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2.2 A complexidade como macroconceito

2.2.2 Organização (Sistema)

O princípio organizacional ou sistêmico é a ideia panorâmica que remete à noção de ligação indissociável entre todo e partes, partes e todo, que está presente em outros elementos da complexidade. Morin a desenvolve com o estudo de autores que elaboraram teorias sobre sistemas, todos a princípio reconhecendo neles dois traços essenciais: (1) a inter-relação entre os elementos, e (2) a unidade global constituída por esses elementos em inter-relação. O autor destaca a contribuição do linguista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913) para sua teorização ao acrescentar a ideia de totalidade organizada formada por elementos solidários. “Com efeito, não basta

associar inter-relação e totalidade, é preciso ligar totalidade à inter-relação pela ideia de organização” (MORIN, 2008a, p. 131). Nessa lógica, conceitua sistema como “[...] unidade global organizada de inter-relações entre elementos, ações ou indivíduos” (MORIN, 2008a, p. 132). Em suas primeiras obras nas quais trata da complexidade, Morin adota com mais frequência a ideia de sistemas como unidades organizadas; nas mais recentes, o autor assume a preferência por falar em organização, pondo ênfase na noção de ligação entre todo e partes e nas emergências que surgem dessa relação. Por questão de fidelidade às obras citadas, uso ambos os termos neste trabalho, considerando que são indissociáveis e buscando sempre manter a coerência com o contexto original.

O desenvolvimento da noção de sistema feito por Morin, portanto, parte fundamentalmente da teoria geral dos sistemas do biólogo austríaco Ludwig von Bertalanffy (1901-1972). Até meados do século XX a palavra era usada em diferentes áreas do conhecimento – designava, por exemplo, tanto o sistema solar quanto os sistemas sociais, que têm princípios de organização distintos; no entanto, a ideia de sistema não havia sido autonomizada e atentamente estudada até então. A proposta de Bertalanffy, embora pioneira por introduzir a discussão focada na problemática sistêmica, não refletia efetivamente, segundo Morin, o conceito de sistema. Essa teoria partia do fato de que a maior parte dos objetos de estudo das ciências – como átomos, moléculas, células, organismos, sociedades, galáxias, astros – formam sistemas, ou seja, são conjuntos de partes diversas que constituem um todo. Com essa premissa, a ideia sistêmica começa a pôr em questão a validade de um conhecimento reducionista e levanta a percepção de que um todo é mais do que o conjunto das partes que o compõem (MORIN, 2006). No entanto, essa noção era trabalhada de forma generalista, o que não bastava, na visão de Morin, para que a noção de sistema assumisse um lugar epistemológico. A principal crítica do autor à teoria geral dos sistemas é seu caráter holístico, que procura explicar os fenômenos olhando para a totalidade (o todo), sem observar os elementos de base (as partes). Para Morin, essa perspectiva depende do mesmo princípio simplificador do reducionismo.

[...] a teoria dos sistemas não escavou seus próprios alicerces, não elucidou o conceito de sistema. Assim, o sistema como paradigma permanece larvar, atrofiado, não esclarecido; a teoria dos sistemas sofre, portanto, de carência fundamental: tende incessantemente a cair nos trilhos reducionistas, simplificadores, mutilantes, manipuladores de que se devia libertar e libertar-nos (MORIN, 2010b, p. 257).

Visando reagir ao reducionismo extremo da ciência clássica em meados do século XX, a teoria dos sistemas atingiu um holismo que operou uma redução ao todo, desprezando as partes enquanto tal e míope à complexidade no interior da unidade global. Tanto a visão reducionista, que considera apenas as partes, quanto a holista, que só vê o todo, simplificam o problema da unidade complexa e estão inscritas em um mesmo paradigma (MORIN, 2008a). Morin sustenta a necessidade de se pensar o sistema a partir de um princípio de conhecimento que não seja holístico, mas complexo, o que significa elevar a noção de sistema do nível teórico para o nível paradigmático. Restrita ao nível teórico, a ideia de sistema mantém-se filiada ao paradigma de simplificação, pois permanece reducionista (restringe a observação ao todo e despreza as partes). “Só no nível paradigmático, em que desabrocha verdadeiramente sua complexidade virtual, a sistêmica poderia abrir-se para uma nova organização (complexa) do pensamento e da ação” (MORIN, 2010b, p. 274-275).

Uma característica importante do sistema é sua apresentação como unitas multiplex: sob o ângulo do todo, ele é um e homogêneo, mas, do ponto de vista dos constituintes, é diverso e heterogêneo. Olhar para o sistema complexo implica associar as ideias de unidade e de diversidade ou multiplicidade, que, à primeira vista, poderiam se repelir e se excluir.

O que é preciso compreender são as características da unidade complexa: um sistema é uma unidade global, não elementar, já que ele é formado por partes diversas e inter-relacionadas. É uma unidade original, não original: ele dispõe de qualidades próprias e irredutíveis, mas ele deve ser produzido, construído, organizado. É uma unidade individual, não indivisível: pode-se decompô-lo em elementos separados, mas então sua existência se decompõe. É uma unidade hegemônica, não homogênea: é constituído de elementos diversos, dotados de características próprias que ele tem em seu poder (MORIN, 2008a, p. 135).

As partes do sistema interagem entre si, mas é a organização que permite que os elementos sejam dispostos de modo a estabelecer um equilíbrio. Inter- relações, organização e sistema compõem uma tríade indissociável no paradigma sistêmico de Morin. A organização opera o encadeamento das inter-relações entre componentes ou indivíduos na unidade complexa e assegura solidariedade e solidez a essas ligações, dando ao sistema uma possibilidade de duração, mesmo com possíveis perturbações. A organização transforma, produz, religa e mantém as ligações entre os componentes do sistema. Nessas relações surgem as emergências, que são as “[...]

qualidades ou propriedades de um sistema que apresentam um caráter de novidade com relação às qualidades ou propriedades de componentes considerados isolados ou dispostos diferentemente em um outro tipo de sistema” (MORIN, 2008a, p. 137). As emergências só se manifestam a partir da organização dos elementos diversos no todo e não poderiam ser deduzidas pelas qualidades ou propriedades de cada um, isoladamente. “As emergências não são epifenômenos nem superestruturas, mas qualidades superiores originárias da complexidade organizadora” (MORIN, 2011b, p. 209). Ao mesmo tempo em que podem acrescentar qualidades ao sistema (fazendo com que o todo torne-se mais do que a soma de suas partes), as emergências também podem ocorrer de forma negativa, por meio de imposições ou inibições, e, dessa forma, o todo torna-se menos que a soma das partes. “Devemos então considerar em todo sistema, não apenas o ganho em emergências, mas também a perda por imposições, escravidões, repressões” (MORIN, 2008a, p. 146).