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4 – COMUNICAÇÃO POLÍTICA: O DISCURSO PRESIDENCIAL

TEMA REPETIÇÕES Estado

5) Considerações Finais

Para Martins (1998), o governo de Fernando Henrique Cardoso teria tido, de certa maneira, o Projeto Economia e Sociedade como o seu quadro socio- lógico mais amplo de referência. Já, para Sorj (2001), há a indicação de que não há relação entre o governo de Cardoso e sua formação intelectual. Na impossibilidade de avaliar o governo de Fernando Henrique Cardoso, bus- cou-se, neste artigo, analisar o conteúdo do discurso político do Presidente. A indagação, aqui, foi a de compreender o núcleo, o conteúdo, dos discursos políticos proferidos ao longo do primeiro mandato.

Seguindo a metodologia proposta por Bardin (2007) estabeleceu-se como

corpus desta pesquisa três dimensões analíticas com seus respectivos temas:

1) Dimensão Estado e Sociedade – Administração Pública; Aggiornamento; Burocracia; Clientelismo e Estado.

2) Dimensão Econômica – Capitalismo, Dependência e Desenvolvimento, Desenvolvimento, Empresário, Globalização e Teoria da Dependência.

3) Dimensão Política – Arte da Política, Autoritarismo, Democracia e Utopia Realista.

Estas três dimensões são compostas por 460 discursos analisados. Há, em todos os discursos, dois temas que se repetem: Democracia e Globalização.

A análise de conteúdo do discurso presidencial – nestas três dimensões - revela um presidente que procura discursar baseado numa sequência lógica: 1) apresenta o tema; 2) procura explicar o tema sociologicamente; 3) faz a defesa das ações do governo em relação à temática e 4) afirma nas ações governa- mentais a necessidade do diálogo democrático entre os setores da sociedade.

Na Dimensão Política, apresenta o Estado não de forma demiúrgica, mas, sim, um Estado que tem como base a própria sociedade. Esse Estado tem sua dimensão administrativa, de gestão propriamente dita, mas possui, também, o caráter político, no qual faz questão de ressaltar as relações entre o Estado, a sociedade e a esfera econômica. O discurso presidencial apresenta a ne- cessidade de reforma da burocracia estatal, de aggiornamento, objetivando

o combate do clientelismo e do patrimonialismo e na busca de eficiência no atendimento das demandas sociais.

No que tange à Dimensão Econômica, o discurso do presidente traz à tona, quase sempre, uma visão alicerçada sobre sólida base conceitual para tratar das questões econômicas, como, por exemplo, o desenvolvimento e a dependência no capitalismo contemporâneo. Sua fala denota compreensão do modo de produção capitalista e boa capacidade comunicar conceitos teóricos que, por sua própria natureza, são mais áridos. Não raro, ao tratar da globa- lização, o fenômeno é compreendido em sua “totalidade”, isto é, nas relações entre os vários países (mercados) , nas relações entre o “interno” e o “externo”. É patente, nesta estratégia discursiva, a recuperação das categorias sociológi- cas tratadas em Dependência e Desenvolvimento na América Latina, até porque em inúmeros discursos afirma, explicitamente, que nesta obra vislumbrou os momentos iniciais da globalização econômica.

A Dimensão Política, por sua vez, possui Categorias que tratam, essencial- mente, dos regimes políticos autoritário e democrático. Em relação ao autorita- rismo, o Presidente recupera sua trajetória intelectual de combate ao autorita- rismo, de um ator que se dedicou não só a entender teoricamente o caráter do regime autoritário, mas, principalmente, da necessidade de ultrapassar essa fase da história brasileira em direção da democracia. A democracia é tema que pode ser encontrado em todos os discursos analisados. Em sua fala, Cardoso insiste na necessidade de conjugar democracia com crescimento econômico, entende a democracia como uma conquista definitiva da sociedade brasileira e que, além disso, a reforma do Estado, sua modernização, seria fundamental para a manu- tenção e aprofundamento das práticas democráticas no seio da sociedade.

Em síntese, se não se pode afirmar, peremptoriamente, que há no go- verno de Cardoso um quadro de referência sociológico oriundo do Projeto Economia e Sociedade, pode-se, contudo, afirmar que há forte presença das temáticas tratadas nos idos dos anos 60 por Fernando Henrique Cardoso e seus colegas da academia.

A análise de conteúdo destas três dimensões indica, indubitavelmente, um discurso em que o ator político recupera seu cabedal teórico a fim de legitimar sua ação.

Para Charaudeau,

A legitimidade é instituída em sua origem para justificar os feitos e os ges- tos daquele que age em nome de um valor que deve ser reconhecido por todos

os membros de um grupo. Ele depende, portanto, das normas institucionais que regem cada domínio de prática social, atribuindo status e poderes a seus atores (CHARAUDEAU, 2006, p. 65).

A legitimidade, neste caso, pode ser entendida como o resultado de um reconhecimento

pelos outros, daquilo que dá poder a alguém de fazer ou dizer em nome de um estatuto (ser reconhecido em função de um cargo institucional), em nome de um saber (ser reconhecido como sábio), em nome de um saber-fazer (ser reconhecido como um especialista) (CHARAUDEAU, 2006, p. 65).

O autor ressalta que não se pode confundir legitimidade com credibilidade, já que a primeira determina um direito do sujeito de dizer ou de fazer e a se- gunda uma capacidade do sujeito de dizer ou de fazer. Seguindo as premissas de Charaudeau, poderíamos afirmar que Fernando Henrique Cardoso, em seu discurso, busca legitimar-se trazendo à tona sua condição de intelectual, pois

A legitimidade por formação supõe que se tenha passado por instituições de prestígio (escola de alto nível ou universidades de renome), que o diploma tenha sido obtido entre os primeiros colocados, que se tenha exercido car- gos de responsabilidade prestigiosos e que se tenha sido notado por sua ca- pacidade e por tudo que poderia provar que reúne competência e experiência (CHARAUDEAU, 2006, p. 72).

Assim, o político procuraria, em sua ação, reunir as elites em torno de um projeto de governo comum, necessitando, para isso, construir alianças com diferentes partidos e setores desta elite. Tal fato só seria possível com a ajuda de promessas ou ameaças. Portanto,

Quanto ao que o político julga necessário defender ou atacar, ele pode apoiar seu discurso sobre: o valor das ideias, ao defender a legitimidade de uma causa moral (a solidariedade); o valor do programa e dos meios usados para atingi-lo (pragmatismo, realismo, eficácia); o valor dos homens e das mulheres que atuam na política, sua competência, sua experiência e seu saber-fazer. Dito de outra forma, o político deve fazer uso de todas as estratégias disponíveis para fazer com que o maior número de cidadãos adira a suas idéias, a seu programa, à sua política e à sua pessoa (CHARAUDEAU, 2006, p. 83-4).

O discurso presidencial – portanto, político – de Fernando Henrique Cardoso consubstancia-se numa estratégia singular na política brasileira: um político que,

ao discursar, serve-se do intelectual que é. Nas três dimensões analisadas, sobres- saem os temas atinentes à Democracia e ao Estado e à Globalização. O Presidente buscou, como afirmou em seu discurso de despedida do Senado Federal, “enterrar a Era Vargas” (BARBOSA FILHO, 1995). Portanto, assume um projeto com a finalidade de “remodelar e retificar o país, aprofundando a ocidentalização de nossa formação social através de sua aproximação das experiências de vida e pa- drões vigentes nos países mais desenvolvidos” (BARBOSA FILHO, 1995, p. 93). Para Lahuerta, “não é exagero, portanto, considerar que Cardoso sintetiza em sua figura todo um processo social” (LAHUERTA, 1999, p. 240).

Há alguns ensaios que objetivam realizar um balanço da “Era FHC”. É certo que, sociologicamente, este intento leve ainda tempo para se concretizar. No entanto, no plano discursivo, Fernando Henrique Cardoso procura, sem dúvi- da, legitimar sua ação recorrendo à sua formação sociológica, aos conceitos e à sua própria trajetória social, seja enquanto um intelectual ou como político.

O artigo, enfim, não buscou exaurir tema tão rico para análises e interpreta- ções, mas, apenas, indicar alguns elementos presentes no discurso presidencial de Cardoso, de acordo com a metodologia adotada.

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