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4.2 SIGNIFICANDO A DOCÊNCIA

4.2.2 Em busca da docência como atividade

A derrocada da estrutura medieval, a emergência de uma nova ordem estrutural econômica, política e cultural, bem como o surgimento de uma nova classe hegemônica – a burguesia – produzem gradativamente mudanças significativas no sentido e significado atribuídos à docência.

Hoje não basta ter um bom conhecimento sobre as disciplinas e saber explicá-las como se entendia tradicionalmente. Ao passo que a complexidade da realidade atual e o surgimento de novas condições de trabalho exigem do professor capacidade de pensar e agir para não reproduzir ações que foram pensadas por outros, a docência é o trabalho dos professores, atividade que ultrapassa a tarefa de ministrar aulas, apresentando suas singularidades.

Segundo Nóvoa (1999), a influência da Igreja e posteriormente do Estado na configuração de uma prática profissional provoca uma homogeneização, unificação e hierarquização em escala nacional dos professores, cujo enquadramento estatal configura-se como um corpo de profissionais, e não como uma ocupação, um ofício.

Nesse contexto, a profissão docente vai se estabelecendo a partir da constituição de sistemas nacionais de ensino que vieram a substituir a categoria de professores ligada à igreja e aos seus preceitos religiosos por uma categoria de professores laicos sob o controle do Estado.

Ao assumir-se como construtor da sua profissionalidade docente, o professor está ressignificando sua prática, reafirmando-se como profissional. Isso corresponde a uma condição socialmente produzida, em que o professor passa a ser visto como sujeito ativo “[...] capaz de ressignificar, com maior ou menor intervenção, os fazeres de sua profissionalidade”. (CUNHA, 2006, p. 487).

Conforme Veiga (2006), a função da docência em uma visão profissional está ligada à inovação. O seu exercício exige, além dos conhecimentos, habilidades essenciais para ensinar, aprender, pesquisar e avaliar, ou seja, reconfigurar saberes. Exige ainda outras possibilidades de escolhas e sensibilidade, alicerce da dimensão estética presente no novo, no criativo, na inventividade e na ética. Essas características são o que imprime qualidade à atividade docente.

Este enunciado traduz o que significa a docência para Veiga (2008, p. 20): “A docência é, portanto, uma atividade profissional complexa, pois requer saberes diversificados. Isso significa reconhecer que os saberes que dão sustentação à docência exigem uma formação profissional numa perspectiva teórica e prática”.

Porém, as significações atribuídas à docência são multifacetadas, considerando que o professor interage com seres humanos, o que consiste, especialmente, em gerir relações sociais com seus alunos e suas diferenças.

Tardif (2002) coloca seu entendimento sobre o tema exposto afirmando que gerir essas relações implica fazer escolhas que exigem respostas diferenciadas, dadas as situações e experiências de cada um no espaço da sala de aula. Essas escolhas envolvem conhecimentos, convicções, crenças, compromisso com o trabalho e representações que o professor faz dos alunos que devem ser únicas em cada contexto.

Partindo dos seus estudos em parceria com Lessard, Tardif concebe a docência “[...] como uma forma de trabalho sobre o humano, um trabalho interativo, no qual o trabalhador se relaciona com seu objeto sob o modo fundamental da interação humana, do face a face com o outro”. (TARDIF; LESSARD, 2008, p. 275).

No entanto, Tardif considera também a questão da racionalidade à medida que os professores, como outros profissionais, são dotados de razão, pois eles fazem julgamentos, tomam decisões, comportando-se geralmente de acordo com regras e condutas orientadas em que os julgamentos e as decisões são baseados em certas exigências da racionalidade.

Em suma, regra geral, como a vasta maioria dos trabalhadores e dos profissionais, o professor sabe, na maioria dos casos, porque diz e faz qualquer coisa, no sentido de que ele fala e age em função de razões e de motivos que servem para determinar seus julgamentos profissionais em seu meio de trabalho. (TARDIF; GAUTHIER, 2001, p. 200).

No campo da docência, a racionalidade que dá suporte ao trabalho do professor na contemporaneidade abrange o conhecimento científico, a comunicação, a dialogicidade, a argumentação e a criticidade. Essa racionalidade, assim, reconhece e compreende a docência:

[...] como “gestão e transformação pedagógica/ética da matéria” sugere, portanto, de uma racionalidade complexa, interativa, dialógica, do entendimento, que não exclui a racionalidade normativa, instrumental de determinados campos da ciência e da tecnologia, mas que a integra num processo voltado para a emancipação humana e profissional dos sujeitos em formação. (THERRIEN, 2006, p. 304).

Mais especificamente, a docência significa trabalho humano especializado que não é partilhado por todos, apenas pelo grupo de professores, porque requer certos saberes

específicos, típicos do ofício de ensinar, imersos na base da atividade pedagógica de quem ensina.

A docência na perspectiva de Pérez Gómez (1997) é considerada uma prática baseada na reflexão na e sobre a ação, por desencadear reflexão sobre o conjunto de questões educativas, nesse entorno o professor e a aula ocupam espaço privilegiado, como assim, considera esse autor:

Um processo de investigação na acção, mediante o qual o professor submerge no mundo complexo da aula para a compreender de forma crítica e vital, implicando-se afectiva e cognitivamente nas interacções da situação real, questionando as suas próprias crenças e explicações, propondo e experimentando alternativas, participando na reconstrução permanente da realidade escolar. (PÉREZ GÓMEZ, 1997, p. 112).

Entendendo que os ofícios relacionados ao ensino sempre existiram e que os professores são e sempre foram pessoas que exercem esse ofício profissional, Altet (2001) corrobora o que evidenciamos em relação ao conceito de professor. Para essa autora, a docência configura-se como:

[...] passagem do ofício artesanal, em que se aplicam técnicas e regras, a uma profissão, em que cada um constrói suas estratégias, apoiando-se em conhecimentos racionais e desenvolvendo sua especialização de ação na própria situação profissional, assim como sua autonomia. (ALTET, 2001, p. 25).

Diante da especificidade da profissão, o professor estabelece relações e interações variadas de acordo com a evolução da situação pedagógica e do contexto o que leva a autora a estabelecer a seguinte compreensão acerca da docência:

[...] um processo de tratamento da informação e de tomada de decisões em sala de aula, no qual o polo da dimensão relacional e da situação vivida com o aluno em determinado contexto é tão importante quanto o polo do conhecimento propriamente dito. (ALTET, 2001, p. 26).

O significado atribuído à docência por Ibiapina (2007a, p. 40) revela-se como:

[...] atividade de ensino e pesquisa que necessita de conhecimentos especializados, saberes e competências específicas adquiridos tanto por meio

de processo de formação acadêmica contínua e permanente, quanto da prática. Essa atividade exige reflexão crítica e tem a finalidade de mediar aprendizagens e garantir a educação escolar dos estudantes.

Diante das várias significações atribuídas à docência, o conceito por nós elaborado é o de que a docência é uma atividade especializada exercida pelo professor resultante de planejamento, pesquisa e reflexão crítica, com o objetivo de mediar o processo de ensino- aprendizagem no contexto da educação escolar.

A discussão acerca dos significados de professor e de docência nos permite sintetizar esses conceitos em uma rede conceitual, possibilitando, assim, visualizar a inter-relação entre seus significados.

No que se refere à contribuição da formação de conceitos, sua estrutura é indiscutível, pois “[...] a rede é o conjunto de nós unidos em suas conexões nas quais não subsiste isolamento e sim uma reciprocidade profunda e permanente intercambialidade”. (FERREIRA; FROTA, 2008, p. 19).

Nessa perspectiva, apresentamos a rede desses conceitos como forma de ampliar as possibilidades de sua utilização pedagógica, considerando, ainda, o que dizem Ferreira e Frota (2008, p. 31): “[...] há formas diferentes de abordar a formação e desenvolvimento de conceitos em situações formais de aprendizagem. Essas formas dependem dos referenciais teórico-metodológicos que lhes dão sustentação, assim como dos paradigmas que os orientam”.

Nesta pesquisa, a rede evidencia as conexões existentes entre o geral, o particular e o singular dos significados anteriormente citados, visualizados na Figura 2.

FIGURA 2 – Rede conceitual do conceito de professor e docência

Fonte: Elaborado pela autora (2009). Conceitos a serem significados

Tendo como referência a evolução dos significados atribuídos a esses conceitos, analisamos por meio dos enunciados por nós expressos como essas significações se relacionam com a história dos mencionados conceitos.

DOCÊNCIA é uma atividade e sp e cia liza d a d e ensino-aprendizagem exercida pelo PROFESSOR resu ltante de pesquisa reflexão crítica planejamento e co m o objetivo de m edi ar o processo de contexto no da educação escolar éum profissional Intelectual/crítico reflexivo dete nto r d e conhecimentos gerais e específicos mediador do

5 NOSSOS SABERES

Este é um saber fundante da nossa prática educativa, da formação docente, o da nossa inconclusão assumida. O ideal é que, na experiência educativa, educando, educadoras e educadores, juntos “convivam” de tal maneira com este como com outros saberes de que falarei que eles vão virando sabedoria. Algo que não nos é estranho a educadoras e educadores. (FREIRE, 1996, p. 58).

Situar a formação de professores como epicentro das preocupações educacionais principalmente a partir do século XX e delimitar os processos que envolvem a formação dos saberes docentes no confronto com a prática em suas diferentes dimensões permitem-nos fazer reflexão sobre o movimento desses saberes na prática como campo de significação na elaboração do conceito de professor e docência.

Partindo desse ponto de vista, é necessário, portanto, refletir acerca da construção dos saberes docentes em estreita relação com o processo de formação do professor no desenvolvimento da prática profissional. Para tanto, partimos de contribuições de autores das várias áreas pertencentes às ciências humanas e sociais que nos fornecem subsídios preciosos à reflexão sobre essas questões. Dentre esses autores, podemos citar: Nóvoa (1997, 1995, 2006, 2008); Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004); Ibiapina (2007a); Gauthier et al. (2006); Pimenta (2005); Tardif (2002); Fiorentini, Sousa Júnior e Melo (1998); Charlot (2000), dentre outros.