• Nenhum resultado encontrado

A COMUNICAÇÃO DO POLÍTICO INTELECTUAL: OS DISCURSOS DE

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Rodrigo Augusto Prando78

Rodrigo Alberto de Toledo79

RESUMO: Este artigo é baseado na tese de doutorado sobre a trajetória in-

telectual, a vida pública, e a carreira política de Fernando Henrique Cardoso, bem como numa análise de conteúdo dos discursos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso. O presente texto é estruturado em quatro seções: 1) ati- vidade acadêmica, 2) intelectual público, 3) carreira política e 4) comunicação política: o discurso presidencial. Neste estudo, foi realizada uma análise de conteúdo objetivando entender o sentido do discurso adotado pelo presiden- te e suas relações com sua trajetória intelectual. Para tanto, foi dividido em três temas, as dimensões “Estado e Sociedade”, a dimensão “Econômica” e a dimensão “Política”. Confirmou-se, ao final do exame, uma hipótese estabe- lecida de que o político é favorecido pelo conhecimento sociológico anterior e, ainda, que nas suas ideias e elementos discursivos há a presença dos elementos constituintes do projeto “Economia e Sociedade”, realizado nos anos 1960, na Universidade de São Paulo.

PALAVRAS-CHAVE: Fernando Henrique Cardoso: trajetória intelectual,

vida pública e carreira política; Discursos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso; Análise de conteúdo dos discursos de Fernando Henrique Cardoso.

ABSTRACT: This paper is based on doctoral thesis about the intellectu-

al trajectory, the public life and the political career of Fernando Henrique Cardoso, as well as on the content analysis of Cardoso’s presidential speeches in his first term as President of Brazil (1995-1998). The text is structured

78 Mestre e Doutor em Sociologia pela UNESP/Araraquara. Professor Assistente Doutor da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas.

79 É Pós-Doutorando em Ciências Sociais pela UNESP-Araraquara. Doutor em Ciências Sociais com período sanduíche na Universidade de Salamanca (Espanha) e Mestre em Sociologia pela UNESP/Araraquara. Professor Substituto da UNESP/Araraquara.

in four sections: 1) academic activity, 2) public intellectual, 3) political ca- reer and 4) political communication: the presidential speech. This section uses content analysis to understand the sense in the discourse adopted by the President and its relationship with his intellectual trajectory, and is di- vided in three themes dealing separately with different dimensions of his discourse (State and Society Dimension; Economic Dimension and Political Dimension). The main hypothesis – confirmed in the final remarks – is that, in his discourse, Cardoso relies on his sociological background; also, that his speeches – although renewed and dealing with up-to-date issues – bear great proximity with the issues he dealt with back in the 1960s, in the research project Economia e Sociedade.

KEY-WORDS: Fernando Henrique Cardoso, intellectual trajectory, public

life, political career, presidential speeches, content analysis.

INTRODUÇÃO

O artigo em tela busca trazer contribuições ao estudo dos discursos políti- cos. No caso, especificamente, tendo como base a tese de doutorado intitulada “Fundamentos e Circunstâncias: as palavras do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998)”, foram envidados esforços atinentes à reconstrução da trajetória de Fernando Henrique Cardoso como acadêmico, intelectual público e político, bem como para salientar a importância dessa trajetória na constitui- ção de seus discursos presidenciais.

Foram, portanto, panoramicamente, apresentados três momentos distintos de Cardoso: 1) sua vida acadêmica, no bojo da Sociologia uspiana; 2) sua vida pública, após perseguição e aposentadoria compulsória pelo Regime Militar e 3) sua vida política, como Senador, ministro de Itamar Franco e Presidente da República.

Realizado o resgate dessa singular trajetória social - de um acadêmico à presidência da república –, a investigação se encaminha para a leitura dos 16 volumes de “Palavra do Presidente”, no qual estão transcritos e coligidos seus discursos ao longo de dois mandatos. São, assim, oito volumes de 1995 a 1998 e mais oito volumes de 1999 a 2002. Pouco provável que se tenha, na história republicana brasileira, um político que tenha discursado tanto e, mais ainda, que tenha o registro desses discursos, no Brasil e no exterior.

Foram, portanto, para este artigo, analisados estes discursos, com ênfa- se no primeiro mandato (1995-1998), coligidas em três principais eixos: 1) Dimensão Estado e Sociedade; 2) Dimensão Econômica e 3) Dimensão Política. Submetendo os discursos à técnica de análise de conteúdo foi possível apreender não só o núcleo discursivo de Fernando Henrique Cardoso quando, então, ocupa- va a presidência, mas, também, como o intelectual, o sociólogo, estão presentes na formulação de suas ideias, estas expressas em seus discursos presidenciais.

1- ATIVIDADE ACADÊMICA

Fernando Henrique Cardoso nasceu em 1931, no Rio de Janeiro, filho de um general do exército, portanto, de uma família de classe média; ainda jovem, mudou-se para São Paulo. Seu pai, além de militar, foi político com certa relevância, bem como seus antepassados. Seria comum, ainda criança, ouvir histórias e presenciar reuniões que discutiam os destinos políticos do país. Aos 17 anos, portanto, em 1949, iniciou seu curso de Graduação em Ciências Sociais, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), da USP. Sua carreira acadêmica foi rápida e bem construída: em 1952 concluiu sua Graduação; em 1953, fez especialização em Sociologia; em 1955, foi es- colhido como primeiro assistente por Florestan Fernandes; em 1957, realizou pesquisas sobre escravidão no sul do país; em 1958, iniciou o grupo de estudos da obra de Karl Marx; em 1961, doutorou-se em Sociologia; durante 1962- 63, realizou estudos de pós-graduação em Paris; em 1963, tornou-se Livre Docente em Sociologia (PRANDO, 2009).

No entanto, o ano de 1964 trará um momento de tensão aos professores uspianos, mormente os da FFCL. Com a instauração do Regime Militar, Fernando Henrique Cardoso é procurado pela polícia de forma arbitrária e, por isso, decide se exilar, indo para a Argentina e, ulteriormente, para Santiago, no Chile (PRANDO, 2009).

De acordo com Prando (2009), o período acadêmico, desde o início da Graduação até seu exílio, foi extremamente fértil para o grupo em torno do professor Florestan Fernandes, responsável pela construção, no Brasil, de uma Sociologia Crítica, composta não só de trabalho intelectual de leitura dos au- tores clássicos, mas, também, de pesquisa empírica, de confrontação da teoria com a realidade social. No ambiente de competição intelectual e alta exigência

científica, Cardoso se destacou com um dos intérpretes inovadores no campo das Ciências Sociais. Seus trabalhos sobre a escravidão, mobilidade social, relações étnicas e, mais tarde, seu doutoramento foram essenciais para a con- solidação de seu prestígio intelectual. Destaque deve ser dado para o Grupo d´O Capital , que congregou pesquisadores das várias áreas das Humanidades a fim de estudar e aplicar o ferramental analítico oriundo da dialética marxista para desnudar a realidade brasileira.

Como dito, o Regime Militar – instaurado em 1964 – aconteceu no mo- mento em que a produção intelectual estava no auge. Consequência da ação do Regime foi o exílio de FHC no Chile. Em Santiago, foi convidado para trabalhar na Cepal – Comissão Econômica da América Latina, órgão da ONU e que, à época, trazia à tona discussões acerca do desenvolvimento econômico dos países latino-americanos.

Com um conhecimento consolidado em Sociologia e na interpretação do desenvolvimento social do Brasil, Cardoso – juntamente com o cientista social Enzo Faletto – trouxeram à baila o livro “Dependência e Desenvolvimento na América Latina”, em 196980. Com essa obra, opera-se uma mudança na

agenda de Cardoso: do intelectual local passa a intelectual cosmopolita, já que opera num ambiente internacionalizado e, além disso, suas teses acerca do desenvolvimento econômico conjugam reflexões histórico-sociológicas. No limite, Cardoso utilizará o mesmo arcabouço teórico para explicar a América Latina, que havia utilizado em sua tese de doutorado: o método histórico-es- trutural; em outras palavras, uma análise dialética de situações concretas de dependência (PRANDO, 2009).