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INTERNACIONAIS: O CONVENCIONALISMO DOS GRANDES DEBATES.

Tornou-se bastante comum ao estudarmos as Relações Internacionais nos depararmos com uma narrativa, repetida pelos professores de Teoria das Relações Internacionais, História das Relações Internacionais e disciplinas afins, na qual a área é abordada a partir de debates interparadigmáticos. Para além de um suposto didatismo atribuído a essa opção metodológica, de uns tempos para cá, esse formalismo convencional parece estar sendo diluído conforme os estudos vão se aprofundando, sobretudo com o surgimento de vertentes críticas de análise que aprofundaram uma visão sistêmica disciplinar com nuances de um certo desconstrucionismo (DERRIDA, 1975).

Os grandes debates, na visão de Ole Wæver (1996), são representações alegóricas das disputas por liderança, classificados de acordo com os temas que lhes são inerentes. Essas representações estão associadas a três paradigmas dominantes: a escola realista, a escola liberal e a escola marxista. Embora haja diversos desdobramentos teóricos vigentes, ao que parece, todos os debates que permeiam as Relações Internacionais partem, em maior ou menor escala, desses três tipos de pensamento (WÆVER, 1996 p. 149). Há, portanto, uma tentativa constante de liderar os estudos da área propagandeando um pensa- mento centrado na visão dos autores do paradigma que mais bem sucedido for nos “debates”.

Seguindo essa lógica, Victor Coutinho Lage (2007 p. 102) aponta que: [...] a invenção das Relações Internacionais seria produto de teóricos li- beralistas, os quais perderam sua liderança em razão da coroação do realismo após o primeiro debate -político e filosófico, nos anos 1940. Nas duas décadas seguintes, o realismo teria reinado com relativa tranquilidade, até momento em que desafiantes behavioristas disputaram a metodologia adequada para a condução dos estudos empíricos do campo contra o grupo denominado tradicionalismo: era o segundo debate.

A evolução teórica das Relações Internacionais experimentou uma transfor- mação centrada no convencionalismo retórico dos grandes debates, uma forma alegorizada de comunicação inter-teórica. Por meio do confronto de ideias, as Relações Internacionais se comunicam; confronto esse que se dá entre teorias

pertencentes ao cânone hegemônico e teorias emergentes e marginalizadas como fica evidente, principalmente, no terceiro debate. Em outras palavras, a comunicação inter-teórica das RIs é resultante de abordagens alternativas que contrastam sobre o modo de explicar de forma útil e eficaz as bases filosóficas predominantes em determinados períodos de tempo (LAGE, 2007).

A alegoria dos debates é na verdade uma forma de mascarar, segundo nosso juizo, as disputas empreendidas pelas diferentes teorias na busca de ocupar o lugar central no cânone academicista; além de um modo de propagandear as ideologias dos grupos sociais que estão por trás de sua concepção. Aliás, não é nosso interesse propor uma releitura desses debates (tão saturados) uma vez que optamos por sua superação, mas simplesmente apresentar um brevissimo resumo sobre cada um deles. Não obstante, reitera-se, sempre que nos referirmos aos debates nas RIs (comunicação paradigmatica) entendam-se disputas hegemônicas.

Esquema comunicativo nas Relações Internacionais

PARADIGMA PARADIGMA LIDERANÇA DO CÂNONE DISPUTAS HEGEMÔNICAS Fonte: Os autores

Na narrativa convencional, a primeira grande comunicação (inter)-pa- radigmática das Relações Internacionais ocorreu em meados da década de 1930, colocando em oposição a agenda Liberal-idealista, cânone dominante do período, e a emergente agenda do Realismo. Os idealistas mantinham sua crença no indivíduo e na perfectibilidade de seus atos, além de acreditarem que por meio da harmonia de interesses, comunicabilidade e cooperação entre os Estados poderia se chegar à paz duradoura. Por seu turno, os realistas ad- vogavam que o Sistema Internacionais é determinado por relações de poder e, portanto, instável, podendo os Estados entrarem em guerra sempre que seus interesses colidissem com os dos demais (GONÇALVES, 2004). Ademais, os realistas creem que a ordem internacional decorre da correlação de forças entre os polos de poder. Logo, a centralidade do pensamento realista está na

figura do Estado, e não no indivíduo. Para o realismo, o Estado é a figura central do debate (NOGUEIRA & MESSARI, 2005), já o liberalismo não descarta essa figura, “porém, enxerga outras forças pulverizadas juridicamente guiadas no interior e no exterior dos Estados que possuem papel legitimante nas Relações Internacionais” (CASTRO, 2012 p. 338).

Note-se que essa narrativa está alinhavada com o período da chamada Grande Depressão, ocorrida no período entre-guerras. Até a 1ª Grande Guerra havia uma espécie de consenso de que os conflitos entre Estados acarretariam proble- mas unicamente para aqueles envolvidos nos mesmos, restando os demais ilesos. Contudo, outros foram os cenários observados. O que motivou a emergência de estudos sobre as Relações Internacionais e sobre o Sistema Internacional, buscando alternativas viáveis que pudessem apresentar métodos centrados em modelos conceituais voltados a proscrição dos conflitos (CARR, 2001).

Com o advento da Segunda Guerra Mundial, as premissas defendidas por idealistas (ANGELL, 1912; WILSON, 1918; ZIMMERN, 1926) para a ma- nutenção do status de paz passaram a ser vistas com desconfiança, haja vista a eclosão de uma nova guerra recepcionada pela comunidade acadêmica como validação das teses realistas (GONÇALVES, 2004). A partir de então, a con- formação do Sistema Mundial em dois polos de poder antagônicos e beligeran- tes (EUA e URSS) reduzindo as apostas em uma paz duradoura. Parafraseando um dos grandes teóricos idealistas, Norman Angell (1912), a paz tornou-se, então, uma “Grande Ilusão”. Nesse embate comunicativo, o Realismo logrou maior êxito na difusão do seu pensamento teórico, sendo, portanto, o paradigma hegemônico a partir de então, coroado pela publicação de Hans Morgenthau em 1948, A política entre as nações. (NOGUEIRA & MESSARI, 2005 p. 4).

Dentro do escopo comunicativo, reitera-se, entendido como sinônimo de disputas hegemônicas por protagonismo no cânone, ocorreu um segundo momento de grande efervescência entre os principais paradigmas dominantes à época: o chamado segundo debate. Por cerca de duas décadas, após supera- do o embate comunicativo anteriormente citado, a teoria realista figurou-se como protagonista dos principais estudos relacionados à ordem mundial. Às vésperas da viragem da década de 1950 para 1960, ocorreu a chamada “re- volução behaviorista“ nas Ciências Sociais, trazendo novas discussões para o campo das RIs entre teóricos behavioristas e tradicionalistas. Se a primeira rodada comunicativa teve um caráter ontológico, centrado em o que estudar, as discussões desse segundo debate estavam relacionadas a aspectos metodo- lógicos, isto é, como estudar (NOGUEIRA & MESSARI, 2005).

Embora se tenha inaugurado um novo embate comunicativo nas Relações Internacionais, não se pode passar despercebido que o segundo debate parece representar uma espécie de recall comunicativo entre os núcleos duros da disci- plina. Isso porque houve um descontentamento por parte dos teóricos compor- tamentalistas com o modelo de estudo desenvolvido pelos realistas tradiciona- listas, o que levou ao maior fluxo de participação acadêmica (norte-americano) nas discussões referentes à metodologia das RIs (GONÇALVES, 2004). A razão para a ocorrência desse novo embate, nas palavras de Finnegan (1972), reside em três premissas: nas disputas entre behavioristas e não-behavioristas na Ciência Política, cujos respingos atingiram as Relações Internacionais e le- varam a disciplina a uma reformulação das abordagens científicas dominadas pelos tradicionalistas; na reação dos críticos teóricos de ambos os lados, face a intrusão behaviorista; e tendência natural de produção de novos métodos al- ternativos, em um campo ainda não consolidado (apud LAGE, 2007 p. 106). Diferentemente do primeiro debate, a crítica residente nesse embate co- municativo não tinha como premissa o rechaço das teorias vigentes (realis- mos), outrossim, a intenção era fazer evoluir os métodos adotados e elevar a credibilidade da teoria61. (GONÇALVES, 2004). Prova disso, ambos os

lados adotaram, em alguma medida, o reconhecimento das contribuições de seus adversários. Tal estratégia foi amplamente utilizada por teóricos tradi- cionalistas como Hedley Bull (1966) e teóricos behavioristas como Morton Kaplan (1966) que construíram seus argumentos atribuindo “um núcleo de proposições” de seus adversários como forma de reafirmar sua própria aborda- gem (LAGE, 2007 p. 106). Desse embate não houve um lado vencedor; no entanto, ao desafiar a proeminência hegemônica do tradicionalismo realista, os behavioristas impactaram consideravelmente a condução das pesquisas e a formulação metodológica das Relações Internacionais.

No decurso dos anos 1970, questões linguísticas, de identidade, gênero e cul- turais passaram a compor a agenda das Relações Internacionais, abrindo-se espa- ço para uma nova luta hegemônica, entendida aqui, na chave pós-fundacionalista, como processo de constestação e redefinição da própria identidade da área.

61 Segundo Gonçalves (2004), os teóricos behavioristas não rechaçavam o método de previsibilidade do comportamento estatal. No entanto, arguiram que essa metodologia precisava ser aperfeiçoada, utilizando-se algoritmos matemáticos e estatísticos. “De acordo com a nova metodologia proposta, os dados considerados importantes para a formação do poder do Estado deviam ser mensurados. A partir daí, as variações e as simulações de variações constituiriam o material da análise do especialista”. Cf. GONÇALVES, 2004 p. 18-19.

Nesse contexto de indefinição, emerge um panorama de pluralismo teórico, intensificado posteriormente, e se conformaram “os vértices de um triângulo interparadigmático” (LAGE, 2007 p. 109 – grifo do autor), cuja característica principal é a oposição aos modos de unificação do poder (BURNHAM, 1991). Nesse lapso temporal, diante da iminência de um novo confronto de ideias batia à porta uma nova rodada comunicativa nas Relações Internacionais, na forma de novo debate. O chamado terceiro debate representou, portanto, um marco espaço-temporal importante para o campo das Relações Internacionais, caracterizado, sobretudo, pela pluralização teórica, surgimento e fortaleci- mento de temáticas antes descartadas, em um processo de modificações signi- ficativas para a área, dentre os quais um reforço para as questões linguísticas, epistemológicas, metodológicas, ontológicas e normativas. Situado na arena dos embates voltados para a contestação e resistência frente ao racionalismo, centrado nas verdades cientificas absolutas, o cerne comunicativo se circuns- creve à crítica, conforme Keohane (1988) dos teóricos reflexivistas versus ra- cionalistas, posteriormente classificados como pós-positivistas e positivistas, respectivamente. (LAPID, 1989 p. 239).

Robert Keohane (1988) acreditava que os paradigmas reflexivistas não se adequavam à sistematização científica trazida pelas correntes tradicionais e que, portanto, não representariam um conhecimento válido ou desempenha- riam a função de complementariedade às correntes racionalistas. Yossef Lapid (1989), em contrapartida, afirmava que o conhecimento construído pela cor- rente pós-positivista era igualmente válido assim aos positivistas, ressaltando a importância de se localizar tais perspectivas, não existindo, portanto, neu- tralidade no “fazer ciência”, na medida em que a objetividade possa camuflar juízo de valor. Diante disso, Lapid (1989) formulou sua tese com base em três questões que emolduraram o debate, como uma gênese do pós-positivismo, classificado por ele como corrente plural: o paradigmatismo, o perspectivismo e o pluralismo (LAPID, 1989 p. 239).

O Paradigmatismo está referenciado à concepção meta-científica de que os saberes são acumulados a partir de conhecimentos derivativos da renovação ou do aperfeiçoamento teórico, formando assim um conjunto de novos saberes, legitimados por longo período de tempo. No entanto, nessa construção meta- científica estão inclusas algumas premissas que eram consensuais de uma época ou derivativas de valores, quais sejam: os eixos fenomenológicos, os analíticos e os eixos temáticos. Isso significa que não há uma única forma de ver o mundo, tal como insistiam os positivistas em classificar o que é ou não ciência. Há, outrossim, uma troca de conhecimentos entre a disciplina e outros ramos das

Ciências (Antropologia, Sociologia, Filosofia, Letras), sem que nenhuma dela reivindique o título de única e verdadeira ciência (LAPID, 1989 p. 240).

O perspectivismo está relacionado à questão do ponto de vista, ou seja, à cla- rificação da ideia de que todos os indivíduos possuem limites interpretativos e pressuposições perspectivistas; e isso, indiretamente influencia a investigação teórica. O que se quer salientar é que não há um único ponto de vista ou única teoria capaz de explicar determinados assuntos ou temas; essas questões estão acima do que os positivistas pressupunham. O conhecimento não está dado, ao contrário, como bem registraram os teóricos construtivistas, ele e construído socialmente através de disputas hegemônicas (LAPID, 1989 p. 242).

Por fim, o chamado relativismo pressupõe um questionamento da realida- de dada, do monismo metodológico positivista, contestando-o. Os critérios que vão delimitar o que é um conhecimento cientifico passam a levar em con- sideração o seu contexto social e histórico, o que antes não era feito. O que se constata com essa premissa é que não existem verdades incontestáveis, mas consensos provisórios e modificáveis de acordo com a época e com o contexto, sendo legitimados e contestáveis socialmente. O relativismo metodológico é plural e, segundo o autor, abre pressupostos para o fortalecimento de inúme- ras teorias, de modo a trazer ricas contribuições para os campos das relações internacionais (LAPID, 1989 p. 244).

É desse momento histórico dos embates comunicativos das Relações Internacionais que emerge para a superfície dos espaços contestatórios grande parte das teorias lastreadas pela crítica aos paradigmas hegemônicos. Dentre elas, e em razão do tratamento que se quer dar ao tema, abordaremos a cha- mada Teoria Crítica das Relações Internacionais, cuja representatividade se credita à Robert Cox (1983), além de apresentar as matrizes de pensamento advindas das correntes de pensamento de bases gramscianas e habermasianas.

3. A TEORIA CRÍTICA E A CRÍTICA AOS