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A chamada autoficcção

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 37-40)

3 A LITERATURA AUTOBIOGRÁFICA

3.5 A chamada autoficcção

Segundo Phillippe Vilain10 a autobiografia passou a chamar-se de autoficção por

moda. Diz ele:

Por moda, passou a se chamar autoficção tudo o que, de uma forma ou de outra, tenha a ver com o autobiográfico; tanto narrativas factuais que fielmente respeitam determinada experiência, [...] quanto romances autobiográficos atribuindo essa mesma experiência a um personagem não descrito na primeira pessoa.

Vilain considera que se estabeleceu uma imensa confusão cuja conseqüência foi a de c ertos críticos denominarem de autoficção indistintamente até mesmo trabalhos de

10 Vilain, Phillippe. De como o romance resistiu a todo tipo de guerrilha teórica. In: Jornal do Brasil de

17 de novembro de 2007.

autores que se negam a que sua obra seja incluída no gênero romanesco, com total recusa de ficção.

Foi Serge Dubrovsky, escritor francês da década de 70 quem criou o termo de autoficção; este fato levou Philippe Lejeune a fazer uma distinção entre autoficção referencial e autoficção fictícia. Vilain prossegue dizendo que a criação de Dubrovsky escapou inteiramente ao seu inventor que considerava a autoficção “uma variante pós-

moderna da autobiografia, na medida em que ela não acredita mais numa verdade literal, numa referência indubitável, num discurso histórico coerente e tem consciência de ser uma reconstrução arbitrária e literária de fragmentos avulsos da memória”.

Dubrovsky inclui na capa de seu livro Filho (Fils) um breve texto destinado a ser um aviso ao leitor no qual ele explica seu ponto de vista. Cito:

Al despertar, la memória del narrador, que rapidamente toma el nombre del autor, cuenta uma historia en la que aparecen y se entremezclan recuerdos recientes (nostalgia de un amor loco), lejanos (su infancia antes de la guerra y durante la guerra), y también problemas cotidianos, avatares de la profesión…) ¿Autobiografía? No. Es un privilegio reservado a las personas importantes de este mundo, en el ocaso de su vida, y con un estilo grandilocuente. Ficción, de acontecimientos y de hechos strictamentee reales; si se quiere, auto-ficción…11

Finalmente, as autoficcões caracterizam-se por ter forma de romance com um caráter autobiográfico uma vez que há uma identidade nominal de autor, narrador e personagem. A meu ver, no caso da autoficção o autor deseja fazer um romance de sua vida e não se compromete de modo algum em dizer o que considera ser a verdade dos fatos ocorridos, ao passo que na autobiografia o autor deseja convencer de que tudo o que irá contar é a verdade [se é que existe uma verdade!] ou pelo menos o que considera ser a sua verdade. E neste sentido ela é mais estrita e menos liberal.

Segundo Alberca, a autoficcção tem algo de antipacto, ou seja, uma maneira de contestar a clara e explicativa teoria de Lejeune, de colocá-la à prova, de completá-la ou mesmo de criar um campo fronteiriço entre os dois grandes pactos literários: relatos verdadeiros e relatos fictícios.

Para o autor acima um outro elemento que caracterizaria a autoficção seria a presença do autor no papel de protagonista do relato através do emprego de seu nome

11 Texto tirado de um artigo de Alberca, Manoel. En las fronteras de la autobiografia. Universidad de

Málaga. In: http://www.uhb.fr/alc/cellam

próprio. Neste caso o nome próprio seria o hic que caracterizaria a autoficção face a outras formas limítrofes de escrituras.

Alberca considera que quem diz eu em uma autoficção é e não é o próprio autor, pois na medida em que se incorpora a si mesmo como personagem de romance, ele se identifica e se afasta de maneira simultânea e alternativa.

Maria Mercedes Borkosky 12afirma que rever a própria vida como objeto de seu

enunciado, marcaria a vontade do escritor em organizar sua experiência e seu passado como discurso. Transformar em texto suas experiências demonstraria a vontade do autor de olhar-se a si mesmo em perspectiva, voltar ao passado reconstituindo sua própria imagem. Portanto, a sintaxe da narração reconstrutora do passado, articula-se, segundo a autora, em dois tempos: o.presente de enunciação e o passado da ação, Diz Borkosky: “En el caso de la escritura autobiográfica, hay um “yo” que se mira em perspectiva y

re-crea su imagen.”

O que se fala de uma autobiografia poderia também repercurtir numa simples biografia já que o escritor só escreveria baseado em fatos passados dos quais tomou

conhecimento por textos, imagens13 ou ouvir dizer que ele atualizaria no presente em

que escreve. Isto tornaria a História pouco confiável, pois, para que fosse totalmente verídica, seria necessário que o escritor estivesse presente aos fatos os ir escrevendo à medida em que estivessem ocorrendo e, ainda assim, haveria uma mudança entre o visto e o escrito. Tudo deverá ser relativizado e nunca pretender-se ter acesso a uma verdade pura (eine reine Warheit como pregava Walter Benjamin a respeito de uma língua inicial pura).

No caso da Autobiografia de Victoria Ocampo que tratado nesta tese, há uma inegável intenção da autora de dizer o que considera ser a verdade de sua vida utilizando-se do recurso de incluir cartas e fotos em seu relato. Desse modo, se o que ela escreve não é a verdade pura é a verdade dela no momento em que escreve.

12

Borkosky, Maria Mercedes. Autodiscurso em la escritura francesa de los siglos XIX y XX. Instituto de investigaciones lingüísticas y literárias. Facultad de filosofia y letras. Universidad nacional de Tucumásn. Argentina. 2005. P.14.

13

Borkosky, Maria Mercedes. Formas genéricas em la escritura autobiográfica contemporânea. In: Revista Humanitas-FFyL-UNT. Tucumán. Argentina. 2005. “Las narraciones autobiográficas

contemporáneas, sean impresas o electrónicas, usualmente están acompañadas de fotografias […]Los blogs, que pueden homologarse al diario, porque se trata de un texto breve, escrito dia a dia, suelen estar acompañados por imagens en movimiento, además de paratextos con publicidad y un espacio físico – caja de texto – donde el lector puede plasmar sus comentarios […]. Es lo que hace Victoria Ocampo en Archipiélago… “

Sylvia Molloy 14 lembra que, quando Silvina Ocampo, em 1937, publicara seu

primeiro livro Viaje olvidado pela Editorial, contendo relatos breves inspirados em lembranças infantis, Victoria Ocampo fez uma resenha a respeito pouco elogiosa. Diz ela:

Pese a comentários que se querían favorables (y gracias a unos cuantos que no lo eran) dejaba claro que el libro la había defraudado (los recuerdos de su hermana no coincidian con los suyos) y, sobre todo, perturbado. Así, esta primera crítica de Silvina Ocampo inaguraba una tradición de lectura que tendría vida larga: la de desconcertarse ante estos textos distintos y por ello mismo (aunque esto Victoria Ocampo no lo sabia) fecundos.

[esta resenha foi escrita pela autora por ocasião da publicação integral do texto pela Editorial Sudamericana, mas estava até então inédito]

É bem possível que os acontecimentos possam não ter transcorrido exatamente

como narra Ocampo em sua Autobiografia. A própria irmã da autora, Silvina Ocampo15,

em seu livro em versos escreve passagens da infância de ambas que mostram aspectos um tanto diversos dos da irmã. No entanto, em um mesmo dia, numa mesma hora, duas pessoas fixarão imagens diversas e se escreverem sobre o que viram redigirão textos diferentes. Isto é um grande problema com as testemunhas de crimes em tribunais.

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 37-40)