionalmente, pois tudo favorecia para que isto acontecesse: o corpo docente, a direção, todos tinham tido formação semelhante e pensavam em construir uma escola diferente, uma escola em que o aluno e o professor fizessem uma reflexão crítica sobre sua formação, sobre sua prática pedagógica e principalmente sobre o compromisso de educar a classe menos favorecida. Só assim poderemos construir uma sociedade mais livre e igualitária.

Hoje, trabalho como professora em várias instituições e me vejo como uma excelente professora, preocupada com a aprendizagem dos alunos, sempre descobrindo novas formas de envolver o aluno para novas descobertas, novos conhecimentos e também muito preocupada com o desenvolvimento socioafetivo dos mesmos, sou respeitada pelos meus pares por possuir o saber na minha área de conhecimento, como também pelo senso de responsabilidade, dedicação com os alunos e comunidade escolar e continuo com os mesmos ideais de construir um mundo melhor; acreditando que faço a minha parte para que possamos um dia ter uma sociedade justa.

Se tivesse que escolher uma nova profissão talvez fosse médica, pois teria possibilidade de ajudar muitas pessoas, conscientizar para a saúde e qualidade de vida, ganhando um salário melhor, estudando e trabalhando menos, tendo mais tempo para mim.

Hoje estou com 25 anos de experiência profissional, sou aluna do mestrado em Educação, participo da base de pesquisa Currículo, Saberes e Práticas Educacionais e quero investigar a problemática da ATENÇÃO em sala de aula, por entender que a atenção é uma variante importante para a aprendizagem humana.