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COMUNICAÇÃO, GÊNERO DISCURSIVO E EFICÁCIA TEXTUAL NA PRODUÇÃO ESCRITA

LUZ DOLOROSA

Fulgem da Luz os Viáticos serenos, Brancas Extrema-Unções dos hostiários: As Estrelas dos límpidos Sacrários, A nívea Lua sobre a paz dos fenos. Há prelúdios e cânticos e trenos Tristes, nos ares ermos, solitários... E nos brilhos da Luz, vagos e vários, Há dor, há luto, há convulsões, venenos... Estranhas sensações maravilhosas

Percorrem pelos cálices das rosas, Sensações sepulcrais de larvas frias... Como que ocultas áspides flexíveis Mordem da Luz os gérmens invisíveis Com o tóxico das cóleras sombrias...

De começo, lê-se o poema para o público sem outros comentários além daquelas informações apresentadas acima. Em essência, os alunos experi- mentam um choque ao entrar em contato com texto do qual não conseguem construir um significado plausível. Além disso, é comum ouvir dos alunos que “texto sem pé nem cabeça como esse qualquer pessoa escreve”. Surgem, por fim, algumas manifestações de riso, que não deixam de sinalizar para um processo de desvalorização do texto.

O professor deve intervir nesse momento a fim de colocar em evidência que o sentido de qualquer texto não é prerrogativa do autor, mas que deriva de processo de interação, de ação dialógica para a qual concorrem o autor, o texto e o leitor em ação colaborativa. Da mesma forma, precisa destacar sem- pre as condições de circulação do texto, o gênero textual por meio do qual ele circula. Depois disso, o professor pode se lançar à contextualização do poema em causa, consoante sugestão que segue:

Gênero textual: poema (simbolista): “Luz Dolorosa”. Produtor: Cruz e Sousa (1861-1898). Receptor: leitores do poema. Condições de produção: escritor tem tempo para escrever e burilar a composição: achar palavras, sonoridades, metros, rimas adequados. Escrita guia-se pela estética simbolista e temas, ideo- logia e traços pessoais. Condições de recepção: leitor de literatura escolhe textos que lerá. Leitura ocorre em ambiente isolado e propenso à reflexão. Receptor dedica tempo necessário para interpretar a composição, podendo voltar ao texto depois de períodos de tempos afastado dele. Há os críticos literários, que, além de ler por prazer, leem em razão de motivos profissionais. Intenção produtor: provocar prazer estético (estesia), revelar visão de mundo tanto do estilo artísti- co (estilo de época) quanto do autor, conduzir leitor a reflexões.

Não resta dúvida de que o poema é agudamente simbolista, o que equivale a declarar que advoga concepção de arte não realista, que, afastando-se da figurativização, tende ao abstrato, procurando atingir a poesia pura, isto é, espécie de poesia em que o referente se rarefaz. O texto, assim, é quase des- provido de assunto, valendo-se da sugestão, da evocação e não da explicitação ou da revelação.

Além disso, integrava programa estético dos simbolistas abandonar a ex- pressão transparente em prol de linguagem opaca, que causasse dificuldades para o leitor. Desse ângulo, os escritores desejavam produzir verdadeiros enig- mas. Não foi por outra razão que o simbolista francês Stéphane Mallarmé (1842-1892) afirmou que “nomear um objeto é suprimir três quartos do pra- zer do poema, que consiste em ir adivinhando pouco a pouco: sugerir, eis o sonho” ( GOMES, 1994, p.27).

Resultado imediato disso: por vezes, os textos abandonam voluntariamen- te - seja por programa estético, seja por outras estratégias - a clareza, que, portanto, não pode ser tida, sem maiores questionamentos, relativizações e problematizações, como qualidade de todos os textos, venham eles de todos os tempos e de todos os lugares. No exemplo de texto simbolista, mais valori- zada será a composição quanto mais for sugestiva, nebulosa e enigmática. Se for muito claro o poema, poderá a ser valorizado no neoclassicismo, mas não como simbolista. A propósito, veja-se passagem extraída do livro Português

para Convencer: Comunicação e Persuasão em Direito, de autoria de

A redação difusa, marcada por afirmativas vagas e conceitos inespecíficos, é um recurso que pode ser usado quando o advogado tiver obrigação de falar nos autos e não desejar antecipar seus argumentos. (2006, p.64)

Chegando-se a este ponto da análise, impõem-se reflexões de ordem conclu- siva. A primeira delas é a seguinte: urge sempre ter em conta de que inexistem regras e valores predeterminados para a redação de um bom e eficiente texto. O produtor reflete sobre as estratégias que adotará em razão do gênero textual, do receptor, das condições de produção e de recepção texto, do efeito que ele deseja causar no receptor. Vista desse ângulo a produção de textos, cada novo evento de comunicação demanda nova estratégia de redação.

Tanto há que desconsiderar regras absolutas e universais dirigidas ao ensino e à aprendizagem da produção textual que inexiste manual de redação que sirva, indistintamente, a todos os cursos universitários nos quais se estuda tal disciplina. Com efeito, veem-se livros de Redação Forense para cursos de Direito, de Redação Comercial/Empresarial para cursos de Administração e de Ciências Contábeis, de Redação Publicitária para cursos de Publicidade e Propaganda, de Redação Científica para a disciplina de Metodologia Científica, de Redação Criativa para cursos destinados a escritores de ficção, entre outros. Se as qualidades e as virtudes dos textos se limitassem a apenas três ou quatros, haveria tão somente a disciplina e o livro de “Redação”, sem as especificações assinaladas pelos adjetivos.

Um aspecto que deveria, a nosso juízo, ser bem pensado em sala de aula, auxiliando e complementando o manejo dos gêneros textuais é a variação lin- guística. Para além disso, seria, igualmente, proveitoso estudo do português brasileiro. Acrescentaríamos a necessidade de maior espaço para a estilística da língua portuguesa, sobretudo levando em conta a excessiva atenção que é dis- pensada, tradicionalmente, à gramática normativa/prescritiva.

Tratar a noção de produção de efeitos de sentido, também, se faz basilar. Isto é, entender que, em função de determinado sentido que o produtor queira gerar, ele será levado, eventualmente, a subverter um gênero, seja no seus aspectos te- mático, estilístico e compositivo. Tomando como ilustração os gêneros literários, podemos citar o poema herói-cômico, que, para moldar efeito de sentido burles- co, vale-se do tema comum ou vulgar, empregando o estilo solene da epopeia.

Aceitando semelhante postura, quanto mais o produtor de textos dominar estratégias compositivas e recursos linguísticos variados e alternativos, mais possibilidades terá de redigir textos eficientes, adequados a cada nova situação comunicativa diferente a cada efeito de sentido almejado.

No caso do professor de língua portuguesa, ele deveria exercitar nos alunos a competência metagenérica de forma mais ampla possível; deveria princi- piar a ensinar-lhes não apenas como elaborar um texto objetivo (ou melhor, que produza efeito de sentido de objetividade), claro, correto e conciso, mas, também, como e em quais circunstâncias construir um texto obscuro, prolixo, enigmático, impreciso, enfadonho, vazio, pomposo, etc. Dessa forma, eles dominarão o maior número de gêneros textuais que integram os domínios discursivos pertencentes aos numerosos campos da atividade humano, tor- nando-se, assim, melhores comunicadores em geral.

O ensino dos recursos expressivos da língua deveria se processar ao mesmo tempo do ensino de alguns tópicos de argumentação, que poderia ser traba- lhada com base, por exemplo, numa tipologia de argumentos particular, como aquela proposta por Chaim Perelman e Albrechts-Tyteca. Nesse quadro, um exame sistemático e instrumental das figuras de retórica – da forma como tem sido proposta por Fiorin (2014), ou seja, com a persuasão ocupando o centro dos interesses – seria muito vantajoso para o aluno.

Um comentário final: eleger um texto eficiente é, em larga medida, ter em consideração o quanto o emissor conseguiu levar o destinatário a fazer, a pen- sar, a sentir o que ele, emissor, queria que ele, destinatário, fizesse, pensasse e sentisse a propósito de uma série de coisas (acreditar na veracidade dos fatos relatados no bilhete, assinar a ata, dar nota 10 para a monografia, emocionar- -se com o poema, por exemplo). Ou seja, a eficiência do texto está relacionado com um dos aspectos mais relevantes do discurso, isto é, a argumentação, o estar orientado para o outro, procurando agir sobre ele.

Sendo os discursos, naturalmente, dialógicos, todos se colocam num pro- cesso de controvérsia, compartilhando de atitude responsiva uns em relação aos outros ( FIORIN, 2014a, p.29). Mais uma vez, os alunos devem estudar a língua, não apenas sob a batuta da gramática prescritiva, mas, acima de qualquer coisa, à luz da estilística, da pragmática, da retórica, da semânti- ca argumentativa, entre outras disciplinas mais aptas a encarar a linguagem como espaço de interação social, que busca não apenas a correção, a pureza da língua, mas, sobretudo, a produção de sentidos diferentes, que atuem, com eficácia, sobre o outro. Em diferentes termos: um estudo da língua tendo em perspectiva a alteridade e a transitividade.

REFERÊNCIAS

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A COMUNICAÇÃO JORNALÍSTICA