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Instâncias de legitimação: a Torre de Babel

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 45-55)

4. A LITERATURA DO EU EM VICTORIA OCAMPO

4.2 Instâncias de legitimação: a Torre de Babel

No terceiro volume de sua Autobiografia, La rama de Salzburgo, Ocampo narra

em detalhes as circunstâncias pelas quais se desenvolveram seus inícios literários. O primeiro artigo de Victoria Ocampo aparece no jornal La Nación, de 04 de abril de 1920, escrito em francês, sob o título de Babel. Da mítica confusão entre as línguas surge uma nova linguagem a de Ocampo, e com ela uma nova autoridade que encontra origem e genealogia no longínquo texto bíblico. Em sua introdução, a autora formula uma versão alternativa da original:

Jehová no alteró las palabras de que los hijos de Noe se servían; pero modificó la percepción que cada uno de sus cerebros tenía de esas mismas palabras. Las palabras continuaron, pues, siendo exteriormente lo que hasta entonces habían sido; pero, internamente, se diferenciaron para cada hombre. Las palabras continuaron, pues, sonando como essas habían sonado siempre; pero su resonancia fue distinta en cada oído” (T.I, 34)

Ocampo oferece uma teoria sobre a interpretação textual. Não se trata de uma multiplicidade de línguas, de significantes, mas de uma unidade cujo significado depende de uma operação individual. Por não ser universal, o significado fica em estado de disponibilidade, o que permite que ele seja móvel e variável. Assim cada palavra contém um enigma para o ouvinte-leitor, o qual, convertido em tradutor e intérprete, constata que a linguagem não é comum. Essa diversidade de compreensão tem como resultado a criação de linguagens múltiplas e pessoais, já que cada um a traduz num código particular. A concepção de infinitas interpretações destrói a hermenêutica que pretende encontrar na linguagem uma mensagem única e verdadeira.

A ressonância que em Ocampo produz o original a autoriza a escrever sua própria versão. Deforma e cuestiona o texto original e emite juízos de valor sobre a Autoridade Suprema: “Quizás el mismo Jehová no tuvo conciencia de la pavorosa

resonancia que su perversidad iba a tener en las futuras generaciones.” (T.I, 34)

Ela assume a função da autora que, em atitude subversiva, substitui a voz do Autor supremo pela sua. A palavra “ressonância” figura duas vezes na mesma página, designando a interpretação tanto das palavras humanas quanto das divinas. Pouco importa a autoridade daquele que as pronuncia, pois a linguagem estará sempre sujeita à tradução já que o “som” tem pouco valor, o interessante está na variedade de matizes que transmite. Seu discurso se insere em uma grande sucessão de ecos, numa série de traduções, assinaladas pela autora ao basear-se em passagem do Inferno da Divina Comédia de Dante Alighieri.

Em sua Autobiografia, ao reler o artigo o qualifica de balbuceo e afirma tê-lo

escrito à margem de um exemplar da Divina Comédia. Esse balbuceo de meias palavras, de meias verdades e de usurpação comete parricídio executando a linguagem da verdade e da lei. A escritura adoece por suas imperfeições, pois é fragmentária: não se trata nem de uma palavra completa, nem de uma página íntegra, ela fica localizada fora da órbita do poder a que almeja atingir de modo sub-reptício.

O propósito de Babel é discutir, para depois negar, o sentido da palavra “igualdade”, que não só significa para ela uma utopia inalcançável, mas que, se fosse possível equivaleria à idéia oposta a de Igualdade formulada no século XVIII durante a Revolução Francesa.

O conceito de igualdade visto por Ocampo como corolário de injustiça, pretende anular o fato de que a natureza favorece de modo diverso os diferentes seres. (A idéia de compensações tipo handicap lhe é totalmente inaceitável.) Negar a possibilidade de

igualdade significa afirmar a diferença: o eu se separa do resto da sociedade e se dá o direito de diferir das opiniões tradicionais. Ocampo apresenta-se, desde esse primeiro artigo, como original e excêntrica. Seu âmbito está constituído pelo impróprio, pela linguagem da metáfora cujo significado se multiplica.

Ao exercer a autoridade que lhe confere a escritura, ela faz valer sua verdade

sobre o leitor a quem intenta dominar. Emergem, pois, desse artigo dois pólos que se opõem: frente à liberdade que supõe a idéia de uma multiplicidade de significados surge uma interpretação pessoal, dominante, pertencente a um eu que abandona seu mutismo e adota a palavra para iniciar seu trabalho genético. A tensão entre ambos constitui uma das características da escritura de Ocampo que se debate entre a polissemia da linguagem e a mensagem determinada que procura transmitir.

Babel representa um ponto desfavorável para Jehová causado pelo desafio da

proibição de dessacralizar o âmbito divino. O castigo subseqüente, isto é, a condenação a uma incomunicabilidade permanente, se prolonga até Ocampo, que se considera sua herdeira. A origem que busca se revela plurilíngüe e é impossível de ser solucionada na unicidade. A linguagem que não pertence a ninguém é usurpação e sinal de exílio permanente, marcando uma perda continuada.

Esse primeiro artigo de Ocampo formula uma teoria que, face à diversidade de

interpretações, justifica a idéia de linguagens individuais, Ocampo, considerando que a crítica erudita, longe de convidar à leitura por parte do público em geral, limita-a a um pequeno círculo de especialistas, deixando intimidada a maioria de seus possíveis leitores. Assinala, também, que esse método interpretativo encerra textos dentro de teses antagônicas, o que prova, de certo modo, sua inutilidade. Ocampo que lê com entusiasmo buscando afinidades e meios de conhecer-se a si mesma qualifica sua leitura de Dante como sendo um “vital nutrimento” dando à sua experiência um caráter concreto que a aproxima do biológico. Sua leitura deseja abrir os textos a interpretações que, não sancionadas pelas instituições literárias, restrinjam e discutam a validade das praticadas por leitores especializados. Tanto a leitura quanto a linguagem, permitem processos dinâmicos que subvertem leis autoritárias.

A própria organização do texto autobiográfico de Ocampo insiste na falta de

uma origem com a acumulação de prólogos; todos parecem válidos e nenhum totaliza a origem do texto, que nasce de uma pluralidade de textos prévios.

O primeiro volume da Autobiografia se inicia com a seguinte série: Prefacio,

Antecedentes, Propósitos, Hacia el archipélago que se sucedem ocupando mais de um

terço do volume para dar lugar ao que a autora parece considerar como a narração propriamente dita.

O Prefacio fornece alguns dados históricos que colocam o personagem no

espaço e no país de origem. Contém, ademais, alguns dados dispersos do que ocorre no mundo em 1890, ano de seu nascimento, e faz uma rápida menção à sua genealogia. A esta origem bem determinada, a autora acrescenta fragmentos de canções infantis, em francês e em espanhol.

Antecedentes descreve com minúcias sua árvore genealógica e está dividido em

três partes: los Ocampo dedicado à família paterna; los Aguirre destinado à família materna e, finalmente, Mezcla onde explica a combinação das duas famílias.

Em Propósitos constam as intenções da autora com respeito a sua veracidade

narrativa.

Por último, em Hacia el archipélago escreve certas recordações infantis

contadas posteriormente com maiores detalhes.

O ordenamento desses textos parece estranho, pois, se um prefácio consiste no anúncio do conteúdo conceitual do já escrito (o prefácio deveria ser escrito posteriormente ao texto) por um autor onipotente, é difícil determinar nesta escritura qual dos parágrafos assinalados constitui um prefácio. Todos eles aparecem como intenções igualmente válidas de iniciar a narração e indicam terem sido escritos no início do texto e não depois de sua conclusão.

Ocampo, sem poder determinar a meta de sua escritura, abre seu plano a várias possibilidades e não o reduz a uma única explicação. Não sabendo como nem por onde começar, tem dificuldade em articular uma organização determinada Na terceira entrada com o título de Propósitos a autora expõe, se não uma teoria, ao menos uma certa intenção, ainda que de articulação duvidosa:

Lo que intento escribir se parece a la confesión porque pretende ser verídico y porque proclama uma fe, al margen de la fe que me enseñaban cuando, arrodillada en el reclinatorio de las Catalinas, pedía al cielo, con fervor, un destino muy distinto del que escondía el enrejado de madera mirado con curiosidad y aprensión por mis ojos tan nuevos. Es decir que ya estaba saliéndome del dogma rígido que no tardé en rechazar con recóndida violencia. (AUT. I, 57)

Ao mesmo tempo em que se rebela contra a religião na qual fora educada, Ocampo se opõe a dogmas e cânones mais gerais, fazendo com que o modo com que enuncia sua promessa se desvirtue. Seu discurso origina-se sempre na marginalidade, neste caso, afasta-se das regras que regem a escritura dos prólogos. O mesmo ocorre quando anuncia seu tema: seu eu não obedece a um programa, é algo múltiplo que apenas reconhece e cuja escritura não sabe como começará nem como concluirá. O clássico programa anunciado no prólogo não existe neste caso:

... me siento, por momentos, tan lejos de cierta mí misma como lo puedo estar del pelo que me han cortado y barren en la peluquería, o de la uña que me limo y vuela al aire hecha polvo. Yo no soy “aquello”, lo perecedero que formó parte de mí y ya nada tiene que ver conmigo. soi lo otro. Pero ¿ qué? (AUT.I, 58)

A estas vacilações poderíamos acrescentar o local onde se encontram os

chamados Propósitos que não introduzem a narração, mas que interrompem produzindo um corte. Deixam de funcionar como uma introdução que anuncia com fluidez o que se segue. Talvez pudessem ser chamados de prólogos seriados, sendo cada um prólogo do seguinte produzindo um efeito telescópico.

Assim, Prefacio introduziria o tema da família, desenvolvido em Antecedentes

e, por sua vez, a genealogia justificaria a escritura de certas considerações em

Propósitos que, então, levariam à narração das primeiras lembranças. Esse plano não

eliminaria nem a pluralidade de textos com sua desordem nem as vacilações da narradora.

Escrever sobre a própria vida mostra que há uma realidade prévia à escritura

que fica traduzida e deformada, tanto pela linguagem quanto pelo ponto de vista da narradora. As recordações que constituem o eu narrador não se inscrevem na memória como em uma tabula rasa que recebe passivamente os textos: o eu vê e interpreta, elaborando tanto fatos quanto o personagem que foi.

Recordar é uma operação similar à de ler, traduzir e escrever, triplo processo

necessário à criação de um texto. O eu intervém de duas maneiras: atua sobre os fatos transformando-os e, ao mesmo tempo é o resultado dessa operação. Se seguirmos a premissa que diz não ser o sujeito que fala, mas as palavras quem o falam e o constituem, comprova-se que o eu que Ocampo constrói provém de complexas metáforas literárias.

Em sua narração autobiográfica têm grande importância os episódios que relatam a relação da narradora com seu amante. A intrusão de um amor apaixonado e ilegal cria uma situação pessoal e social difícil na vida de Victoria Ocampo que, ao romper com as convenções sociais, entra num jogo de enganos, que passa rapidamente para a escritura. A prática dessa escritura catártica necessita, então, ser alterada já que esses escritos não se dirigem a um círculo íntimo de amigos, mas ao público em geral.

A dissimulação, duplamente necessária, tanto na vida real quanto na escritura,

recobra nova vida na autobiografia com o recurso a elementos de ficção. A narração, até então dedicada a recordações fragmentárias de pensamentos e costumes, aproxima-se do romance, incluindo o suspense e a descrição de emoções intensas.

Quando a narradora conta a paixão que a une a J. – única identificação do nome

de seu amante -, rememora a história de amor de Tristão e Isolda, na versão da ópera de

Wagner, o que irá gerar uma situação de grande dramaticidade e artifício:

Porque lo nuestro fue fuga en la nave que bogaba, y boga siempre, en alta mar, hacia la península de Tristán. Nos habíamos evadido. Será ridículo o no, traer a colación la leyenda de la Edad Media ¡Poco importa! Así fue. Este era el preludio. Tarde o temprano, y fatalmente, el telón se levantaría sobre la historia de un amor pasión. (AUT.III, 27)

A noção de realidade nessa passagem é inexistente: o texto anuncia uma ópera

trágica. No entanto, a paixão da narradora por J. não conduz ao final dramático que se podia esperar. O amor morre de morte natural, desgastado pelo tempo. As influências, que a leitura da ópera exercem, provocam um clima semelhante ao da fatalidade da mítica lenda e permitem a fuga para um âmbito de quimera.

O lugar evocado, “el alta mar” sobre o qual ninguém tem jurisdição, significa

um lugar livre de leis e preconceitos, no qual a história pode desenvolver-se sem obstáculos; nesse espaço livre e situado “al margen” é que se dá a possibilidade de subversão; tal é também o espaço buscado no texto. Trata-se da esperança de que possa existir um lugar paradisíaco onde não existam noções de culpa, queda ou separação, um lugar anterior ao exílio originado pelo pecado de Adão e Eva, um espaço típico de utopias, tal como o romance La faute de l’abée Mouret, de Emile Zola o capítulo onde ele descreve Le Paradou. Esse espaço criado é puramente literário, e nele há uma liberdade total. Para penetrar nesse espaço utópico, textual, Ocampo adota as máscaras fornecidas por personagens literários.

Como personagem, a narradora se localiza num espaço marginal. A ruptura com o marido e o começo de uma relação adúltera com J. são sintomas da rebeldia contra a rigidez de um meio social que pretende colocá-la num lugar central mais silencioso e que a reduz à impotência. Dessa rebelião levada a cabo nos espaços limítrofes da literatura, surge uma linguagem própria, subversiva, que como em Babel acusa essa autoridade usurpada. A prática da simulação na escritura está representada, metaforicamente, pelo adultério que conduz o personagem à ruptura de regras sociais básicas.

A ilegalidade da situação serve de ponte à narradora-personagem para levar a

rebelião à palavra escrita, ainda que sob uma dissimulação. Por meio do poder que lhe confere a escritura, ela desafia a sociedade.

O adultério coloca Victoria Ocampo numa estrutura nova, de três termos, que

supre e modifica a anterior que era binária, ou seja, a do casamento. A formação desse trio não necessita que se estabeleçam semelhanças com o mito de Édipo. Numa relação triangular o personagem de Ocampo ocupa o lugar da adúltera. Para tal, ela deixa o lugar próprio, a casa familiar do centro da cidade e desloca-se para um lugar que lhe é impróprio, fora da cidade. Esse deslocamento, que a transforma em “outra”, ocupa um lugar estranho e representa um papel que não parece ser o dela. Essas mudanças fazem com que experimente seu eu como escritura, como metáfora, no qual as noções se diversificam e se multiplicam.

Essa substituição não ocorre abertamente já que, simultaneamente, mantém o

espaço anterior; ela se passa em segredo deixando-se somente perceber e isto de modo camuflado, na simulação da escritura.

Ocampo, como signo, torna-se ambígua, equívoca, deslocando-se de um lugar a outro e adotando, em ambos, uma máscara, multiplicando-se sob a aparência de uma nova função. A narradora afirma, referindo-se ao apartamento marginal no qual se encontra com seu amante: Mi verdadera vida, durante eses años en que allí nos

veíamos, estaba en la calle Garay. (AUT. III, 67)

Desse modo, ela aceita como verdade o fato de ser adúltera e de ser alguém que

adultera os fatos. Por ocasião do roubo de uma carta sua destinada a J., que havia sido enviada, anonimamente, a seu marido, diz ela, ao ser submetida a um exaustivo interrogatório:

Yo hubiera querido bramar la verdad. Mentí. Dije que escribía por escribir, que la carta se dirigía a un personaje imaginario (cosa que no era del todo falsa). Dije que escribía para aliviarme, y porque me gustaba escribir. No mentí pues del todo, porque eso también era verdad. Mentí, por consiguiente de la peor manera: al borde de la verdad y utilizándola como coartada. De abdicación en abdicación había llegado a conducirme como las mujeres, de las novelas o de la vida, que más despreciaba: las cobardes. (AUT.III, 46)

O modelo literário empregado por quem está fora da lei utiliza como

denominador comum o situar-se “no limite da verdade” e tem como conseqüência evitar a identificação e o reconhecimento da adulteração.

Estender os limites da verdade18 tem importância em relação à proteção do

segredo. Ocampo refere-se freqüentemente a espaços limítrofes: grades, balcões, e subúrbios que permitem a correlação com linguagens secretas e proibidas. Nesses lugares que estão “entre” outros lugares ou à beira de outros lugares, nascem as histórias. A rebelião contra os costumes familiares e as regras sociais vigentes, ocorre sob o disfarce da proteção metafórica.

O adultério, assim como a vingança, conduz Ocampo a realizar sua catarse na

escritura. Ela sente necessidade de expressar seus sentimentos criando para eles uma voz que os torne públicos. Mas essas confissões não podem ser impressas livremente, têm que ser falsificadas e adulteradas; devido à condenação a um silêncio perpétuo imposto pela sociedade a tal situação, Ocampo escreve em 1924 o artigo De Francesca

a Beatrice que, com a pretensão de servir de guia de leitura para a Divina Comédia,

dissimula a história de um amor autobiográfico.

Seu interesse concentra-se no amor de Francesca e Paolo, ao qual ela contrapõe

o amor platônico de Dante e Beatrice. Identifica sua situação com a do casal sofredor e, por intermédio deste, refere-se a seu próprio caso: Mi necesidad de comentar la Divina

Comedia nacía de un intento de aproximarme a la puerta de salida de mi drama personal, tanto como de mi real entusiasmo por el poeta florentino, mi hermano. (AUT. III, 79).

18

Ver Tizón, Hector. La casa y el viento. Editora Alfaguarra. Argentina. 2001. “Sé que lo que de noche escribo en estos cuadernos no es la verdad. O, al menos, no es toda la verdad, sino retazos, trozos de la vida aparente, de mi vida y la de los otros, que de pronto vuelven a narrarse. ¿ Pero acaso la historia no es eso? Sólo un puñado de momentos lúcidos, iluminados, unas cuantas imágenes despedazadas.” P. 105

Por outro lado, a felicidade alcançada por Beatrice e Dante é inatingível posto que incorpórea: Beatriz responde a la súplica de Dante, no con la boca y con los ojos,

sino con la sonrisa y la mirada: alma de la boca, alma de los ojos, cuya posesión material es imposible.(AUT. III, 79)

Beatrice pertence ao âmbito do divino, da verdade, da linguagem própria, pertencendo ao silêncio extático que seria, sob o ponto de vista religioso, a unidade com Deus.

As palavras, considerada instrumento insuficiente face à ânsia de unidade,

preenchem um vazio, uma falha, uma intenção que só simboliza e lembra o inalcançável. O amor, seu equivalente, responde ao desejo de franquear limites e aceder a uma unidade que a integre ao “outro”; mas os dois projetos ficam invalidados por sua materialidade, por sua textura. Em decorrência, vemos que o nascimento de um grande amor e do começo de uma escritura coincidem.

O tormento de Francesca e Paolo consiste em que não podem escapar ao

domínio dos sentidos; estão limitados por seus corpos. E dizer corpo quer dizer linguagem.

O fato de Ocampo identificar-se com a figura de Francesca explica sua escolha pela palavra, pela literatura. O amor do casal condenado tem uma origem textual: a leitura do Lanzarote o inicia e o mediatiza e é por esse pecado de leitura que ficam aprisionados. O efeito mágico da leitura apodera-se de todos os personagens deixando- os eternamente prisioneiros dentro de sua rede.

Da mesma maneira, Ocampo, cujo amor é mediatizado pela leitura de Dante,

não pode sair do âmbito de sua palavra, de sua escritura. Seu tormento é ficar confinada aos instrumentos legados por Babel fora da linguagem anterior à queda. Como aquele casal, se encontra no inferno, através do qual guia seus leitores, usurpando o lugar de

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 45-55)