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Poética da Autobiografía em Victoria Ocampo

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 59-62)

4. A LITERATURA DO EU EM VICTORIA OCAMPO

4.5 Poética da Autobiografía em Victoria Ocampo

Para reunir os princípios organizadores da criação literária de sua Autobiografia, necessário se faz realizar uma tarefa de ordenamento de idéias dispersas em sua escritura. Ocampo foi uma grande leitora de autobiografias: as de Nehru, Gandhi, T.E. Lawrence,, Virginia Woolf, George Sand, Hermann Von Keyserling, Waldo Frank. Pasternak...: Las autobiografias son lecturas que apasionan (T.IX.58) Ela desfruta dos encontros diretos com a intimidade da Pessoa sem o disfarce do personagem, como nos romances (cf. T.VIII,58). No próprio texto autobiográfico, Ocampo chega a chamar seu texto de Memorias ou de Documento. Essa assimilação semântica de termos revela o conceito de que ela vê a autobiografia como um documento que deve ser fiel aos fatos históricos mesmo que sejam narrados a partir da perspectiva do escritor. As memórias só põem um foco mais específico no narrador e na sociedade em que viveu. Na autobiografia reconstrói-se o itinerário de uma pessoa através do tempo e sob uma unidade de experiência. Em Ocampo encontramos a conjunção de ambos os aspectos;

ela conserva o traço das memórias quando narra alguns fatos significativos de sua vida que deseja refletir, testemunhar, a situação da mulher na época em que viveu, e é autobiografia quando tenta compreender determinados fatos de sua vida, sob um princípio unificador, o amor.

Para Ocampo a preocupação de autenticidade e sinceridade no relato autobiográfico deve ser acompanhada do talento literário:

Por estos motivos he pensado que así como he dado el título de Testimonios a mis articulos y ensayos, tendría que darle a mi Autobiografía, a mis Memorias, un título prudente; DOCUMENTO. Documento en que la tercera acepción del vocablo (diccionario de la Academia Española): CUALQUIER COSA QUE SIRVE PARA ILUSTRAR O COMPROBAR ALGO (AUT. I, 57).

Em sua análise Victoria Ocampo se pergunta quais aspectos seriam mais respeitáveis os de uma biografia ou os de uma autobiografia. E responde que o biógrafo tem necessidade de um personagem para falar sobre si mesmo. Ao ler uma biografia, não se trata unicamente do biografado: o biógrafo também se encontra nela retratado. Cito:

A veces para ejecutar esse género de trabajo uno va a buscar se siente atraído irresistiblemente por alguien que se conduce como nosotros jamás nos hemos conducido y en circunstancias en que nosotros jamás nos hemos encontrado. Mi ensayo sobre T.E. Lawrence es un ejemplo. (AUT.VI, 140)

A idéia de que um dia sua vida seria entregue ao que ela chamava de um tipo de polícia literária referindo-se a alguem que fizesse uma biografia sua, a irritava terrivelmente. O biógrafo escreve a história de uma vida que, às vezes, nem conheceu a não ser através do testemunho de outras pessoas cuja exatidão é impossível de controlar. Mesmo que ele se apoie em cartas, se vê obrigado a inventar, a supor, a imaginar. É por esta razão que sua intenção de veracidade foi uma constante que manteve em todos os seus escritos.

Puede ocurrir que en las AUTOBIOGRAFÍAS en que la preocupación por la sinceridad es ardiente y manifiesta, llegue un momento en que aquel QUE UNO FUE se sustituye, sin saberlo nosotros, por el QUE UNO HUBIERA QUERIDO ser, y ÉSTA ES MI PREOCUPACIÓN, MI INCOMODIDAD. Desearia que me ocurriera lo menos posible. Y al mismo

tiempo, si la que fui no está acompañada continuamente por la sombra resplandeciente de la que hubiera querido ser, el todo resultante está como falseado. (AUT. VI, 141)

Ocampo dá muita importancia em ser autêntica, sincera, porque nesta liberação pela escritura está a intenção de esclarecer os dolorosos enigmas que a atormentaram até o final de sua vida. O desejo de autenticidade em sua Autobiografía a leva a desenvolver um estilo muito próprio e característico. Cada volume da Autobiografia conserva o mesmo esquema estrutural, a exceção do primeiro. Esta estrutura se caracteriza pelo relato da própria vida com o apoio de cartas e fotos tiradas no decorrer dos anos. As cartas servem para ilustrar, iluminar o que ela foi com o que quis ser; elas não só facilitam sua autocompreensão como também lhe permitem descobrir uma vocação encoberta com o decorrer dos anos. Elas resgatam a pessoa – o eu – e sua expressão nos diferentes momentos de sua vida,21 e, ao mesmo tempo, resgatam o

respeito a esse eu de ontem o de todas as etapas de sua evolução. Ocampo sente respeito de si mesma, na própria acepção latina deste termo RE-SPECTUM, olhar duas vezes, voltar-se sobre si mesma.

No segundo tomo de sua Autobiografia, antes de começar a transcrever algumas

cartas que enviou a Delfina Bunge22 observou a dificuldade que sentia em se ater a uma

única fonte, a cartas dirigidas a um único destinatário, e de lá tirar conseqüências ou formular hipóteses sobre o autor da correspondência.

Uma das dificuldades encontradas neste estudo sobre Victoria Ocampo foi devido à dispersão do material de suas cartas, inéditas em sua maioria. Não há um

corpus publicado que se aproxime do volume real de sua correspondência.

Ocampo utiliza-se deste material para fazer uma análise dos meandros mais obscuros de seu ser e fazer uma análise minuciosa da própria intimidade. A introdução do segundo tomo da Autobiografia tem o subtítulo revelador AYER EM EL IDIOMA

DE HOY. Não se trata de um ayer simples, mas de um ayer documentado em uma carta;

o 3ayer partindo de uma perspectiva atual, que lhe permite dar a sua vida uma visão de

21

Ud. Me pregunta cuáles son mis sueños, mis ambiciones. Lo mejor es contestarle con una carta escrita a los doce años. Le mando una copia porque no quiero arrancar las páginas de mi cuaderno (Carta a Carlos Reyles) (Aut. II, 163).

22

Victoria escreveu à Delfina Bunge durante três anos aproximadamente entre 1906 e 1908. Delfina conservou essas cartas, escritas originalmente em francês e que foram centenas já que lhe escrevia praticamente todos os dias. Ela as mandou encadernar e anos mais tarde as deu de presente à Victoria. (Cf. Aut. II, 51)

unidade; uma totalidade dentro de um todo, um sentido a acontecimentos aparentemente insignificantes quando ocorreram. Cito:

Antes de entrar em esse tramo de vida que llaman adolescência, y que suele prolongarse em algunos casos, quiero volver a hablar en mi idioma de hoy, es decir el del temps retrouvé; desde esas zancas que los años nos atan a los pies, y que van creciendo como parte de nuestra persona, alejándonos del pasado. Alejándolos y acercandonos a él de una nueva manera, puesto que nos permiten verlo en conjunto, y con un tipo de visibilidad desconocida hasta ese período. Cuando hablen mis dieciséis, diecisite, dieciocho, diecinueve años, me ayudarán a no desfigurarlos, a no verlos sólo desde mis zancos, a no bajar a su nivel, algunas cartas conservadas (AUT. II, 149)

Ocampo dá enorme importância às cartas como peças fundamentais de sua arquitetura literária, já que elas refletem o momento breve de determinada situação vital à qual se dá importância primordial. Retratam as reações vivas em face de pessoas e situações, constituindo, por isso, um apoio para o trabalho autobiográfico.

A Autobiografia de Ocampo teve como função uma autoexplicação, uma autojustificação, um autodescobrimento, uma autoapresentação. Constitui uma busca infatigável para entender e captar, com a maior precisão e fidelidade possível, a natureza de seu próprio eu, o qual se manifesta de forma mutável, variável, em sua formação.

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 59-62)