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Conceito de literatura autobiográfica

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 30-33)

3 A LITERATURA AUTOBIOGRÁFICA

3.1 Conceito de literatura autobiográfica

Antes de tentar uma definição do conceito da chamada literatura autobiográfica, poder-se-ia afirmar que, em geral, toda a literatura seria de certo modo autobiográfica, haja vista a afirmação de Gustave Flaubert quando diz: “Madame Bovary c’est moi”, ou seja sua protagonista nada mais é do que uma projeção elaborada, transposta, alterada de aspectos da própria dimensão interior da capacidade criativa do autor. O escritor, dramaturgo ou romancista, elabora seus personagens a partir de sua própria matéria subjetiva, de sua própria experiência do mundo, de suas leituras, enfim, de todas as suas vivências.

A afirmação do eu lírico está presente em todo escrito humano, seja de forma aberta ou não, de modo consciente ou inconsciente. Há um eu lírico em cada palavra de um autor; Shakespeare encarna parte de sua realidade espiritual e de sua imaginação pessoal tanto em Hamlet, quanto em Otelo ou no Rei Lear. Balzac está presente tanto no

Père Goriot quanto em Eugénie Grandet. Charles Baudelaire expressa este fato até no

título de uma de suas composições líricas Mon coeur mis à nu.

Victoria Ocampo adere a esta concepção chegando a afirmar que tanto Dante quanto Montaigne eram la matière même de son livre. A aventura particular de Dante, através de três mundos, três estados de alma, e três atitudes frente à condição humana, é o que narra em seu poema de 15 mil versos La divina comedia.

Ahí está, de cuerpo entero, un cuerpo vivo, entre sombras, un cuerpo con su sangre y coyunturas. No se te ocurre ocultarse detrás del plural. Habla en primera persona. Los poetas no trabajan en equipo. Io, io, io, io!, desde el comienzo hasta el fin de la Comedia. (FB, 11-12)

Junto a formas veladas, mais ou menos escondidas, da presença do eu do autor na escritura, veem se desenvolvendo, há décadas e de forma crescente, os estudos sobre o gênero autobiográfico, como fruto de um interesse maior pelas escrituras do eu, que já não mais é visto como algo odioso que deve permanecer oculto ou escondido, mas que atrai, fascina e é objeto de reconstrução e de expressão através da escritura.

A atualidade do gênero pode ser explicada em parte pelo individualismo característico do século XX, fruto, entre outras coisas, do desmoronamento das grandes ideologias coletivas, do ceticismo do indivíduo e do desejo de introspecção, acentuado a partir das teorias da psicanálise o que ser explicado como uma forma de autodefesa e de testemunha da angústia provocada por uma civilização que ameaça com a despersonalização.

Para ilustrar a grande atualidade da escritura de autobiografias, cito a seguir o texto de Jorge Fernández Diaz, publicado no jornal La Nación, de 09 de maio de 2009 :

“El Facundo de Sarmiento, em el siglo XIX, y “Soy Roca de Luna”, em el siglo XX, son dos biografías que a la vez pueden y deben ser leídas como dos novelas grandiosas. Pero luego están las biografias puras y duras, y dentro de ellas mas memorias, los diarios, los epistolarios y otras variaciones del simple pero a la vez complejo de contar una vida.

Lylton Strachey es reconocido por haber modernizado el género y por haberlo elevado a niveles extraordinarios. Strachey era un inglés que había estudiado en Cambridge y que se había vuelto un especialista en literatura francesa. Extravagante, sufriente, pacifista, homosexual, irónico y trágico, este gran escritor integró en 1907 el denominado Círculo de Bloomsbury. En ese barrio londinense que rodea el Museo Británico, tenía su casa la escritora Virgtinia Woolf, quien fue la figura aglutinadora de un grupo de intelectuales caracterizados por su severa mirada contra la moral victoriana y contra los dogmas sociales de la religión. Todos eran liberales y humanistas, irremiblemente individualistas y críticos, y admiradores de Gauguin, Van Gogh y Cézanne.

Strachey y Virginia Woolf compartían noches y tertulias con esa elite secreta donde estaban el economista John Keynes, los filósofos Ludwig Wittgenstein y Bertrand Russel, y los escritores Edgard Morgan y Catherine Mansfield, entre otras mentes brillantes.

También estaba con ellos Dora Carrington, una pintora extraordinaria que siempre estuvo enamorada de Strachey, y que a pesar de que él no pidío corresponderle por razones obvias, vivió con él hasta el final. Cuando el gran biógrafo murió por un cáncer de estómago, el 21 de enero de 1932, Carrington (Emma Thompson la interpretó en el cine) cayó en una profunda depresión y terminó pegándose un tiro.

La mayoría de las biografías de los miembros de Círculo de Bloomsbury son igualmente trágicas. Pagaron un alto precio por la liberdad sin prejuicios y por la creatividad sin límites. Sus biografías son herederas también del estilo de quien elevó la narración biográfica a la categoría de arte mayor.”2

A autobiografia como gênero caracteriza-se, também, por ser uma literatura referencial de um eu existencial, assumido com maior ou menor nitidez pelo autor em

2

In: http://www.lanacion.com.ar/nota.asp?nota id=1124609

face de uma literatura ficcional em que o eu, sem referência específica, não é assumido concretamente por ninguém.

Sob o conceito de gênero autobiográfico são incluídas também outras formas literárias com elementos comuns ou diferenciados, tais como: cartas, diários, memórias, etc.

Philippe Lejeune é o autor de referência mais obrigatória devido à originalidade de suas idéias e à variedade de temas que trata. Foi ele quem teve o maior empenho em propor uma definição formal do gênero destacando a existência de um pacto autobiográfico delimitador da fronteira entre autobiografia e ficção. Cito:

Relato retrospectivo em prosa que uma pessoa real faz de sua própria existência, enfatizando sua vida individual e, em particular, a história de sua personalidade. 3

Esta definição tem a virtude de sintetizar e de dar uma resposta coerente ao questionamento a que se propõe o gênero. O autor destaca que, para ser autobiografia, deve se tratar de uma pessoa real como sujeito da enunciação, ou seja, um ser humano constituído como persona, como entidade psicológica, espiritual, moral, social. No que se refere à forma da linguagem estabelece que deve ser um relato em prosa. O tema tratado deverá centrar-se sobre a vida individual ou, pelo menos a história da formação de uma personalidade. Além do mais o autor deverá identificar-se não somente com o narrador como também com o personagem em questão. Finalmente, o narrador deverá adotar uma visão retrospectiva de sua vida durante todo o relato.

A autobiografia, por sua própria natureza, cria problemas teóricos, de vez que pretende articular noções de mundo, eu e texto. É um gênero cuja abordagem teórica percorre a ciência literária e outras disciplinas. William Dilthey4 destaca o papel da

história; Philippe Lejeune, o do direito através do pacto autor-leitor e George Gusdorf5

se serve da antropologia filosófica, enquanto que Sidonie Smith6 elabora sua teoria a

partir de uma perspectiva feminista que luta por conquistar o gênero até então dominado pelos homens.

3 Lejeune, Philippe. El pacto autobiográfico. Anthropos n. 29. Suplementos. Dezembro. 1991.Barcelona. 4 Dilthey, Wilhelm. Selected Writings. Cambridge University Press, 1976, pp. 207-216.

5

Gusdorf, George. Condiciones y limites de la autobiografia, en La autobiografia y sus problemas, teóricos, Barcelona. Anthropos, 1991. Suplemento n, 29.pp.93-103.

6 Smith, Sidonie. Hacia uma poética de la autobiografia de mujeres, en La autobiografia y sus... ob cit. Pp.

93-103.

3.2 Etapas da crítica literária referentes ao gênero

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