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A LINGUISTIC TURN E A NOVA OXIGENAÇÃO PARADIGMÁTICA DOS ESTUDOS CRÍTICOS.

PARADIGMAS HEGEMÔNICOS

4. A LINGUISTIC TURN E A NOVA OXIGENAÇÃO PARADIGMÁTICA DOS ESTUDOS CRÍTICOS.

Como vimos até o momento, as Relações Internacionais experimentaram uma nova oxigenação paradigmática em meio aos intensos debates interpa- radigmáticos (LAPID, 1989), no que tange à propositura das relações entre a linguagem e a realidade, através da chamada “virada linguística“ (linguistic turn) (WITTGENSTEIN, 1953; RORTY, 1967, SAUSSURE, 1983), con- vencionando os cânones, já atingidos os campos linguísticos, sociológicos e filosóficos, a romper com a concepção exclusivista da linguagem como repre- sentação em termos materiais e ideacionais da sociedade. (GOMES, 2011 p. 645). Por meio dessa viragem, que viabiliza a linguística como dimensão epis- temológica, a disputa por hegemonia no interior das Relações Internacionais passa se descolar de juízos cognitivos associados à ideia de verdade, sedimen- tando a ideia de validade e a análise de discurso “como estratégia para estudo de diversos objetos de pesquisa”. (GOMES, 2011 p. 646).

Não só a virada linguística, como também a virada sociológica, trouxeram contribuições importantes para as Relações Internacionais. Isso porque, en- quanto a segunda possibilitou uma aproximação da disciplina com a teoria social europeia, incorporada pelos construtivistas, a primeira “teve maior res- sonância com os críticos pós-modernos/pós-estruturalistas, marcando-os de forma profunda e distinta em relação aos demais críticos”. (RESENDE, 2010 p. 46). Não obstante, a virada linguística passa a ter uma importância crucial

na articulação da crítica pós-estruturalista, assim como da pós-colonialista, na área de Relações Internacionais, visto que os críticos dessas linhas teóricas privilegiam “o papel dos discursos nos processos de estabilização e fixação de significados que seriam instáveis e contingentes”. (Ibid. p. 46).

Ademais, vale ressaltar que:

Até meados da década de 1980, o papel da linguagem na constituição da realidade foi por muito tempo ignorado na área de RI. Temas como linguagem e intersubjetividade sempre foram considerados irrelevantes para a perspectiva essencialmente racionalista e positivista que dominava a produção de conhe- cimento sobre os fenômenos internacionais. Enquanto isso, em outros ramos de saber, sobretudo na Sociologia e na Filosofia, a contribuição da Linguística para a compreensão da realidade já vinha rendendo frutos. No entanto, a área de RI permanecia relativamente intocada nesse sentido. (RESENDE, 2010 p. 46-47).

Linguagem, comunicação e as análises discursivas, tornar-se-iam, pois, ca- tegorias cada vez mais importantes no campo das Ciências Sociais contempo- râneas, irrigando conceitual e metodologicamente o crescente número de es- tudos que utilizaram esses mecanismos de análise. Não obstante, a maior parte de disciplinas incorporadas pelas chamadas Teorias Críticas, em particular a Antropologia, a Sociologia, a História, a Psicanálise, os Estudos de Gênero, a Teoria Política e a Teoria Literária, “têm usado o conceito de discurso, e a Análise do Discurso para definir e interpretar problemas nos seus domínios respectivos”. (NOGUEIRA, 2001 p. 3). A razão para essa incorporação, em- bora arraigada de certa complexidade, envolve, em essência, duas particulari- dades: a insatisfação crescente com as abordagens positivistas da época, assim como o solapamento de sua influência hegemônica, e, em razão do próprio giro linguístico, a emergência do uso das perspectivas críticas. (Ibid. p. 3). Em suma, desse processo de disputa hegemônica, resulta uma nova configuração identitária, na qual a linguagem adquire uma dimensão ôntica, ontológica e epistemológica, ou seja, ela é o locus da definição, constituição e análise dos diferentes modos de vida escrutinados pelas disciplinas em questão.

Com o tempo, essa virada linguístico-epistemológica foi decantando so- bre as fronteiras interdisciplinares, provocando uma transformação paradig- mática no campo interdisciplinar das Relações Internacionais, alterando os saberes da disciplina que se demonstravam refratários às contribuições lin- guísticas, em virtude do caráter dominante dos “realismos e os neorrealismos”.

(RESENDE, 2010 p. 47). Diante desse cenário, o ato de comunicar em sua formatação discursiva apresenta-se como uma ferramenta heurística prefe- rencial cuja concepção se calca no princípio de que o discurso é mediador e conformador das relações dos indivíduos e da realidade social. Por meio dessa mediação, é possível “tanto a permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que ele vive” (ORLANDI, 2001 p. 15).

Tanto a comunicação como o discurso não são obras do acaso; pelo con- trário, são formulados diante de uma espaço histórico-social e possuem uma gama de significados que emergem da história cultural de cada povo. É por essa razão que quando falamos em prática discursivo-comunicativa logo pen- samos na questão da interatividade. O ato de comunicar discursivamente é um fenômeno político-social; e, em essência, atua na construção e desconstrução das formas relacionais e de poder das sociedades. Segundo Fairclough (2001), uma análise centrada em aspectos discursivo-comunicativos pode ser feita através de dois modelos de orientação social: o crítico e o não-crítico. Para este autor, as abordagens críticas se diferenciam das demais porque demons- tram como discurso comunicativo é moldado “por relações de poder e ideolo- gias e efeitos construtivos que o discurso exerce sobre as identidades sociais, as relações sociais e os sistemas de conhecimento e crença, nenhum dos quais é normalmente aparente para os participantes do discurso”. (FAIRCLOUGH, 2001 p. 31-32).

Ao adentrar no espaço das Relações Internacionais, a Análise do Discurso francesa incorpora aos estudos da área sua atuação no campo tríplice da relação entre a ideia de uma autonomia da língua, com ordem própria; a atuação do simbólico sobre a realidade e a ideia de que o sujeito da linguagem é afetado tanto pela realidade linguística quanto histórica, de modo que este funciona inconsciente e ideologicamente. (ORLANDI, 2001 p. 19-20). Essa atuação tem relação direta com a própria formação dessa vertente na década de 1960, a partir do cruzamento entre três domínios disciplinares: Linguística, de base saussureana, Marxismo, com base na questão da ideologia, e Psicanálise de ma- triz lacaniana.

Se transportarmos esse escopo ao espaço dos grandes debates teóricos das Relações Internacionais, observaremos que os debates são na verdade formas metaforizadas de uma comunicação discursiva cujo intuito principal é man- ter, propagandear e expandir as ideologias hegemônicas do cânone vigente. Essa característica fica evidente quando observamos que a escola crítica do

discurso trabalha com a ideia de que o mesmo é “a materialidade especifica da ideologia”, assim como a língua “é a materialidade especifica do discurso”. (ORLANDI, 2001).

Em outras palavras, segundo Pecheux, o discurso só existe porque há um sujeito por trás dele, e esse sujeito é constituído por ideologias que o fazem agir e interagir com o espaço social em que vive. Portanto, o discurso enquan- to prática possui um espaço e um tempo; ele não opera senão em virtude de fatores que lhe são inerentes, como, por exemplo, a ideologia e o contexto. É por essa razão que entendemos a comunicação nas Relações Internacionais como sinônimo de disputas hegemônicas, visto que, no limite, o que está por trás dos grandes debates paradigmáticos é a busca pela manutenção do ideário hegemônico vigente. Nesse sentido, a comunicação aqui descrita indica movi- mento, percurso no espaço e no tempo; e, portanto, ao analisá-la, o que se está observando são as forças sociais que estão por trás do paradigma.