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“Era da Informação” é a expressão usada pelo sociólogo catalão Manuel Castells (2001; 2003; 2015) para designar o atual período histórico de transição dos séculos XX para XXI, marcado pela emergência de uma nova forma social, a “Sociedade em Rede”, organizada em torno de redes digitais de comunicação. Redes são conjuntos de nós interconectados e, na vida social, funcionam como estruturas comunicativas que processam fluxos de informação. Esses fluxos de informação, por sua vez, são correntes de informação que circulam por meio dos canais de conexão entre os nós. A organização em redes é encontrada em toda forma de vida65 e não é específica das sociedades do século XXI, mas é percebida por Castells como a forma organizacional mais eficiente a partir das transformações das tecnologias de

65 Castells faz menção a Capra, que afirma que o funcionamento em rede é comum a todo tipo de vida: “Onde quer que exista vida, existem redes” (CAPRA, 2002 apud CASTELLS, 2015, p. 67).

informação e comunicação (TIC), dos anos 1970 em diante. Tais mudanças, que ocorreram inicialmente nos Estados Unidos e depois foram se difundindo para o restante do mundo, desencadearam o poder das redes e possibilitaram a constituição do que o autor define como um novo paradigma tecnológico (CASTELLS, 2015).

Para além da informatização em si, ou do processo de aplicação dos recursos da informática a processos industriais, organizacionais, laborais, educacionais e mesmo domésticos/cotidianos, o grande motor do novo paradigma da sociedade em rede é aquilo que tece os fios entre os diversos nós e possibilita as conexões entre eles – a internet. Base tecnológica para a forma organizacional das redes, a internet, para Castells (2003, p. 7), é

“[...] o tecido de nossas vidas. Se a tecnologia da informação é hoje o que a eletricidade foi na Era Industrial, em nossa época a internet poderia ser equiparada tanto a uma rede elétrica quanto ao motor elétrico, em razão de sua capacidade de distribuir a força da informação por todo o domínio da atividade humana. Ademais, à medida que novas tecnologias de geração e distribuição de energia tornaram possível a fábrica e a grande corporação como os fundamentos organizacionais da sociedade industrial, a internet passou a ser a base tecnológica para a forma organizacional da Era da Informação: a rede”.

O autor compara, também, o impacto da internet nos dias atuais ao que representou a prensa de tipos móveis no século XV, quando a nova tecnologia fez emergir o que hoje conhecemos por “público”, popularizou a primeira “máquina de ensinar” – o livro – e fez da palavra impressa um instrumento civilizacional. As transformações designadas por MacLuhan (1977) como “Galáxia de Gutenberg” encontram impacto equivalente no século XXI com as tecnologias digitais de informação e comunicação, trazendo um novo mundo de comunicação que, para Castells (2003), poderia ser chamado de “Galáxia da Internet”.

A comparação faz sentido porque, embora seja difícil avaliar efeitos de transformações em curso, sem a distância histórica, perceber a abrangência das áreas atingidas pela expansão da internet e das tecnologias digitais de fato sugere uma transição de era. O crescimento de um novo sistema de comunicação baseado nas redes fez com que atividades econômicas, sociais, políticas e culturais em todo o mundo passassem a se estruturar em torno delas de tal modo que, hoje, não participar desse sistema “[...] é sofrer uma das formas mais danosas de exclusão em nossa economia e nossa cultura” (CASTELLS, 2003, p. 8).

O acesso à internet, que em 1995, segundo Castells (2003), restringia-se a 16 milhões de usuários em todo o mundo, chega hoje a 4,57 bilhões de pessoas – 58,7% da população mundial – segundo dados da Internet World Stats atualizados em 31 de dezembro de 2019.66 No entanto, estudo da União Internacional de Telecomunicações (ITU), órgão das Nações Unidas dedicado às tecnologias de informação e comunicação, indica que 96% da população vivem em locais onde há, pelo menos, possibilidade de conexão por rede de celular 2G, sendo que a esmagadora maioria (90%) pode potencialmente se conectar, no mínimo, a uma rede 3G ou de qualidade superior (ITU, 2018). A exclusão de grande percentual da população frente à possibilidade técnica de conexão evidencia, segundo a Unesco (2017), a existência de um significativo potencial não aproveitado das redes digitais para ações que maximizem o impacto e a eficiência de intervenções educacionais, sobretudo nos países mais pobres, que são aqueles que têm índices menores de cidadãos conectados. A promoção do acesso universal à internet e o incentivo a políticas que favoreçam o acesso a tecnologias de comunicação e informação estão ao lado da garantia de direitos fundamentais relacionados a educação, saúde e cidadania nas metas estipuladas pela Organização das Nações Unidas para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável a serem atingidos até 2030 (ONU, on-line).

A rede que hoje é acessada por quase 60% da população mundial não é um projeto recente: Castells (2015) enfatiza que a internet é uma tecnologia originalmente implementada em 1969 e que levou duas décadas para efetiva difusão em larga escala, em função de uma série de fatores de ordem não só tecnológica, mas também social. Além da rede em si, é determinante para a revolução digital a explosão da conexão sem fio por meio, principalmente, dos telefones celulares, que compõem a tecnologia de comunicação que experimentou a popularização mais rápida da história e cuja característica revolucionária não é propriamente a mobilidade, mas a conectividade contínua.67

Entre o advento dos aparelhos pesados e analógicos dos anos 1990 e o imensurável cardápio de dispositivos Android e iOS dos dias de hoje, tudo mudou no propósito de uso do telefone celular: se antes ele representava o conforto da

66 Internet World Stats é um website internacional que reúne estatísticas atualizadas sobre o uso de internet no mundo, com dados detalhados por país, continente e globais, além de estatísticas sobre mídias sociais, números populacionais, dados de pesquisa de mercado e outras informações. Acesso em: https://www.internetworldstats.com/.

67 Segundo a União Internacional de Comunicações (ITU, 2018), existem 107 aparelhos celulares habilitados para cada 100 pessoas no mundo.

mobilidade para a prosaica comunicação interpessoal a distância com a mediação de um canal de voz, hoje ele serve como um assistente pessoal multifuncional sem o qual a maioria das pessoas não consegue se organizar no dia a dia. O smartphone até mantém, ainda, a função de telefone móvel, mas assumiu também múltiplas atribuições por meio de uma diversidade de aplicativos que, mantidos permanentemente on-line, transformaram o dispositivo em um prolongamento dos sentidos do usuário como nem Jules Verne, na ficção, ou Marshall MacLuhan, em sua teoria de vanguarda, conseguiram vislumbrar.

Pelo celular as pessoas hoje controlam agendas pessoais e compartilhadas, realizam operações financeiras, registram sua rotina em fotos e vídeos, fazem transmissões ao vivo em seus canais pessoais, interagem em sites de redes sociais, comunicam-se com contatos pessoais por meio de aplicativos de bate-papo, acionam serviços privados de transporte individual, ouvem e compartilham música, fazem backup de documentos e conectam-se a satélites para se orientar por aplicativos de localização – não há fim para a lista de funcionalidades que as tecnologias digitais disponibilizam ao usuário. Funcionalidades que, é fato, também podem ser acessadas no computador pessoal ou no tablet, mas se realizam em seu momento mais extremo ao estarem acessíveis na palma da mão.

É também com a mediação desses pequenos notáveis da era digital que, cada vez mais, o cidadão conectado vem acessando informação jornalística, seja por meio de aplicativos dos veículos de mídia, das redes sociais ou do compartilhamento por mensagens privadas. Dados do Reuters Institute for the Study of Journalism em parceria com a Oxford University levantados em 38 países indicam que a popularização dos smartphones para o consumo de notícias vem aumentando ano a ano de forma acelerada. Em 2019, 66% das pessoas ouvidas na amostra restrita a Espanha, Reino Unido, Estados Unidos, França e Alemanha afirmaram que usam o celular como principal dispositivo para consumo de conteúdo noticioso. No Reino Unido, particularmente, smartphones e tablets são os principais aparelhos usados para acessar notícias de maneira geral – mais do que o computador ou os suportes tradicionais. No que diz respeito ao Brasil, onde a internet atinge 71% da população, a pesquisa indicou que os smartphones são o dispositivo preferido para consumo de notícias de 77% das pessoas consultadas,68 e os computadores aparecem com 55%

68 A pesquisa coletou as informações por meio de questionário on-line junto a grupos cujas amostragens foram definidas por meio de critérios que garantissem representatividade de idade,

dessa prioridade. Embora a TV ainda seja a mídia mais poderosa em termos de audiência, constituindo fonte de informação para 73% das pessoas, o relatório mostra que os brasileiros estão entre os mais assíduos usuários de mídias sociais no mundo, com 64% dos entrevistados indicando-as como fonte de notícias. Os três sites de redes sociais mais consultados para acessar notícias no Brasil são o Facebook, o Whatsapp e o YouTube, com 54%, 53% e 42% das respostas, respectivamente (NEWMAN et al., 2019).

A pesquisa do Reuters Institute é possivelmente o mais abrangente estudo sobre consumo de notícias em andamento no mundo e as tendências apontadas em sua série histórica indicam, desde 2013, uma forte ascensão do Facebook como fonte de informação jornalística no Brasil, com um súbito declínio de 2017 para 2018, compensado pela ascensão do Whatsapp – originalmente um aplicativo de mensagens privadas que adquiriu a influência de mídia social ao permitir o envio de mensagens massivas em grupos. O Brasil figura como o país que mais usa o Whatsapp como fonte de informação noticiosa, com 53% dos respondentes, seguido por Malásia (50%), África do Sul (49%) e Hong Kong (41%). Em termos globais, contudo, o uso das mídias sociais como fonte de informação já entra em um quadro de estagnação, enquanto aplicativos de notícias, newsletters por e-mail e notificações por dispositivos móveis vêm ganhando importância em países como Reino Unido, Estados Unidos, França, Espanha e Finlândia. Enquanto a redução sensível na audiência da TV faz emergir questões sobre o futuro papel das emissoras abertas e sua habilidade de atrair a próxima geração de espectadores, a mídia tradicionalmente conhecida como “jornal” parece ter-se tornado sinônimo de suas marcas tradicionais, mantendo-se com formatos on-line e reduzindo vertiginosamente, quando não extinguindo, suas materializações em papel (NEWMAN et al., 2019). Como observa Castells (2015), o jornal continua a ser um “meio de comunicação de massa”, mas em outra plataforma.

4.2 Autocomunicação de massa, interação mediada on-line e audiências