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3.MÚSICA COMO LINGUAGEM

CAMUFLAR AS DISPUTAS HEGEMÔNICAS

Mayra Goulart da SILVA59

Luís Carlos Alves de MELO60

RESUMO: Este artigo busca estabelecer uma narrativa acerca da comunicação

nas Relações Internacionais, além de uma crítica ao modelo propagandístico hegemônico utilizado pelos teóricos dos paradigmas dominantes da área. Para isso, três caminhos serão trilhados: primeiro, entende-se o modus comunicativo (inter)-paradigmático descrito na forma convencional de debates teóricos, com atenção ao denominado Terceiro debate; segundo, aborda-se o fortalecimen- to da Teoria Crítica como marco de contestação do modelo canônico vigente; terceiro, compreende-se como a virada linguística representou nova oxigenação ao campo de estudo e a inserção de novos temas. Ao final, conclui-se que o movimento crítico é potencial para um novo modelo comunicativo, constitutivo de novos espaços de diálogo tanto no campo teórico como no social.

PALAVRAS-CHAVE: Comunicação. Hegemonia. Relações Intenacionais.

Teoria Crítica. Virada Linguística.

ABSTRACT: This article aims at elaborating a narrative concerning the

communication in the international relations, as well as a critique of hegemo- nic propagandist model used by dominant paradigms theorists. For this, three paths will be pinched: first, means the modus (inter)-paradigmatics described in forthcoming conventional way of theoretical debates, with attention to the so-called Third debate; Second, deals with the strengthening of critical theory as a canonical model challenge in force; third, it is understandable how the lin- guistic turn represented new oxygenation to the field of study and the insertion of new themes. In the end, it appears that the critical movement is potential to a new communicative model, establishing of new spaces for dialogue both in the theoretical field as social.

59 Professora de Teoria Política e Política Internacional na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ. Mestre e Doutora em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos – IESP/UERJ

KEYWORDS: Communication. Hegemony. International Relations.

Linguistic turn. Critical theory.

INTRODUÇÃO

A narrativa do desenvolvimento das Relações Internacionais, enquanto campo disciplinar, tem sido feita por meio da simbologia de debates travados entre diversos teóricos na busca de estabelecer um marco para a área. Tal simbologia pode ser traduzida como um método comunicativo entre os para- digmas teóricos e sua tentativa de se fixar como liderança no cânone literário desse campo de estudo, que, portanto, merece especial atenção. Isso porque grande parte dos estudos sobre comunicação em Relações Internacionais está relacionado à chamada comunicação de massa, ou seja, aos meios disponíveis e utilizáveis para comunicar em grande escala. Embora seja ainda um campo rico de investigação, não é sobre a comunicação de massas que refletiremos ao longo destas páginas. Isso posto, tomemos nosso caminho principal.

Na narrativa convencional das Relações Internacionais, os grandes deba- tes (GROOM; LIGHT, 1994) simbolizam um confronto entre paradigmas teóricos, novos e antigos, em relação às mudanças estruturais e funcionais do Sitema Internacional. Assim, diante de um quadro de incapacidade de determinada teoria dominante de produzir respostas sobre novos elementos, “pesquisadores buscam aprofundar suas reflexões com a finalidade de obter formulações teóricas mais ricas, que abram o caminho para o conhecimento mais verdadeiro da realidade das relações internacionais”. (GONÇALVES, 2004 p. 17). Desvencilhando-se desse convencionalismo, Ole Wæver (1996) classifica esses debates como meras alegorias das disputas existentes entre pa- radigmas dominantes pela consolidação de sua liderança do cânone da área. Nogueira e Messari (2005), ao rejeitar essa superficialidade narrativa, apon- tam que os grandes debates são, em verdade, mitos fundadores inventados pelas teorias dominantes para conferir-lhes “uma linhagem nobre, conquista- da em sucessivas batalhas contra paradigmas adversários”. (NOGUEIRA & MESSARI, 2005 p. 14).

O objetivo deste artigo, portanto, é discutir como as Relações Internacionais se comunicam teoricamente, sendo nossa hipótese associada ao conceito de hegemonia, utilizado como chave analítica para compreender o modo de es- truturação da disciplina enquanto práxis discursiva.

Pavimentado o caminho a ser trilhado, propomos a seguinte caminhada: em primeiro lugar, será apresentado o conceito de hegemonia, que será uti- lizado como fio condutor na construção de uma narrativa acerca dos grandes debates, propondo uma crítica inicial ao modelo de comunicação que os es- trutura. Com base nessa abordagem, será possível desenvolver uma segunda hipótese de trabalho, voltada a delinear o chamado terceiro debate como um ponto de ruptura com esse modelo, apresentando-o como uma crítica ima- nente ao cânone.

Em seguida, esse terceiro debate será destrinchado através de suas radicali- zações, observando os desdobramentos da Teoria Crítica de matriz frankfur- tina (COX, 1983; GILL, 2000; LINKLATER, 1998) em compasso com a virada linguístico-epistemológica das Relações Internacionais.

1. O CONCEITO DE HEGEMONIA: O DISCURSO

E SEU PAPEL NA FORMAÇÃO DE IDENTIDADES

EM UM CONTEXTO PÓS-FUNDACIONAL

O conceito de hegemonia se origina na tradição marxista, demarcando uma inflexão no debate teórico acerca da relação entre estrutura econômica e superestrutura política, enfatizando a importância da última na configuração da teia de relações sociais que forma as diferentes comunidades distribuídas no tempo e no espaço. Com isso, a sociedade civil e a ideologia emergem, respectivamente, como espaço e ferramenta das lutas por poder. No entan- to, embora tenha sido primeiramente formulada por Vladimir Lênin, é com Antonio Gramsci que a noção de hegemonia assume um papel central no interior do marxismo. As formulações dos autores seguem uma relação de continuidade; porém, estão endereçadas a contextos históricos distintos.

Lênin se dirige, pois, a uma conjuntura política singular, marcada por con- vulsões sociais (a Revolução de Fevereiro, de 1917, que, por sua vez, sucedeu a Revolução Russa de 1905) caracterizadas por dificuldades de organização por parte das forças políticas envolvidas, e pelo engajamento de um grande nú- mero de cidadãos militarizados (sobretudo após o envolvimento da Rússia na Primeira Guerra Mundial). Diante desse panorama, o autor compõe uma ode ao partido como estrutura de organização da ação coletiva, voltada à conquista do aparato estatal através das armas.

Gramsci, todavia, se endereça a um país onde as instituições do Estado e os partidos políticos encontravam-se mais bem organizados, enquanto a popula- ção comum se mantinha relativamente pouco mobilizada, quando comparada ao caso russo. Nesse contexto, são os intelectuais que ganham destaque como instrumentos de irradiação ideológica em uma disputa por corações e mentes, cujo locus prioritário é a sociedade civil.

Saltando uma série de debates e reformulações do conceito de hegemo- nia, este texto se aterá à apropriação realizada por Chantal Mouffe e Ernesto Laclau. Dirigindo-se ao panorama histórico e intelectual distinto marcado, no campo político, pelo fracasso do socialismo realmente existente e, no âmbito teórico, pela crítica ao pressupostos racionais e normativos que o estrutura- vam, os autores operam uma significativa engenharia conceitual. Em HES observa-se a tentativa de alicerçar a dialética em um horizonte pós-fundacio- nal, por meio da incorporação de um arcabouço filosófico alheio à tradição marxista, no qual se destaca a remissão à obra de Jürgen Habermas e Carl Schmitt. Nessa abordagem, estruturada a partir de um aprofundamento da ideia de antagonismo, originalmente presente na noção de luta hegemônica, os sujeitos são apresentados sem qualquer alusão a conteúdos, identidades ou essências transcendentes, sendo compreendidos como produtos de um con- texto histórico e linguístico particular, efêmero e instável por definição.

Deste modo, ao assumir a categoria de pós-fundacionalismo, para definir seu horizonte epistemológico, Laclau e Mouffe pressupõem a possibilidade de retomar o ideal moderno de autoafirmação (self-assertion) separando-o da noção de autofundação (self-foundation). Isto porque a ideia de autofundação pressupõe a capacidade da razão humana de encontrar fundamentos últimos para a existência, sendo, consequentemente, incompatível com a rejeição de suas bases metafísicas, essencialistas e universalizantes. Nesse esforço, os autores apresentam uma teoria acerca da formação dos sujeitos políticos despojada de qualquer essencialismo, na qual toda identidade se configura sob uma perspec- tiva relacional, isto é, através de uma relação de antagonismo. A identidade de um sujeito deixa de ser concebida como algo intrínseco ou apriorístico, tornan- do-se um resultado contingente da relação que ele estabelece com outros termos num sistema de diferenças historicamente construído e instável, uma vez que composto por estruturas discursivas (e sujeitos) antagônicas que impedem seu completo fechamento em uma só totalidade (ALVES, 2010, p. 89).

A hegemonia é, então, entendida como um atributo inerente à formação e transformação das comunidades políticas, surgindo como solução precária e

provisória para uma crise na qual uma parte, que até então supunha preencher o vazio da totalidade, deixa de ser capaz de fazê-lo, sendo substituída por outra. Ou, em outros termos,

O conceito de hegemonia não emerge para definir um tipo novo de relação em sua identidade específica, mas para preencher um hiato aberto na cadeia da necessidade histórica. Hegemonia irá aludir a uma totalidade ausente e às diversas tentativas de recompô-la e rearticulá-la que, ao superar esta ausência originária, torna possível conferir às lutas um sentido e às forças históricas se- rem dotadas de plena positividade. Os contextos nos quais o conceito aparece serão aqueles de uma falha (no sentido geológico) de uma fissura que precisa ser preenchida, de uma contingência que precisa ser superada. Hegemonia não será o desdobramento majestoso de uma identidade, mas a resposta para uma crise (LACLAU E MOUFFE, 1985, p. 07 – tradução nossa).

Tal entendimento recupera, portanto, a filosofia heideggeriana que conce- be a existência como sendo marcada pelo polemos. Este, por sua vez, aparece como instância transhistórica que permite entender o “ser” como produto de lutas, isto é, antíteses ou fricções não amistosas por meio das quais são criados novos termos. A despeito de sua originalidade, Heidegger não é, todavia, a referência fundamental para os autores aqui estudados, Mouffe e Laclau, que concentram suas atenções sobretudo nas contribuições de Carl Schmitt.

Incorporando o léxico schmittiano, os autores se veem perante um uni- verso político inelutavelmente constituído por fronteiras de antagonismo, no qual apenas os fenômenos de equivalência e diferenciação podem engendrar a formação de sujeitos políticos, constituídos de modo instável, precário e efêmero, através de uma relação hegemônica. De acordo com esta aborda- gem, a ideia de equivalência corresponde a uma simplificação do espaço po- lítico em dois campos antagônicos, cujas diferenças internas são subsumidas perante à centralidade do que é idêntico (LACLAU E MOUFFE, 1985, p. 92). Já a ideia de diferença, ao contrário, tenderia a complexificar esse mesmo espaço, abrindo caminho para a diversificação de sentidos e para o pluralismo das identidades.

2. A COMUNICAÇÃO NAS RELAÇÕES

INTERNACIONAIS: O CONVENCIONALISMO